quarta-feira, abril 18, 2012

O Brasil de todos nós - ROBERTO DaMATTA

O Globo - 18/04/12



Todos nós somos fadados a falar do Brasil. O Brasil é o todo que nos engloba e nós somos a parte que, sem esse todo, perde o chão ou a terra. Terra é um conceito arcaico. Desterrar foi uma punição tão tenebrosa quanto a morte. Que falem os exilados de todos os calibres. Em inglês ainda se usa land (jamais earth), mas você tem que assistir a um velho filme de John Ford, como "O Homem que matou o Facínora", para ouvi-la claramente na expressão the law of the land, porque, nesta película, trata-se de estabalecer o governo da lei numa "terra" sem regras impessoais: num sistema, as normas que não dependem das pessoas que governam as condutas individuais. No filme, vemos uma sociedade onde as relações pessoais com seus sentimentos particulares de simpatia, dívida, ousadia como poder e o poder da ousadia, são dominantes e inventam a figura de um facínora cujo nome é significativamente Liberty Valance. É justamente para regular essa liberty que existe a regra da lei geral, com suas instituições e agentes.

No filme, a ausência da lei se faz por meio da violência cara a cara, cujos símbolos são o revólver e o chicote. Neste Brasil de todos nós, as tramoias são feitas - eis o que constrange e revolta - indiretamente, com a lei. No Brasil a lei é onipresente, mas ela não tem alma porque nela a autoridade vê apenas a letra, deixando de fora o espirito dos valores da sociedade da qual ela faz parte. Ora, uma lei sem alma é o que vemos, revoltados, em todos os poderes da República onde se prefere atuar mecanica (ou retoricamente) deixando de lado a alma que levaria a um controle dos interesses apaixonados - coisa que os liberais clássicos conheciam bem.

Assim, temos testemunhado muita letra e pouca alma, muito direito e pouca ética. Muita técnica legal e pouco sentimento de justiça igualitária. Seja no julgamento absurdo das menores violentadas, seja na reação às roubalheiras do dinheiro público pelas pessoas justamente encarregadas de administrá-lo.

O conceito de "terra" está enraizado e jamais foi estudado criticamente entre nós. Pois se a "terrinha" fala de um Portugal da origem, a "terra" é o Brasil: aquele lugar onde o gorjeio das aves distinguem o "lá" (do exílio) do "cá" como o lugar plano do aqui e agora. A terra que me recebeu neste teatro. Que me obriga a ter saudade e que, um dia - queira Deus -, vai me receber novamente no seu doce seio.

Ainda sentimos mais saudade do Brasil como terra do que como país, para ampliar um estudo magistral que José Guilherme Merquior faz da poesia "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias. Mas quem é que hoje em dia assiste a filmes de John Ford e lê Gonçalves Dias, interrogaria o leitor abarrotado de titanics, rambos e da poesia inefável das musicas sertanejas?

O mundo - seu cronista reacionário - mudou!

Mas, respondo eu: de fato não temos mais as aves gorjeando, nem John Fords. Mas continuamos a sofrer a vergonha das roubalheiras promovidas por um sistema que insiste em não admitir que um "homem público" não tem e nem pode ter - dentro dos limites do bom-senso - vida privada! Não passamos uma semana sequer sem alguma novidade negativa relativamente ao campo público, ao mesmo tempo que o mundo todo vai ficando cada vez mais transparente para cada um de nós. E a nossa novidade é velha: alguma pessoa pública tirou vantagem pessoal de algum cargo governamental, seja na contratação superfaturada de alguma obra ou na compra de um produto; seja numa aposentadoria indevida, na qual a lei é ampliada para o seu caso; seja na obtenção - vejam o surrealismo - de um doutoramento no qual todos os membros da banca fazem tudo, menos examinar o canditado-ministro, o que envilece gente como eu que, para obter o mesmo grau, fiz pesquisa, escrevi tese inédita, e como professor, examinador e eventual coordenador de um programa de pós-graduação no Museu Nacional jamais confundi pessoa e papel na esfera do poder com a vida intelectual. Tudo foi dentro do regimento, mas foi ético? Pergunta esse pateta reacionário que vos escreve.

Alguns cargos públicos, sobretudo os de presidente, papa, rei, governador e prefeito, que o jurista inglês Henry Maine, chamava de "instituições solitárias", são papéis ocupados exclusivamente por um ator que, neles, torna-se um "personagem", uma "figura" ou um "figurão" (quando fazem inocentes malfeitos como roubar alguns milhões de reais de catástrofes). Sua característica básica é que eles englobam totalmente o ator e não permitem que ele possa sair dos seus requisitos legais e estruturais. Quando investido nesses papéis, o ator tem que pesar cada palavra, gesto ou relação. Dai a ética e o viés de sacrifício que os cerca, pois que exigem do ator uma disciplina que nem sempre é seguida porque em sociedades marcadas pela desigualdade, pelo aristocratismo oculto e resistente dos "homens bons" e de suas múltiplas elites (inclusive as populares), como ocorre justamente no caso deste Brasil de todos nós. Aqui arremato, não é o papel que ocupa a pessoa, mas é pessoa quem domina, apropria-se e, mais das vezes, avilta o papel.

Falta esse debate nas nossa esfera política que adora os gregos como Demócrito e Platão, mas carece de Tocqueville, de Weber, de Arendt e de Jaspers. De gente capaz de dizer: isso eu não faço!

Fato determinado porém expansível - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 18/04/12



A legislação exige um fato determinado para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, mas isso não significa muito. Como já definiu um especialista em rotinas de inquirição no Congresso, o fato determinado de uma CPI é um corpo expansível. Às vezes, os parlamentares que integram a comissão têm mais sucesso na apuração do que está ao redor do objeto de investigação do que propriamente do ponto focado pelo texto do requerimento. O melhor exemplo disso é a CPI dos Correios, que partiu da filmagem de um gesto de entrega de propina de R$ 3 mil a um diretor dos Correios para descobrir o mundo que viria a ser resumido no mensalão.
Assim, não deve tranquilizar-se o governo da presidente Dilma Rousseff pela razão de que a CPI terá como objeto de investigação as relações do Senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) com o contraventor Carlos Cachoeira. Esse é apenas o começo de uma conversa para a qual não há limites. Tanto mais que deve fazer parte desse núcleo a empresa de atividades múltiplas Delta, flagrada nas escutas da investigação dos negócios de Cachoeira. A Delta é uma das principais parceiras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), licitações agora colocadas sob suspeita pelo próprio dirigente da empreiteira em suas fanfarronices telefônicas.
Como as investigações devem correr mais fluídas na periferia do fato, podem bater, por que não, no Ministério dos Transportes, novamente, onde o Dnit entraria na roda como parceiro preferencial da Delta. E assim em outros ministérios e governos que, certamente, tiveram ou têm obras concedidas aos serviços da empresa. Dilma, meticulosa como é, embora pessoalmente não tenha razões para temer a CPI, certamente vai querer pedir análises abrangentes sobre todos os negócios da empresa com o governo, se já não as encomendou. Afeta também o governo a paralisia que CPIs como essa provocam nas atividades parlamentares.

Conexão das ações despertou uma alerta vigilância
Colaboradores do Planalto avaliaram que Dilma chefia um poder que, no momento, precisa pouco do Congresso. Não propôs nem proporá reformas constitucionais. Não tem tramitando ali projetos de interesse de vida ou morte do governo. Leis como o Código Florestal podem muito bem ficar para depois da CPI. A Lei da Copa anda sozinha, tal a diversidade de interesses a impulsioná-la. Costumam relacionar que, tendo obtido uma política permanente de reajuste do salário mínimo e da tabela de imposto de renda, prorrogação da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e nova previdência do funcionalismo, Dilma viu aprovadas em definitivo as políticas até o fim do seu mandato e está menos à mercê dos humores do Congresso. Além do fato de que conta, como os presidentes que a antecederam, com o uso e o abuso das medidas provisórias.
Quando foram levadas ao cabo as CPIs do Collor e dos Anões do Orçamento, uma que envolvia o presidente da República e outra que atingia o Parlamento em uma de suas atribuições capitais, imaginava-se que ficariam circunscritas, cada uma no seu galho. Mas ninguém fez mais nada a não ser viver em função daquelas investigações. Por menos que esteja o Executivo envolvido no inquérito, sempre haverá uma votação importante de seu interesse a ser realizada.
Precisar do Congresso, a presidente pode não precisar, mas irremediavelmente não terá como correr do contato da CPI, mesmo que o envolvimento da empreiteira comum ao PAC e ao Cachoeira não resulte em paralisação de obras ou revisão de contratos.
O Congresso, de saída, sem precisar da elasticidade do fato determinado que surgirá com o andamento da CPI, já está ferido. De início, três partidos estão na roda, sem contar o numericamente fragilizado DEM. Esse vai dizer que expulsou Demóstenes, o que também não quer dizer muito a seu favor. Tinha expulsado José Roberto Arruda e o escândalo não saiu de perto. O PT se verá no centro da investigação com os parlamentares goianos já citados em gravações e o governador de Brasília, Agnelo Queiroz; o PSDB com parlamentares goianos e o governador de Goiás, Marconi Perillo; e o PMDB não terá como fingir que não é com ele. Se é verdade o que diz Perillo, não há partido político goiano onde Cachoeira não tenha amigos. Depois, há o governador do Rio, Sérgio Cabral, cujas relações de amizade com Fernando Cavendish, da Delta, são bem conhecidas.
Além do eixo Cachoeira-Delta, a abrangência dos fatos pode dar uma volta e chegar novamente ao assessor do ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu. Waldomiro Diniz era responsável pelas relações do gabinete com deputados e Senadores e foi afastado como protagonista do primeiro escândalo do governo Lula, flagrado justamente em negociações gravadas com Carlos Cachoeira. Não é possível fechar o círculo? Em CPI tudo é possível.
Isso torna mais incompreensível ainda a intervenção do PT para misturar os escândalos e embaralhar a votação do mensalão no Supremo Tribunal Federal. Numa reflexão depois das consequências do que até agora parece uma irrefreável precipitação política, e que acabou provocando recuo do presidente do partido e de outros líderes de cúpula, a tentativa de confundir as estações só prejudica os réus do mensalão.
Se os advogados conseguissem criar um ambiente de julgamento técnico mesmo sem ter como fugir do seu caráter político, estritamente baseado em provas, sem alarde, seria melhor para o PT e estariam criadas até condições para absolvição de alguns. Com o atual clima, uma CPI e as eleições municipais, fica mais político ainda o ambiente do julgamento.
Há quem já veja no Supremo Tribunal Federal (STF) sinais de reação às pressões que se armam, subjetivamente ou não, sobre o seu trabalho. Um dos mais evidentes é a posição que vem sendo manifestada por vários ministros, ao mesmo tempo, sobre a exiguidade do tempo, a necessidade de apressar o processo para que tudo termine antes de julho, com todos os ministros do STF, que já conhecem os autos, no exercício de suas funções. Outro sinal são as gestões dos próprios ministros junto a Ricardo Lewandowski, revisor do processo, que antes estava à vontade para conjecturar a possibilidade de a demora levar à prescrição dos crimes. A conexão de todos os fatos acabou chamando total atenção sobre o ele.

Sobrou para a Boa - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 18/04/12

Eduardo Paes vai publicar decreto para proibir botequins de usarem letreiros com marcas comerciais, como as de cerveja. O prefeito diz que se cansou da monocromia do azul.

Lá vão os noivos

A 8a- Câmara Cível do Rio decidiu por unanimidade, baseada no voto do desembargador Luiz Felipe Francisco, converter em casamento o relacionamento homoafetivo de dois rapazes. É a primeira decisão da Justiça fluminense neste sentido.

Em tempo de graça

Maria das Graças Foster, presidente da Petrobras, foi eleita uma das cem pessoas mais influentes do mundo pela “Time”, a revistona americana.

Caso médico

Ontem, menos de 24 horas após um implante de estimulador cerebral profundo na Clínica São Vicente, no Rio, o maestro João Carlos Martins, 71 anos, já falava ao telefone, lúcido, com a amiga Myrian Dauelsberg. A cirurgia, que durou nove horas, foi comandada pelo médico Paulo Niemeyer.

El Rei

O sucesso da turnê de Roberto Carlos excede no México. Acredite. Um show extra teve de ser aberto ontem no Auditório Nacional, com 14 mil lugares.

No mais

De um gaiato sobre a ameaça do governo espanhol de retaliar a Argentina por causa da estatização da YPF: — Vai ver a Espanha quer estatizar o... Messi.

Semente, o filme
Yamandu Costa, 32 anos, o festejado violonista gaúcho, arrisca- se como cineasta. Dirige um documentário sobre o Bar Semente, altar da música na Lapa, que doou ao país talentos como Teresa Cristina. O roteiro é de Patrícia Terra.

JULIANA PAES, 33 anos, lindeza em forma de Gabriela, corre no sertão castigado do Junco do Salitre, em Juazeiro, Bahia, na gravação do primeiro capítulo de “Gabriela, cravo e canela”, a obra magistral do mestre Jorge Amado (1912- 2001) que ganha nova adaptação na TV Globo. A cena é a da travessia de Gabriela pelo sertão, sua retirada da seca, sua corrida ao encontro da vida melhor em Ilhéus. Corre pra eu.

Barba feita
No filme “Luiz Gonzaga, de pai para filho”, de Breno Silveira, o Rei do Baião surge numa cena fazendo barba com Gillette. É um dos merchandising para cinema e teatro que a Procter & Gamble, dona da marca, anuncia hoje no Rio a um grupo de cineastas e atores.

Segue...

O projeto é mais ambicioso. A Africa Rio, de Nizan Guanaes, quer entrar pesado no ramo de merchandising para cinema e TV, e atrair outros parceiros.

Poxa, Petrobras

O Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência, entidade beneficente, perdeu, sem que se saiba a razão, seu contrato com a Petrobras. Com o dinheiro, empregava deficientes e usava parte dos recursos para cuidar de 6 mil pessoas por ano gratuitamente.

Sobral, o filme
Paula Fiúza, neta de Sobral Pinto (1893-1891), o grande jurista brasileiro defensor dos direitos humanos, procura ex-presos políticos salvos dos porões da ditadura militar por seu avô. Quer seus depoimentos para um documentário que estreia ainda este ano. Contato: atendimento@ casefilmes.com.br.

Retratos da vida

De quarta a sábado da semana passada, 66 pessoas (a maioria viciada em drogas) procuraram o ônibus da prefeitura do Rio estacionado na Central do Brasil com psicólogos, assistentes sociais, médicos etc. Mas, veja isto, 40% têm residência em outras cidades e até estados, como Minas e Piauí.

Piedade

A plateia da ópera “Piedade”, que a Petrobras Sinfônica apresenta sábado no Vivo Rio, ouvirá antes uma palestra do imortal Antonio Carlos Secchin, especialista na obra de Euclides da Cunha (1866-1909). A ópera, de João Guilherme Ripper, é sobre o assassinato de Euclides, em Piedade, no Rio.

Picolinato emagrece

A nova aposta das mulheres que lutam contra a balança é o picolinato de cromo, que reduz o desejo de ingerir doces. Segundo o site Saúde, em 2011, aumentou 35% a procura pelo produto, em relação a 2010. A nutricionista Carla Bogéa, doutora pela UFRJ, recomenda que se procure um profissional antes de consumir o picolinato.

Aliás...

Em Frei Paulo, chá de picolinato onde bate... deixa pra lá.

Como bois ao matadouro - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 18/04/12

A CPI perdeu um pouco do glamour desde que o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes disse que não tinha nada a declarar

Basta ficar cinco minutos nas salas destinadas aos deputados nos gabinetes de seus líderes para sentir de perto como os parlamentares caminham para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar as relações do empresário do jogo do bicho Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Estão todos com cara de "ai, que coisa chata". Nos bastidores, todos os partidos são unânimes em afirmar que não queriam mexer com isso, mas todos foram levados à comissão que chegará com gostos para todos os paladares.

Quando o assunto surgiu, o PT foi o primeiro a sentir um certo gostinho de coisa boa. No site do partido, o presidente do PT, Rui Falcão, se referia ao evento como a "CPI do Demóstenes". Citava ainda a necessidade de investigar as relações do governador de Goiás, Marconi Perillo. Falcão chegou a conclamar seu partido a fazer a CPI e acusar o PSDB e o DEM de operação abafa.

Os tucanos não deixaram por menos. Avisaram que a CPI tinha que sair. Ontem, receberam ainda o aval do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nessa direção. De passagem por Brasília, FHC foi homenageado com o lançamento do documentário A construção de Fernando Henrique, do jornalista Roberto Stefanelli. Ao discursar, o ex-presidente mandou um recado claro ao dizer que o Congresso não se cala, não abaixa a cabeça e, em certas ocasiões entende que "isso é maior que nós todos. Isso é o Brasil". A mensagem estava dada: ou sai a CPI ou se desmoralizam todos.

Por falar em construção...
Em uma semana, os ventos da CPI mudaram antes mesmo de a comissão nascer. De investigações isoladas, restritas a Goiás, espalhou-se para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), espraiou-se pelo Distrito Federal. A empresa Delta, uma das grandes do PAC, viu-se no centro do palco. A Delta obteve um crescimento exponencial de seus contratos com o poder público desde 2003, primeiro ano do governo Lula.

Diante deste cenário, que coloca o PT sobre o fogareiro, a oposição partiu para o ataque. Não por acaso, deputados e senadores do PSDB, do PPS e do DEM fizeram um ato para a assinar a CPI. Ali, já há quem se refira à comissão como a "CPI da Delta". Há quem suspeite que Cachoeira seja um dos sócios da empresa, mais um enigma que a CPI terá que desvendar.

Por falar em CPI...
Com o PT e a oposição achando possível desgastar um ao outro na CPI — e a população, via redes sociais, gritando para que tudo seja apurado —, a operação abafa ensaiada por alguns foi pelo ralo. É certo que a CPI será instalada. A briga, a partir de agora, será para ver quem controla a investigação. Não por acaso, o PMDB está quieto nesse processo. Seus deputados assinam o pedido de CPI soltando comentários do tipo "é o jeito, não tem saída". Ontem à tarde, era assim que a banda tocava na liderança peemedebista. Ninguém com muita vontade. Mas todos impotentes para evitar a investigação.

O PMDB sabe que seu peso, já passou por muitas CPIs. E, nesse processo, um dos escalados para compor o colegiado foi o deputado Luiz Pitiman, do Distrito Federal, onde Cachoeira tem ligações e o partido, a vice-governadoria. O outro nome posto, mas ainda não definido, é o da deputada Íris de Araújo, de Goiás, onde Cachoeira nasceu. No PSDB, foi escalado Carlos Sampaio, de São Paulo, e virá ainda um outro nome de Minas Gerais, onde a bancada é expressiva.

A ordem entre os partidos indica que vem por aí um jogo de empurra dentro da CPI. Se o que vai vingar é a investigação sobre os contratos da Delta com o governo, ou as relações de Cachoeira com governos estaduais, só mesmo a dinâmica da comissão irá dizer. Ao longo da história ninguém conseguiu controlar uma CPI, embora um amigo lembre que elas perderam um pouco do glamour desde que o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes disse que não tinha nada a declarar. Terminou ouvindo um "teje preso!" da então senadoras Heloísa Helena, à época do PT. Isso foi na CPI dos Bancos, quando o BC foi acusado de auxiliar os bancos Marka e FonteCindam, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, durante a maxidesvalorização do Real.

Por falar em prisão...
Cachoeira está preso, mas CPIs não costumam terminar assim. Um dos poucos que ainda estava preso por conta de uma Comissão Parlamentar de Inquérito era Salvatore Cacciola, dono do banco Marka, que ontem ganhou liberdade, depois de cumprir um terço da pena. Cacciola hoje tem 68 anos. Se Cachoeira ficar na cadeia até atingir essa idade, ficará pelo menos 20 anos.

Fingindo - ANTONIO DELFIM NETTO

FOLHA DE SP - 18/04/12


A despeito do que dizem pseudocientistas, a única proposição de fato não controversa da teoria do comércio internacional é que "algum comércio é melhor do que nenhum comércio", ou seja, trata-se de um jogo de soma positiva em que os parceiros "ganham" alguma coisa.

Dois séculos de intensos trabalhos e pesquisas, desde Ricardo, não conseguiram medir como se distribuem os ganhos entre os parceiros, qual o efeito do comércio na distribuição de renda entre capital e trabalho e se, após a especialização, a economia pode absorver o emprego disponível. São questões políticas, resolvidas nas urnas, e não no mercado. Sabemos também desde Ricardo que, se uma economia com produtividade superior em todos os bens insistir em ser uma "autarquia", estará perdendo a chance de melhorar a vida dos cidadãos.

A importação é fator de aumento do bem-estar quando dá à sociedade a oportunidade de ampliar o universo de escolha de bens finais -ainda mais quando se trata de partes e componentes ou de bens de capital. Os primeiros ampliam o espectro de oportunidades criando, inclusive, mercado para novos investimentos. Bens de capital aumentam a produtividade e a incorporação de novas tecnologias que aceleram o crescimento.

Tais efeitos são maximizados quando há condições isonômicas do competidor nacional com seus parceiros externos. Há anos estamos destruindo cuidadosamente essa "isonomia". Não é preciso ser físico quântico. Um modesto economista entende que a capacidade de pagar importações com exportações condiciona o crescimento econômico possível, sem criar problemas no financiamento do balanço em conta-corrente.

Infelizmente, apesar do aparente "sucesso" de nosso setor exportador, cada vez mais voltado às atividades agrícolas e mineradoras, com concentração em produtos e compradores, não avançamos nada nos últimos 30 anos. Veja a tabela abaixo:

Fingimos que corremos para ficar no mesmo lugar. O resultado é ainda mais trágico diante do tremendo aumento de nossas relações de troca!

Drogas na cúpula - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 18/04/12


SÃO PAULO - Ainda não foi desta vez que os líderes dos países das Américas decidiram liberar as drogas, mas não deixa de ser surpreendente que alguns deles já falem abertamente dessa possibilidade.
Por razões filosóficas -"sobre si mesmo, seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano", dizia John Stuart Mill-, creio que não cabe ao Estado definir o que cada cidadão pode ingerir, mas é preciso cuidado para não transformar a discussão num embate entre palavras de ordem.
É, de fato, preocupante a violência provocada pelas guerras entre os cartéis. Em alguns países, como México e Guatemala, a disputa já representa um risco às instituições democráticas. Faz sentido eles defenderem medidas que reduzam o poder de fogo do crime organizado, sendo a legalização a mais óbvia delas. Afinal, produtores de charutos e de rum, que também são substâncias psicoativas que determinam dependência, não saem por aí em batalhas campais para destruir a concorrência.
Ocorre, porém, que a forma como a droga age sobre a violência não é uniforme. Se, em países da América Central, ela está gerando pilhas de defuntos, corrupção e caos político, em outros lugares sua introdução teve efeito apaziguador. Foi o que aconteceu nas ruas de Los Angeles, onde a chegada do crack nos anos 90 pôs fim às guerras entre gangues. Os jovens preferiram ganhar dinheiro. Algo semelhante se deu em São Paulo, onde a unificação do tráfico sob o comando do PCC, com seu rígido código de conduta, ajudou a baixar as taxas de homicídio.
Numa interpretação mais ecológica da violência, tirar a renda que a droga proporciona à legião de jovens do sexo masculino entre 15 e 29 anos sem instrução ou qualificação profissional poderia levar a uma explosão de assassinatos e outros crimes.
A legalização, estou convicto, deve ser a meta, mas descob rir os caminhos menos traumáticos para um dia atingi-la é tudo, menos trivial.

Pode ir - MARTHA MEDEIROS

FOLHA DE SP - 18/04/12


No domingo 8 de abril, foi ao ar a entrevista que o ator Reynaldo Gianecchini deu à jornalista Marília Gabriela. Houve quem se apegasse ao selinho e ao “te amo” no final, que nada mais foi do que uma manifestação espontânea de afeto entre ex-amantes que se dão bem, mas o que merece registro foi a abertura emocional da conversa, coisa que a TV não costuma esbanjar.

A entrevista comoveu do início ao fim, chegando perigosamente perto do piegas, porém Gianecchini foi tão grandioso, que calou qualquer crítica. Não perdeu a classe, não se vitimizou, falou com desenvoltura e honestidade – foi perfeito.

Houve um momento que sobressaiu aos demais. Foi quando ele contou como foram os últimos instantes de vida do pai dele, que também tinha câncer e que veio a falecer. Gianecchini, sabedor de que o pai estava desenganado, foi ao hospital e juntos tiveram a oportunidade de conversar sobre diversas questões pendentes – que pais e filhos não têm questões pendentes? Não querendo ser mais um a choramingar “por que não disse tal e tal coisa ao meu pai quando ele era vivo?”, foi lá e fez o dever de casa.

Tiveram tempo para zerar as dívidas. Quando não havia mais o que falar, Gianecchini abraçou o pai longamente e disse: “Pode ir”. Então olhou para os monitores e viu que os batimentos cardíacos dele começavam a cair, que o pulso começava a cair – o pai começava a morrer. Ele acompanhou a morte chegando, até que as máquinas deram o sinal de que tudo havia acabado. “Não senti tristeza. Senti paz.”

Entre tantas coisas difíceis que enfrentamos na vida, as despedidas estão entre as mais cruéis. Dificilmente sentimos paz: romper um vínculo é uma pequena morte, e com ela advêm a dor, a culpa, a saudade e o medo diante do que o futuro reserva.

Mesmo as despedidas do tipo “fácil”, como as que ocorrem em aeroportos e rodoviárias, são angustiantes: quando nos veremos de novo? Ao menos, sabe-se que haverá um novo encontro, seja quando for. Já as difíceis implicam separação definitiva. Incluem-se aí divórcios, fins de namoro, discussões que dissolvem amizades, sociedades, empregos. Apesar de necessárias, sangram por dentro. Adeus. Palavrinha fatal.

Pois Gianecchini reverteu a tese de que toda despedida é um suplício. Diante do irreversível, não fez drama. Sofrimento e drama não são sinônimos. Existe o sofrimento pacífico, assimilado, generoso: “Pode ir”. É a aceitação da morte como um rito de passagem tanto para quem vai quanto para quem fica.

O drama é que torna tudo mais doloroso. Elimina a razão, não permite formulações nem aprendizado, apenas corrói, desespera. O drama, que tem na despedida sua cena representativa clássica, é cafona e improdutivo: o tempo que gastamos arrancando os cabelos poderia ser mais bem aproveitado se transformado em meditação e humildade. Aceitar o luto inerente a tudo que acaba é sabedoria das mais refinadas.

Pragmatismo - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 18/04/12

A despeito de não ter criticado a estatização da petrolífera YPF na Argentina, o governo brasileiro está de olho na privatização da empresa aérea TAP. E aguarda o anúncio da licitação pelos portugueses para definir medidas de apoio às empresas nacionais, para que elas se habilitem para o leilão. Estão na prateleira: recursos do BNDES, desoneração dos salários e redução do percentual do PIS/Cofins. O objetivo é manter os voos para a Europa que saem do Nordeste e de Brasília.

Em busca de apoio para o Rio
Os senadores Francisco Dornelles (PP-RJ) e Lindbergh Farias (PT-RJ) tentaram impedir ontem que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovasse projeto que acaba com a guerra fiscal, equalizando o ICMS. Fizeram esse movimento em solidariedade ao Espírito Santo e em apoio aos senadores de Goiás e Santa Catarina, estados que serão prejudicados com a mudança. Os dois senadores do Rio esperam com isso criar uma base de apoio, entre senadores de outros estados, para quando entrar na pauta do Congresso a lei que redefine o pagamento dos royalties do petróleo, cujo texto prejudica os produtores.

“Os partidos de esquerda, que queiram efetivamente mudar a sociedade para melhor, não podem deixar de travar uma luta sem tréguas contra a corrupção” — Tarso Genro, governador (PT-RS)

OS VERDUGOS. O PMDB entregou a presidência da Comissão de Ética para um senador do PSB. Agora, o bloco PSDB/DEM no Senado está disposto a abrir mão de duas de suas seis vagas (três titulares e três suplentes) na CPI Mista do contraventor Carlos Cachoeira. Os oposicionistas convidaram o peemedebista Jarbas Vasconcellos (PE), na foto, e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) para integrarem a comissão nas vagas do bloco.

Dissimulado
O ex-ministro José Temporão (Saúde) encontrou, por acaso, o ex-presidente da Funasa e deputado Danilo Forte (PMDB-CE), e disse: “Estou feliz com a sua eleição!”. Forte comentou com terceiros: “E a gente tem que ouvir calado!”.

A Delta e o Rio de Janeiro
O governo do Rio rompeu um contrato, para a construção de 580 casas populares em Nova Iguaçu, com a Construtora Delta, em 2009. A empresa de Fernando Cavendish, de acordo com o ex-secretário e deputado Leonardo Picciani (PMDB), havia ganhado a licitação com o preço mais baixo, mas para executar a obra pediu um aditamento do contrato no valor de cerca de 87%, sendo que a lei só permite uma revisão de até 25%.

Dependência
A leitura predominante na bancada sênior, da Câmara e do Senado, é que a CPI é a oportunidade que o PMDB precisava para tutelar o PT e ampliar sua presença no governo Dilma. Foi o que ocorreu na CPI do Mensalão no governo Lula.

Hermanos
O presidente do Uruguai, José Mujica, encontra-se com a presidente Dilma amanhã. Ele está preocupado com a nacionalização da YPF. Mujica teme o desabastecimento em seu país e quer que o Brasil garanta suas necessidades.

Contra o fluxo
Diante das críticas à privatização da YPF na Argentina, o ex-presidente da ANP Haroldo Lima reage: “Na História, não há precedente de país emergente ter desenvolvido seus recursos petrolíferos sem uma empresa estatal”.

O LÍDER do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), por causa da Zona Franca de Manaus, obstruiu ontem a votação da PEC da Música na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

A SENADORA Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da CNA, embarcou ontem para a China. Na agenda: a produtividade agropecuária brasileira e o sistema de logística de transporte da China.

TERMINOU o casamento de mais de dez anos entre a CNT e o Instituto Sensus. A entidade vai criar um núcleo próprio de pesquisas de opinião pública.

Sobre heróis e tubas - ANTONIO PRATA


FOLHA DE SP - 18/04/12

Ninguém escolhe a tuba; o cara devia almejar o saxofone, a guitarra, mas chegou atrasado à aula de música

ALI ESTAVA ele, segurando sua tuba; ali estava eu, a observá-lo. Não, não éramos só nós dois: ao meu redor, na plateia, havia centenas de pessoas; no palco, junto a ele, toda a orquestra, mas aos poucos, logo após a assombrosa constatação de que no cosmos, entre cometas e guerras civis, bromélias e ortodontistas, há também tubas e tubistas, os músicos e o público foram gradualmente se apagando de minhas retinas, até que ficássemos só eu e aquele homem -baixinho, meio careca, bochechudo-, lendo a partitura e esperando o momento de tocar seu desengonçado instrumento.

Impossível não se perguntar: que soma de escolhas, acasos, sortes e azares haviam feito com que o sujeito viesse a ganhar a vida assoprando o ar de seus pulmões pelos intestinos daquele luminescente alambique, até sair em forma de cômicas flatulências pelo enorme lírio metálico?

Convenhamos: ninguém escolhe a tuba. Nenhuma criança se senta à mesa do café e comunica: "Mamãe, papai, desisti de ser astronauta, agora quero ser tubista!". A tuba é um acidente de percurso. O cara devia almejar o saxofone, a bateria, a guitarra, mas chegou atrasado à primeira aula de música, todos os instrumentos já haviam sido escolhidos, sobrou apenas a tuba e -fazer o quê?-, se só tem tuba, vai tu mesmo.

Lembrei dos recreios no ginásio. Dois garotos selecionavam os jogadores dos seus times e eu, sempre um dos últimos a ser escalado, invariavelmente acabava como goleiro. Como goleiro, aquele sujeito também ficava no fundo, também passava longos períodos inerte: os violinos, sempre requisitados, correm como artilheiros, o contrabaixo e o piano, no meio-campo, fazem a ponte incessante entre a defesa e o ataque, mas meu companheiro permanecia em silêncio, solitário em sua espera, uma parte de seu cérebro acompanhando a partitura, outra pensando nas contas a pagar, no carro novo do cunhado, nos peitos da Scarlett Johansson.

Os goleiros correm menos, mas correm: pois uma hora também chegou a vez do tubista; ele pôs a boca na palheta, arqueou as sobrancelhas e mandou uma meia dúzia de fons, funs e fãns. Ao ouvir aquelas poucas notas, caro leitor, um curioso processo ocorreu: toda a pena que eu sentia se foi e eu ri. Não da tuba, mas dos outros instrumentos que, subitamente, passaram a exibir-me suas ridículas pretensões. Os petulantes violinos, os pedantes violoncelos, a harpa -meu Deus! A harpa! Quem ela pensa que é?!-: todos aspiram a outras realidades, buscam a transcendência. Só a tuba, em seu cômico desconjunto, é sincera. Como seus companheiros Chaplin e Mr. Hulot, Sancho Pança e Dom Quixote, não busca a piada fácil e estridente, de caixa e prato, mas faz um humor grave, capaz de nos mostrar o avesso do mundo sem um sorriso no rosto. Em sua compleição, caçoa do engenho humano: tantas contorções pra tão pouco! Cruzamento de ganso com locomotiva, sua solar epiderme não esconde a alma de hipopótamo. E o que é um solo de tuba senão a dança dos hipopótamos, de colares havaianos, em "Fantasia"? Pesados, desengonçados, feios: e, no entanto, dançam.

Quando eu crescer, quero ser tubista.

Teimosia da imaginação - MARCELO COELHO


FOLHA DE SP - 18/04/12

Gente muito "popular" pode fazer arte radicalíssima, isto é, sem a preocupação ingênua do "certinho"

Nem todo mundo gosta daqueles bonequinhos de barro feitos pelo Mestre Vitalino. Ainda mais porque os pequenos cangaceiros e burricos se banalizaram em imitações sem-fim, vendidas em qualquer loja para turistas.

Um amigo chegou a dizer que, se dependesse dele, todas as figurinhas de barro do Nordeste seriam moídas de modo a fabricar tijolos para o programa "Minha Casa, Minha Vida". Estou longe de propor coisas desse tipo. Mas durante muito tempo manifestei grande desprezo pelo artesanato popular. Desconfiava do paternalismo de tantos elogios à criatividade dos oprimidos.

Para mim, esse tipo de arte era menos sinal de criatividade do que de opressão. Sem meios técnicos para comunicar o que queria, o artista popular era como um pássaro batendo a cabeça nos vidros de uma janela que não conseguia abrir.

Felizmente, abandonei essa opinião. Basta ir ao Pavilhão da Criatividade, no Memorial da América Latina, para encontrar nas peças populares praticamente tudo que se espera da arte em geral: invenção, beleza, capacidade de recriar o mundo.

De resto, a diferença entre arte popular e arte culta nem sempre se sustenta. Um europeu, vendo alguns quadros de Guignard (penso num ou outro Cristo ou naquelas irmãs rígidas, sentadinhas lado a lado num marquesão colonial), mobilizaria facilmente suas ideias preconcebidas a respeito do Brasil.

Eis aí, pensaria, um artista ingênuo, inculto como a totalidade dos brasileiros... Algumas pinturas de Tarsila, por outro lado, fingem uma inocência caipira que talvez enganasse um estrangeiro.

O contrário também acontece: gente muito "popular", pela condição social, pode fazer arte radicalíssima, isto é, sem a preocupação ingênua do "certinho".

"Teimosia da Imaginação" é o nome de uma mostra atualmente em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, reunindo "dez artistas brasileiros". Omite-se de propósito o fato de serem artistas populares.

Mas quem vê, na entrada da exposição, os cartazes com a foto de cada artista -Jadir João Egídio, Isabel Mendes da Cunha ou Cícero Alves dos Santos, conhecido como "Véio"- percebe que se trata de pessoas muito pobres. Não só pela origem social, mas pelo tipo de vida que ainda parecem levar, mesmo depois de incluídos no mercado de arte.

Pouco importa. É hora de entrar e ver o que eles fazem. Sim, os bonecos de barro estão lá, mas perderam a simplicidade nas esculturas de Manoel Galdino de Freitas (1924-1996).

Existem algumas imagens de Lampião, como manda a expectativa tradicional. Só que o barro foi tantas vezes perfurado, para imitar os ornamentos da vestimenta de couro, que a atividade do artista não mais se limitou a vencer, a superar as dificuldades técnicas do tema. Ganhou autonomia -e poderá voar em outras direções.

Figuras fantásticas vomitam seres humanos, e divindades meio mexicanas meio cangaceiras são criadas num clima que não é de terror religioso, mas sim de moderna (e culta) descrença. As cerâmicas de Dona Isabel são outro caso. A tradição ordena imagens de noivas, "moças bonitas" com corpo de moringa e tonalidades de ocre. O domínio técnico, entretanto, tornou-as lisas, impecáveis, reluzentes.

Numa serenidade alcançada pela completude, sem mais estar em luta com a matéria-prima, mulheres de barro dão de mamar aos filhos. Mantêm-se altivas, mas se libertaram da rigidez.

Mas a luta contra a matéria-prima, afinal de contas, é o que arte erudita moderna encontrou de fascinante na cultura indígena ou africana. Aparece com força total nas esculturas do "Véio", Cícero Alves dos Santos, feitas de raízes, galhos e troncos; e mais ainda na obra de José Bezerra, de uma aspereza neolítica, de uma concisão total.

Concisão que é consciência: não há o esforço de "caprichar", a tentativa de ser alguma coisa que não se é. No fundo, talvez seja essa a diferença que importa, para além das distinções entre "popular" e "erudito". Há quem sabe o que está fazendo e quem não sabe direito, corrigindo-se, tentando acertar, tentando agradar -e aí se dá mal.

Essa consciência de si mesmo não se confunde com a capacidade de dar explicações sobre a própria obra; grandes artistas eruditos são incapazes disso também. Trata-se de saber quando parar, de saber o que se quer, independentemente de qualquer ordem exterior; não é questão de técnica ou de repertório, mas sim de forma e liberdade.

Vegetação ripária da discórdia - ANDRÉ MELONI NASSAR


O Estado de S.Paulo - 18/04/12


O projeto de lei que regulamenta o novo Código Florestal deverá ser votado na Câmara dos Deputados na próxima semana. Minha intenção neste artigo é enfatizar que, independentemente do que for aprovado quanto à recuperação da vegetação que protege os cursos d'água, denominada ripária (do latim ripa, margem do rio), sua conservação - e, portanto, sua restauração, para as situações em que houve desmatamento - deve ser um objetivo a ser perseguido pelo poder público e pelos produtores rurais.

Faço essa defesa da necessidade de recuperação das vegetações ripárias sem deixar de dar suporte à reforma em curso do Código Florestal. Caso a Câmara opte por não acatar o texto aprovado no Senado em relação a esse ponto, uma oportunidade de conciliar produção e conservação será perdida. Tal decisão da Câmara, no entanto, não invalidará a reforma, e muito menos a transformará no produto de amplos interesses mesquinhos de lobby ruralista, como alguns defendem.

Entender processos de mudanças requer desvendar as razões que tornam possíveis transformações nas instituições. O caso da reforma do Código Florestal não é diferente. A atual reforma é consequência de dois movimentos do governo federal, que corretamente adotou medidas com a intenção de conter as escaladas de desmatamento na Amazônia de 1995 e de 2004. Por terem no código seu arcabouço legal de apoio, todavia, eles atingiram também grupos em situação absolutamente diferente dos alvos originais. Na intenção de prover o poder público de ferramentas para criminalizar quem estava desmatando ilegalmente, todos foram postos indistintamente na ilegalidade.

A opção do poder público de enquadrar na lei, da mesma forma, os responsáveis pela escalada do desmatamento e os produtores rurais criou as condições para que a reforma do Código Florestal prosperasse. Mas, considerando que os instrumentos do código - áreas de preservação permanente (APPs) e reservas legais (RLs) - continuam sendo fundamentais para controlar o desmatamento ilegal, seria preciso encontrar uma forma de garantir a adequação desses produtores.

O mecanismo desenvolvido no Congresso foi criar o conceito de áreas consolidadas, ou seja, áreas onde se reconhece a ocupação antrópica sem a necessidade de reflorestamento. O conceito de áreas consolidadas, embora necessário, agrava a complexidade da legislação ambiental brasileira. Se já não faz sentido técnico padronizar as metragens da faixa marginal nas vegetações ripárias e tampouco obrigar cada propriedade rural a manter RLs, a área consolidada só faz sentido como instrumento para se contrapor a àquelas duas.

Do ponto de vista da conservação, o que faz sentido é a proteção da vegetação de áreas frágeis e com elevados serviços ambientais, o estabelecimento de corredores ecológicos que protejam a biodiversidade e a conservação de uma parcela de cada bioma em grandes maciços de vegetação, combinando áreas públicas e privadas. Esse objetivo não foi alcançado no Brasil na sua totalidade com o Código Florestal vigente, dada a enorme inadequação dos produtores rurais.

Grande parte dos problemas de adequação nas questões das RLs e APPs de encostas e topos de morro foi resolvida na versão do código que será votada na Câmara. Ficou pendente a vegetação ripária. O Senado havia optado por manter a obrigação de recuperação parcial com regras mais flexíveis para os pequenos produtores. A versão que saiu originalmente da Câmara sugeria a consolidação das áreas e deixava para os governos estaduais definirem a regra de recuperação ou consolidação integral.

Independentemente do resultado, não pode ser considerada um tema menor a conservação da vegetação ripária. Aliada a técnicas conservacionistas de produção agrícola, como plantio direto na palha, é o exemplo perfeito de equilíbrio entre conservação e produção. Não faltam estudos mostrando casos de bacias hidrográficas com problemas decorrentes da falta de vegetação protegendo as margens dos rios.

Recuperar, mesmo que parcialmente, vegetações ripárias, porém, tem impacto econômico. No caso dos pequenos produtores, pode até comprometer sua atividade produtiva. Como regra geral, o maior impacto está no custo do reflorestamento, e não na perda de área produtiva. Margens de rios ocupadas com pastagens e com agricultura intensiva requerem forte intervenção com plantio de mudas e, pelo menos, dois anos de tratos culturais para que a vegetação ripária se recupere. É o que comprovam os exemplos das usinas de cana-de-açúcar que estão reflorestando no Estado de São Paulo. As mudas são caras porque não há escala no fornecimento delas, e tão importante quanto formar e plantar a muda é controlar mato e ervas daninhas que podem comprometer seu crescimento. No caso da pecuária, ainda é preciso isolar a área dos animais.

São dificuldades que não podem ser deixadas de lado. Os produtores precisam de prazos longos para equacionar os custos no fluxo de caixa e o mercado precisa desenvolver-se para ganhar escala no fornecimento de mudas e serviços de baixo custo. É preciso ter financiamento e - por que não? - algum subsídio governamental, como hoje ocorre nos países desenvolvidos. De preferência, um subsídio estadual atrelado aos programas de conservação de bacias hidrográficas. A nova lei, por sua vez, precisa dar tempo para que tudo isso ocorra, para não pôr todos os produtores na ilegalidade novamente.

Mais importante que definir qual a faixa a ser recuperada é criar as condições para essa recuperação se dar na prática. Com elas é possível manter a recuperação das vegetações ripárias no novo Código Florestal como aprovada no Senado. Veremos qual será a escolha da Câmara.

A aposta do jogo contra as instituições - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 18/04/12


As ligações perigosas do contraventor Carlinhos Cachoeira, que estão vindo a público desde que se descobriu no gabinete do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) uma das pontas da rede de corrupção e cooptação de autoridades montada pelo bicheiro, expõem muito mais que a falência ética e moral de homens públicos que não honram cargos e mandatos supostamente exercidos em nome dos cidadãos que lhes dão votos e lhes pagam pelo exercício da representação. A aposta de Cachoeira no pressuposto de que o dinheiro sujo da contravenção abre portas e compra consciências é apenas uma das vertentes de uma gravíssima afronta às instituições oriunda do submundo da jogatina, contra a qual o país precisa se precaver.

Cachoeira é uma parte do jogo. Há um movimento coordenado pela contravenção, em nível nacional, para, ante as lacunas de um Código Penal que não tipifica como crime essas atividades, ganhar espaços e se impor à sociedade. Entre outros recursos, com apelos à legalização da jogatina feitos com argumentos deliberadamente enviesados, falaciosos, para obter o apoio de incautos. As desenvoltas ações do bicheiro goiano fazem parte do mesmo pacote no qual quadrilhas ligadas ao jogo ilegal se juntam , segundo relatórios da Polícia Federal, para fatiar o país, dividindo entre elas o controle das bilionárias bancas. No Centro-Oeste, o capo é Cachoeira; no Rio, com ramificações no Norte, Nordeste e outras regiões do Sudeste, mandam os decanos cariocas do jogo do bicho; no Sul, quem bota banca é o paulista Ivo Noal.

A divisão territorial das áreas de ação do jogo ilegal é uma clara demonstração de que a contravenção se sofistica, adverte a PF. Outra evidência, mais grave, a merecer a urgente revisão do Código Penal, é a associação das quadrilhas brasileiras a máfias internacionais, disso resultando uma conhecida atividade-fim - a exploração das máquinas caça-níqueis - e outras subterrâneas, como assassinatos e atos de violência como método de intimidação de rivais.

O festival de denúncias a que se assiste nas últimas semanas é de estarrecer. Com a força de uma queda d"água, o esquema de Cachoeira arrasta para a vala comum da corrupção agentes públicos dos três Poderes e empresários. Sobretudo, mostra com preocupante cristalinidade a extensão do poder de cooptação da criminalidade. Sabia-se, por episódios regionais, que forças montadas à margem da lei já vinham inclusive eliminando intermediários no jogo montado para lhes abrir portas nas instituições. No Rio de Janeiro, por exemplo, contraventores e grupos de milicianos, não necessariamente distintos, escalaram representantes diretos para disputar mandatos eletivos ou ocupar cargos na administração pública.

Os episódios envolvendo Cachoeira e seus acólitos revelam uma rede mais extensa - portanto, potencialmente mais perigosa, porque estende os tentáculos da contravenção a gabinetes poderosos de Brasília, de alguns estados e a balanços na iniciativa privada. A resposta da sociedade a tais afrontas deve ser à altura: ampla, exemplar e dentro do pressuposto de que afrontas à lei devem ser inquestionavelmente punidas.

Cena da economia - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 18/04/12


Há dois motivos para o Copom derrubar os juros hoje para 9%: a inflação despencou e a atividade está fraca. O economista José Roberto Mendonça de Barros conta que há pressões de médio prazo que continuarão mantendo baixo o ritmo da economia. O investimento caiu, mudou o mercado de automóveis e os estoques estão altos. O governo só tem usado remédio de curto prazo. O país continua sem projeto.

O economista acha que por algum tempo a atividade ficará mesmo mais fraca. Neste momento, os números são puxados para baixo pelo setor automotivo e pela queda do investimento:

- No bimestre, a queda de veículos foi de 28%, por causa das férias coletivas, estoques elevados e redução relativa da demanda. A redução dos investimentos se reflete no setor de máquinas, tanto mecânicas quanto de comunicação. O setor de máquinas caiu 13%, de equipamentos elétricos e de comunicação, 10%. Isso sem falar no setor têxtil, que caiu 8%, e vestuário, 20%. Mas o mercado de trabalho está bom, o que mantém a renda do trabalhador.

O governo acha que os problemas são causados pelo câmbio, mas não é nisso que José Roberto acredita. No caso de caminhões, por exemplo, há um fator específico. As montadoras estão oferecendo caminhões com motor menos poluente, o Euro 5. Isso com atraso de cinco anos. O problema é que os compradores têm medo de não encontrar gasolina porque a Petrobras não conseguiu distribuir o novo combustível para este motor por todo o país. Há estoque grande de caminhões com motor velho. Quem vai comprar fica na dúvida.

- Há poucas vendas, estoques para 40 dias e muita indecisão nessa transição. A redução de juros pelo BNDES, no novo PSI (Plano de Sustentação de Investimento), deve aumentar um pouco as vendas - diz José Roberto.

No setor de automóvel, há outra conjuntura complicada:

- Durante muito tempo, a diferença entre o preço do carro novo e o usado não era muito alta, e o comprador comprava também para investimento. Em 2008, 35% dos veículos foram adquiridos por quem nunca teve carro. O primeiro automóvel já era zero. Agora, está havendo uma depreciação mais rápida do carro velho, a diferença cresceu, e a dívida às vezes é mais alta do que o valor do bem. Houve aumento da inadimplência, o que levou a uma queda meio brusca de demanda, em parte porque a classe C já está endividada.

A vantagem é que o mercado de trabalho continua bom, o que sustenta a capacidade de compra das famílias. José Roberto acha também que o Minha Casa, Minha vida compete com o carro. A família se endivida para comprar o imóvel, e mobiliá-lo, e adia a compra do automóvel.

- Como a indústria automobilística representa 25% da indústria de transformação, os dados continuarão fracos. Aqui, na MB Associados, já revisamos de 3,5% para 3% a previsão do PIB este ano - diz José Roberto.

Esta semana o próprio Banco Central divulgou que seu índice de atividade - o IBC-BR - mostrou queda em fevereiro pelo segundo mês seguido. Como a inflação caiu forte nos últimos meses, há espaço então para o corte de 0,75 ponto percentual que é aguardado na reunião de hoje. O problema é que tanto o órgão quanto o mercado estão prevendo inflação em alta no ano que vem. O que o país busca e precisa é de inflação baixa por longo tempo. A gangorra da inflação e dos juros não faz bem para a economia. Temos que entrar num estágio de inflação bem baixa e juros também baixos por longo período. É o melhor ambiente para as empresas e as famílias fazerem seu planejamento.

Outro fator que tem afetado a economia é a baixa produtividade. Estudo recente do economista Regis Bonelli mostrou que na última década a produtividade da economia brasileira subiu em média apenas 0,6% ao ano. A da indústria foi negativa, caiu 0,8%. A dos serviços ficou baixa, 0,5%. A produtividade da agricultura é que subiu forte: 4%.

A China também está com uma atividade mais fraca, o que nos afeta, apesar de ser um ritmo menor ao estilo chinês, sempre alto para os padrões mundiais. José Roberto Mendonça de Barros avalia que a China não terá queda brusca, apenas redução, e que, ao mesmo tempo, ela está fazendo uma reestruturação do seu crescimento:

- Está liberando mais o mercado para investimento estrangeiro, mudando lentamente o câmbio e redirecionando o crescimento para o mercado interno. Isso elevará salários e tornará mais difícil para ela ser exportadora de bugigangas. Terá que elevar o nível dos produtos que fornece. Na área de energia, ela está investindo fortemente nas fontes renováveis não convencionais, sobretudo vento.

Nessa comparação é que o economista diz que fica aflito com o cenário brasileiro, porque aqui se pensa no PIB do trimestre seguinte e não o longo prazo. Ele diz que a "passividade" brasileira diante dos gargalos conhecidos que impedem o crescimento sustentado é um risco.

A inflação está baixa e isso nos ajuda, mas no segundo semestre José Roberto acredita que ela subirá um pouco. Aliás, não apenas ele. Um dos fatores será a entressafra de alimentos que este ano será mais forte, com elevação mais acentuada de preços, e outro é a necessidade de correção na gasolina. O preço que a Petrobras fornece às distribuidoras continua parado, o que fez, segundo conta de Adriano Pires, do CBIE, a empresa perder R$ 9,6 bilhões nos últimos 12 meses até fevereiro. Pior, isso está estrangulando a indústria do etanol. Mais uma prova da visão de curto prazo da política econômica.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 18/04/12


Após acidente, sobe demanda por seguro ambiental

A demanda por seguro de responsabilidade civil ambiental cresceu no Brasil nos últimos meses e atrai novos entrantes para o segmento.

No primeiro bimestre, o avanço foi de 119% ante igual período de 2011, segundo a CNseg (confederação de seguradoras).

Além da divulgação de grandes acidentes como os da BP e da Chevron, um aumento da atuação de órgãos de fiscalização, como o Ibama, pode ser responsável pela alta na procura, diz Marco Ferreira, da FenSeg (federação).

"A legislação tem evoluído e o processo de licença ambiental está mais vinculado ao seguro". Ferreira cita também a recente política nacional de resíduos sólidos, que ampliou os critérios de exigência sobre impactos.

"Antigamente havia uma cobertura para a poluição dentro da apólice geral. A partir de 2004 criou-se um produto mais específico. Mas a evolução foi lenta", diz o especialista Mauro Leite, da corretora Marsh.

Exigências contratuais de parcerias no exterior e interesse em preencher quesitos de índices de sustentabilidade em Bolsas são outros motivos para a elevação atual.

"O conceito da sustentabilidade é inerente", diz Jorge Vieira, presidente da CNseg.

Indústrias químicas e petroquímicas se destacam.

Uma das poucas seguradoras que atuam diretamente no segmento, a Liberty, começou em meados do ano passado, na venda de apólices específicas para isso no país, segundo Luiz Oliveira, executivo da empresa.

A Allianz está em processo para entrar neste mercado, segundo executivos do setor. A empresa não confirma.

MATERIALISMO LATINO

Os latino-americanos preferem gastar com um novo produto em vez de uma experiência (viajar a um lugar exótico ou ir a um concerto, por exemplo), aponta pesquisa da consultoria Ipsos.

De 1.500 entrevistados, 54% preferem um produto inovador a uma experiência que exija investimento (46%).

O resultado é bem diferente do observado em outros continentes, em que predomina a vontade de ter uma experiência (como na América do Norte, 63%).

VOADOR

Apesar do aumento do número de passageiros aéreos nos últimos anos, a indústria reduziu o volume de extravios de bagagens, segundo a Sita, empresa de TI para transporte aéreo. Em 2011, o número de extravios foi para 25,8 milhões, ou 6,5 milhões de malas a menos que em 2010.

Bagagens em transferência são 53% dos extravios e custam mais de US$ 1,36 milhão para as empresas.

A Sita não especifica o volume de malas violadas. Extravio engloba furto, perda, atraso, dano e outros, segundo a empresa.

Cadeira O executivo da Unilever Marcos Angelini será o novo presidente da Abipla (Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins). No ano passado, o setor registrou faturamento de aproximadamente R$ 14 bilhões, de acordo com dados da entidade.

Estatização na Argentina dificulta venda de seguros

A estatização da maior petrolífera da Argentina, a YPF, prejudicou a já complicada venda de seguros de comércio internacional no país.

"Já era difícil [conseguir um seguro contra quebra de contrato ou expropriação], agora ficou quase impossível", diz Keith Martin, diretor da Aon Risk Solutions.

Na Argentina, a empresa não vende apólices de longo prazo dessas categorias há três anos.

"O país teve outros casos de quebra de contratos e se recusa a pagar dez sentenças finais de arbitragem internacional. Esse é mais um evento que segue a linha política do governo. Só que mais agudo", afirma Martin.

A Aon publica anualmente um mapa de risco político no mundo. Nele, a Argentina é avaliada como um país de "alto risco".

A empresa considera que o pagamento das dívidas do país e o cumprimento das leis é incerto. Também vê problemas na possibilidade de interrupção da cadeia de suprimentos e na interferência política.

A Argentina só não deve figurar no patamar mais elevado do mapa de risco, ao lado da Venezuela, porque, por enquanto, não há indícios de violência política.

Segundo Martin, a percepção de risco do Brasil não deve aumentar devido às medidas argentinas.

Radicalismo e solidão - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 18/04/12


A decisão do governo da presidente Cristina Kirchner de expropriar a YPF, empresa de capital espanhol, principal produtora de petróleo e gás da Argentina, já é produto de radicalização da atual política econômica do país. E agora, como ficou muito difícil um recuo, a manutenção desse jogo pede ainda mais radicalização.

A legitimação do atual governo tem sido fortemente apoiada no subsídio ao consumo. Para ganhar a boa vontade do eleitor, o regime tratou de garantir renda com base no achatamento dos preços, dos salários e das aposentadorias. Assim, acumulam-se distorções. Uma delas foi o salto da demanda por energia e combustíveis, que a oferta interna não vem sendo capaz de cobrir por falta de investimentos.

A reestatização da YPF acaba por dar razão à parada anterior dos investimentos. Se os controladores da YPF perderam muito dinheiro com a decisão do governo de Buenos Aires, mais ainda teriam perdido se tivessem feito os investimentos reclamados pelo governo da Argentina.

O passo dado atropela a ordem jurídica. Será preciso que muita coisa mude para que o empreendedor volte a se sentir seguro nos seus investimentos na Argentina, porque a qualquer momento estará sujeito a ser surpreendido por decreto de desapropriação por utilidade pública. E isso não vale só para o capital estrangeiro. Atinge qualquer investidor e, sobretudo, o próprio argentino, que não terá nenhum apoio político externo, como a YPF está merecendo dos governos da Espanha e da União Europeia.

Com o fim do regime anterior de convertibilidade cambial, as grandes intervenções começaram em 2001, com o megacalote da dívida externa, de mais de US$ 70 bilhões. Depois veio a estatização dos fundos de pensão, em 2008, cujo patrimônio, superior a US$ 30 bilhões, deixou de ser gerido pelo setor privado, tomado pelo governo. E agora vem essa nacionalização, por questão de soberania energética.

Se for confirmada a queda expressiva dos investimentos, o governo de Buenos Aires terá de intensificar sua intervenção na economia, numa escalada cujos limites e desdobramentos econômicos e políticos são hoje de difícil avaliação.

A falta de investimentos tende a agravar choques de oferta na economia argentina. Como relatou ontem o jornal portenho El Clarín, o aumento do consumo de combustíveis vinha exigindo suprimento de importações que, para 2012, estavam projetadas em US$ 12 bilhões, o equivalente a dois meses de exportações totais.

O forte superávit da balança comercial da Argentina, de US$ 12,5 bilhões em 2008, cai ano a ano e ameaça resvalar para o vermelho (veja o gráfico). É a principal razão pela qual o governo de Cristina Kirchner decidiu monitorar um a um os pedidos de importação.

O governo da Argentina já vinha sendo duramente criticado em escala global, pelo seu protecionismo comercial crescente. A decisão unilateral da presidente Cristina Kirchner, apoiada ostensivamente no exterior só pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, acentua o isolamento externo da Argentina.

Exclusivo! Sarney tem coração! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 18/04/12


Berlusconi merece medalha de honra ao meretrício. Por ter transformado a Itália numa zona!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Bunga-Bunga News! Grande piada do dia: "Berlusconi pedia pra stripper se fantasiar de Ronaldinho Gaúcho".
Isso que é tara, viu? Eu vi a foto da stripper, linda e gostosa! Não, não quero. Prefiro o Ronaldinho Gaúcho! Mas não tinha outro mais jeitoso? O Adriano! Rarará!
E já imaginou se a moda pega? "Sarkozy pede pra Carla Bruni se fantasiar de Wagner Love." Sabe aqueles que já fizeram de tudo e partiram para o sexo bizarro? O Berlusconi, o Maluf pornô, merecia a medalha de honra ao meretrício. Por ter transformado a Itália numa zona! Rarará!
E o Sarney? Manchete do Piauí Herald: "Sarney é submetido a cirurgia para liberar indicação de parente obstruída". Aí fizeram um cateterismo e liberaram uns 300 parentes! E, para visitar o Sarney, o Sírio-Libanês tá liberando bigodes postiços!
Diz que Sarney exigiu que o Sírio abra uma gráfica para empregar a parentela que ainda não cavou um cargo no banco de sangue! Sarney escapa de tudo que termina em "I": CTI, UTI e CPI!
E com essa o Sarney provou que tem coração. Rarará! Confirmado: Sarney tem coração!
E o Sírio é o hospital que mais aparece no "Jornal Nacional". Onde fica o Sírio? No "Jornal Nacional". Rarará!
E esta eu presenciei: um tiozinho passou mal na feira e chamaram o Samu. Quando os paramédicos chegaram, ele gritou: "Me leva pro Sírio-Libanês". Rarará!
O Brasil tá obcecado pela morte do Sarney. Se alguém famoso morre, todo mundo grita: "E o Sarney, hein?". Aí outro famoso super idoso morre e outro escreve: "E o Sarney nada". Aí morre qualquer um e qualquer um escreve: "Só falta o Sarney!". Virou piada de internet! Santa ingenuidade!
É mole? É mole, mas sobe!
E a CPI do Cachoeira? Eu já falei que CPI quer dizer Coma a Pizza Inteira. Agora tem outra: Cheiro de Pizza Iminente! Duas dicas para CPI! Se alguém lhe perguntar se viu o Cachoeira, alegue que tem catarata! "O senhor já viu o Cachoeira?" "Nunca, eu tenho catarata." Rarará!
E outra, não fale palavras chulas. Tipo "cagada". Tem que falar evacuação caótica ou incontinência fecal! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza! Hoje só amanhã!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Queremos juro zero! - RODRIGO CONSTANTINO


O Globo - 18/04/12


Prezado ministro Guido Mantega, ilustríssima presidenta Dilma.

Eu represento a ONG Besta (Brasileiros Excluídos dos Subsídios, Tetas e Afins). Somos pessoas comuns, sem lobby em Brasília. Entre nós não há um único político. Tampouco contamos com invasores de terras, ex-terroristas comunistas, grandes empresários blindados pelo protecionismo ou algum outro grupo agraciado pelas benesses estatais.

Por isso a vida tem sido tão difícil para nós. Dependemos apenas de nosso trabalho mesmo. E, convenhamos, o ambiente institucional no Brasil não é dos melhores para quem não desfruta de influência no governo. Os obstáculos são desafiadores demais.

A carga tributária é escandinava, com serviços públicos africanos. A burocracia é asfixiante, as leis trabalhistas são obsoletas, e a mão de obra é desqualificada. A infraestrutura é caótica, e a justiça é lenta demais. Por fim, o alto custo do capital acaba impedindo a sobrevida de muitas empresas.

É sobre este último ponto que gostaria de falar. Sabemos como é difícil atacar os gargalos. O governo teria que reduzir seus gastos, e muitos perderiam suas mamatas. Reformas dolorosas teriam de ser encaminhadas ao Congresso, dificultando a "governabilidade", ou seja, a divisão do butim pelos políticos e seus comparsas. Resta mexer na taxa de juros!

Economistas podem afirmar que o custo do capital no capitalismo deveria ser definido pelo próprio mercado. Eles podem argumentar que, se o custo ficar artificialmente baixo, vai ter mais inflação à frente. Mas quem liga para isso? Basta o governo decretar uma redução dos juros e a inconveniente lei econômica estará revogada. Cria-se riqueza com uma simples canetada do governo.

Não foi isso que fizeram nos EUA? Após a crise do setor de tecnologia, o banco central americano jogou a taxa de juros para 1%, e assim a segurou por longo período. Paul Krugman aplaudia, demandando uma bolha imobiliária para curar o estouro da bolha do Nasdaq. Os liberais vão dizer que isso foi justamente o que aconteceu, mas que seus efeitos foram terríveis, como vimos em 2008. Mas ninguém pode negar que a farra foi divertida enquanto durou. E, se depender do Bernanke, vem mais por aí.

Voltando ao Brasil, temos uma taxa de juros elevada demais. Entre as causas, temos altos tributos, compulsório elevado, pouca oferta de poupança doméstica, concorrência reduzida por excesso de regulação e insegurança jurídica no arresto de bens dos inadimplentes. Mas nós sabemos que a ganância dos banqueiros é o verdadeiro vilão. É verdade que bancos estrangeiros também atuam no país e cobram mais pelos empréstimos aqui. Mas é que eles ficam mais gananciosos ao atravessarem a fronteira (deve ser o clima).

Para aumentar a oferta de poupança no país e reduzir os juros, o governo teria que gastar menos. Voltamos ao problema anterior. É muito mais fácil disponibilizar mais crédito através dos bancos públicos, mesmo sem lastro em poupança efetiva. Os economistas diriam que isso é inflacionário, mas é pura paranóia. A Argentina está aí para comprovar.

O problema não é o crédito público crescente, como no caso do BNDES, que já teve aporte de quase R$ 300 bilhões do governo petista para emprestar aos grandes grupos com taxas subsidiadas. O problema é esta moleza não ser estendida a todos! Nós também queremos pagar juros menores que a inflação em nossos empréstimos. Se a farinha é pouca, então basta imprimir mais, ora!

Por isso a Besta aplaude as medidas recentes do governo, de reduzir na marra a taxa de juros dos bancos públicos. O BB e a Caixa são ou não estatais? Esse papo de autonomia e gestão responsável é coisa de economista chato. A presidenta Dilma mostrou quem manda, impondo uma queda drástica nas taxas desses bancos. Marx defendia o monopólio estatal no crédito como caminho para o socialismo. Não estamos lá ainda, mas com 40% do setor nas mãos do governo, a trajetória é clara.

Alguns economistas questionam por que a redução dos juros não foi feita antes se não há riscos inflacionários, como garante o governo. Ora, a resposta é simples: porque faltava "vontade política". Este é um governo com coragem, ao contrário dos demais. Este é o tipo de governo que revogaria até a lei da gravidade para impedir a queda de um avião!

Mas a Besta considera que a medida foi tímida. O governo tem que acabar com a usura e a agiotagem, e impor logo juro zero para todos. Crédito infinito e sem custo: eis uma bandeira realmente popular. Alice, personagem de Lewis Carroll, aprovaria. Nós da Besta também. Queremos juro zero!

FORA DO TOM - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 18/04/12


Ex-baixista e cofundador do Asa de Águia, Levi Pereira entrou na Justiça contra empresas do vocalista Durval Lelys. Pede R$ 10 milhões alegando ter sido obrigado a abrir empresas de fachada para receber cachê como pessoa jurídica, sem férias, gratificações, FGTS e INSS. Ele se desligou da banda em 2011, depois de 24 anos de parceria.

DESAFINADO

Pereira diz ainda que teve perda auditiva. A defesa de Lelys afirma que pagou R$ 800 mil para o baixista não ir à Justiça, e que ele agora descumpre o acordo. Diz também que Pereira não era empregado -não cumpria horário e podia se recusar a participar de shows.

HORA DO VOTO

O Tribunal de Justiça de SP julga hoje o caso dos cinco desembargadores que teriam recebido pagamentos privilegiados de até R$ 1,5 milhão, cada um, da corte paulista. Entre eles estão dois ex-presidentes do TJ: Roberto Bellocchi e Antonio Carlos Viana Santos, morto em 2011.

TEMPO

O caso foi incluído na pauta do Órgão Especial do tribunal. Os advogados podem pedir vista para ter mais tempo de preparar a defesa.

MÃO NA MASSA

Edemar Cid Ferreira, ex-dono do banco Santos, entrou com exceção de suspeição contra o administrador da massa falida da instituição, Vânio Aguiar, e pede seu afastamento do cargo. Aguiar não comenta.

PADRÃO

As caixas de mensagens dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) têm ficado lotadas de e-mails pedindo o julgamento do mensalão. Muitos dos magistrados bloqueiam os textos. Marco Aurélio Mello diz que recebe até 150 por dia. "Não dá nem para ler, pois são todos carimbados, iguais."

PADRÃO 2

O caso do aborto por anencefalia, votado na semana passada, também gerou uma avalanche de mensagens, boa parte delas de feministas e religiosos. Mello calcula que recebeu 10 mil e-mails sobre o tema.

JANTAR SUPREMO
O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, ofereceu jantar ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, na sede da federação. O homenageado estava acompanhado da filha Glaís e da neta Manuela. Passaram por lá o ministro Carlos Ayres Britto, o presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, a secretária Eloisa Arruda, o ex-governador José Serra e o advogado Márcio Thomaz Bastos.

BROCA

O ex-governador José Serra (PSDB-SP) deve ficar mais alguns dias de molho em breve. Ele vai passar por uma segunda cirurgia dentária.

MANDO DE CAMPO

Com a confirmação do primeiro show de Madonna no Morumbi para 4 de dezembro, o São Paulo ainda tenta garantir que possa jogar contra o Corinthians no estádio dois dias antes, pela última rodada do Brasileirão. Para que a equipe da popstar não tenha apenas um dia para preparar o espetáculo, o clube cogita permitir que a parte do palco que não avança sobre o gramado comece a ser montada antes-e seja concluída depois da partida.

PONTO CEGO

Nesse caso, o São Paulo deixará de vender, para o jogo, ingressos para o setor amarelo, que fica de costas para o palco. A capacidade de público cairá de 64 mil pessoas para algo entre 45 mil e 48 mil torcedores.

SOLO SAGRADO

As outras hipóteses são mudar a data do show, o que é quase impossível, ou levar o jogo para outro local, como a Arena Barueri. "Temos aproveitamento de 90% lá e o Rogério Ceni marcou o centésimo gol [contra o Corinthians] no estádio. É nossa segunda casa", diz Roberto Natel, vice social do SPFC.

BATENDO ASAS

Eriberto Leão entrou em cartaz com a peça "A Mecânica das Borboletas". O ator Umberto Magnani assistiu à estreia no teatro Anchieta, no Sesc Consolação.

CURTO-CIRCUITO

O livro "São Marcos de Palestra Itália", biografia do ex-goleiro do Palmeiras escrita por Celso de Campos Jr., será lançado amanhã, às 19h, na Saraiva do shopping Eldorado.

A peça "Fogo-Fátuo" estreia no sábado, às 21h, no Sesc Santana. 14 anos.

Fanny Soulet, diretora da rede Marriott em Paris, visita hotéis do grupo em SP.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

A luta dos juros, segundo assalto - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 18/04/12


Mais bancos anunciam reduções de taxas depois do início da campanha do governo; mas isso resolve?



O PESSOAL do governo dava ontem risinhos satisfeitos.

Outro banco estrangeiro anunciou redução de juros. Depois do HSBC, agora foi o Santander, que, no entanto, nega ter baixado suas taxas para pequenas e médias empresas devido ao bafafá do governo.

Grandes bancos teriam "dado a saber" para o pessoal de Dilma Rousseff e o do Ministério da Fazenda que os juros vão cair a partir da semana que vem (dois grandes bancos privados brasileiros negam tal conversa). Por fim, um funcionário do FMI falou bem do BNDES e, mais ainda, da dinheirama que o governo emprestou ao bancão estatal.

Funcionou a pressão do governo? As broncas de Dilma Rousseff? A campanha de Guido Mantega? As "broncas técnicas" do Banco Central? As baixas agressivas dos juros no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, afora os cortes de taxas no BNDES, menos "pop"?

Talvez, um pouco, vamos esperar para ver. "Especulativo, protesto", como dizem os advogados em filmes americanos com cenas de tribunal.

A fim de tirar uma azeitona da empada de satisfação do governo, é preciso observar que:

1) bancos privados já estudavam um relaxamento no aperto de crédito deles (menos juros, condições melhores), pois a economia deve acordar agora neste segundo trimestre;

2) a Selic, a taxa básica da economia, continuou a cair;

3) pode ser que bancos privados reduzam uma taxa ali, outra aqui e concedam algo acolá a fim de contrabalançar a propaganda do governo e o prejuízo de imagem;

4) apesar das brutais reduções de juros no BB e na CEF e apesar do tamanho deles, esses bancos têm limites: de capital, de risco, de rentabilidade. Quanto crédito adicional a taxas baixas precisariam oferecer a fim de roubar parte significativa do mercado dos bancos privados?

5) até agora foram os estrangeiros que anunciaram taxas menores. Os estrangeiros (europeus) vinham perdendo muito mercado desde 2008, quando entraram em retranca de crédito no mundo todo. Pode ser que queiram reagir agora.

Isto posto, a campanha do governo movimentou a praça. Instigou a irritação surda do consumidor comum do varejo dos bancos, que sofre calado as indignidades e prejuízos cotidianos do serviço ruim dos bancos, que tratam as queixas da clientela com indiferença olímpica, com a indolência burocrática a que os oligopólios se permitem.

Mas isso provoca mudanças para valer, duradouras? Uhm.

O pessoal do Banco Central deu uma "bronca técnica" na banca, digamos. Disse que os bancos eram "pró-cíclicos demais". Ou seja, acelerariam além da conta o crédito em períodos de bonança; pisariam demais no freio nos períodos de baixa da economia. O ideal, acha o BC, seria que os bancos fossem neutros ou ligeiramente anticíclicos: que ajudassem a evitar os exageros dos ciclos ruins e bons. Mas isso tem efeito prático na gestão dos bancos?

O restante do governo, Fazenda em especial, não deu muita trela para alguns pleitos razoáveis dos bancos, mudanças regulatórias que de fato ajudariam a reduzir os juros.

Enfim, o governo não propõe regulação ou instituição nova alguma que ajude a proteger de fato o direito do consumidor de serviços bancários, que permanece sem pai nem mãe nesse quesito.

A armadilha brasileira - CRISTIANO ROMERO


Valor Econômico - 18/04/12


Baseado na expansão do consumo, o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil condena a indústria a um papel menor. Esse modelo contribui para valorizar o real frente a outras moedas, prejudicando a competitividade industrial. A apreciação do real também é resultado da forma como o país se inseriu na economia mundial na última década, ao transformar-se em competidor imbatível no setor de commodities, principalmente, agrícolas e minerais.

Estimular o consumo e ser um produtor eficiente de commodities foram escolhas da sociedade, uma possível consequência da Constituição de 1988 e, portanto, das políticas adotadas pelos governantes eleitos desde então. O país pode conviver bem com essas opções, o Brasil não está em crise, muito pelo contrário, mas encontrar um caminho para a indústria, defende Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é uma necessidade, mais do que um capricho.

O debate proposto por Schymura é sofisticado e foge um pouco do clima de Fla-Flu com que o tema vem sendo tratado ultimamente. Sua preocupação é com uma possível reversão, embora neste momento remota, das condições que permitiram ao país viver a atual fase de solidez.

Modelo, sem reforma, condena indústria a baixo crescimento

Schymura argumenta que a economia brasileira atingiu um novo padrão de equilíbrio nas contas externas. O déficit em conta-corrente, inferior hoje a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), não representa risco. O "credit default swap" (CDS) da dívida soberana, uma medida de risco, caiu de 3.500 pontos base (35%) em 2002 para algo próximo de 200 pontos (2%) hoje. As reservas cambiais somam US$ 367,3 bilhões e seguem crescendo.

No ano passado, o país foi, no mercado emergente, o segundo maior beneficiário de investimento estrangeiro direto, com US$ 66,6 bilhões, dinheiro mais que suficiente para cobrir o déficit externo. Os preços das exportações de bens primários subiram quase 260% entre 2001 e 2011, evidenciando a melhora nos termos de troca do país, isto é, na relação entre preços dos produtos exportados e os dos bens importados.

A base dessa solidez, assinala Schymura, está no setor exportador de commodities. É ele o alicerce da confiança do mundo no Brasil, o que diminui o risco-país e torna a economia mais atrativa a fluxos de capitais. A futura exploração de petróleo na camada pré-sal apenas acentuará essa característica. Num mundo com abundância de capitais e com as economias avançadas crescendo pouco, o Brasil tornou-se um polo de atração tanto para capital especulativo, movido pelo diferencial de taxas de juros, quanto para produtivo.

Esse quadro de fartura pode mudar. "Seria muito perigoso se o Brasil se acomodasse com os louros da atual bonança de forma pouco crítica. Afinal, a conjugação de fatores externos e internos pode se alterar, e, mesmo havendo o mecanismo de ajuste do câmbio flutuante, mudanças muito bruscas podem trazer transtornos e deslocamentos com fortes impactos econômicos, políticos e sociais", alega Schymura, que tratará do tema na próxima Carta do Ibre.

O modelo de desenvolvimento brasileiro é amparado na forte expansão do consumo. Entre 2004 e 2011, a demanda cresceu 40,1%, enquanto, no mesmo período, o PIB avançou 31,8%. Segundo o diretor do Ibre, desse hiato gerado ao longo de sete anos, 61% podem ser atribuídos à elevação da absorção de poupança externa - o país importa capitais porque não gera poupança doméstica suficiente para financiar os investimentos - e 39% aos ganhos nos termos de troca.

A ênfase no consumo aumenta, por sua vez, a demanda no setor de serviços, intensivo em trabalho. Decorre daí, portanto, a pressão sobre os salários da economia, que têm crescido acima dos níveis de elevação da produtividade do trabalho no setor industrial.

"Outro ângulo do problema é que a absorção de poupança externa provocada pelo excesso do consumo e do investimento em relação à renda nacional leva necessariamente a déficits comerciais no setor de produtos comercializáveis internacionalmente. Diante da hipercompetitividade das commodities, os déficits atrelados à absorção de poupança externa recaem inevitavelmente sobre os bens industriais", explica o diretor do Ibre. "Assim, o consumo turbinado é uma das raízes mais profundas dos problemas da indústria, da qual o câmbio valorizado é um reflexo."

Para Schymura, é equivocada a ideia de que políticas sistêmicas de redução do custo Brasil possam ser benéficas para a indústria. Segundo ele, é preciso verificar se essas políticas afetam positivamente as fábricas em comparação com os demais setores da economia que competem por fatores de produção. Por exemplo, a elevada carga tributária do setor de energia elétrica e o custo do gás natural, além das altas alíquotas de tributos como o ICMS, prejudicam mais a indústria do que outros setores.

A melhoria da logística e dos grandes eixos de transporte, por sua vez, sustenta Schymura, não beneficia tanto a indústria. Seus efeitos positivos são mais visíveis para o setor de commodities, que movimenta cargas maiores e geralmente por percursos mais longos. Na opinião do economista, as grandes obras de escoamento de commodities agrícolas e minerais deveriam ser preferencialmente financiadas com dinheiro privado por meio de contratos de concessão, liberando o Estado para gastos que gerem benefícios mais disseminados na economia.

Reformas que barateiem e ampliem o financiamento de longo prazo beneficiam, porém, mais a indústria, uma vez que esta, ao contrário do setor agrícola, tem maior dificuldade em se financiar. A melhora da educação também ajuda essencialmente o setor industrial, mais dependente de mão de obra, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos, do que o agronegócio.

"Diante desse quadro, parece correta e sem maiores riscos a adoção imediata de uma agenda de medidas tributárias, financeiras e de aprimoramento de capital humano, que mitigue as pressões sobre as manufaturas", diz Schymura. Em certa medida, é o que o governo está fazendo, embora de uma forma um tanto atabalhoada. É possível avançar, como têm demonstrado países como o México, sem risco de retrocesso em conquistas obtidas na última década e meia.