quarta-feira, abril 18, 2012

Fato determinado porém expansível - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 18/04/12



A legislação exige um fato determinado para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, mas isso não significa muito. Como já definiu um especialista em rotinas de inquirição no Congresso, o fato determinado de uma CPI é um corpo expansível. Às vezes, os parlamentares que integram a comissão têm mais sucesso na apuração do que está ao redor do objeto de investigação do que propriamente do ponto focado pelo texto do requerimento. O melhor exemplo disso é a CPI dos Correios, que partiu da filmagem de um gesto de entrega de propina de R$ 3 mil a um diretor dos Correios para descobrir o mundo que viria a ser resumido no mensalão.
Assim, não deve tranquilizar-se o governo da presidente Dilma Rousseff pela razão de que a CPI terá como objeto de investigação as relações do Senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) com o contraventor Carlos Cachoeira. Esse é apenas o começo de uma conversa para a qual não há limites. Tanto mais que deve fazer parte desse núcleo a empresa de atividades múltiplas Delta, flagrada nas escutas da investigação dos negócios de Cachoeira. A Delta é uma das principais parceiras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), licitações agora colocadas sob suspeita pelo próprio dirigente da empreiteira em suas fanfarronices telefônicas.
Como as investigações devem correr mais fluídas na periferia do fato, podem bater, por que não, no Ministério dos Transportes, novamente, onde o Dnit entraria na roda como parceiro preferencial da Delta. E assim em outros ministérios e governos que, certamente, tiveram ou têm obras concedidas aos serviços da empresa. Dilma, meticulosa como é, embora pessoalmente não tenha razões para temer a CPI, certamente vai querer pedir análises abrangentes sobre todos os negócios da empresa com o governo, se já não as encomendou. Afeta também o governo a paralisia que CPIs como essa provocam nas atividades parlamentares.

Conexão das ações despertou uma alerta vigilância
Colaboradores do Planalto avaliaram que Dilma chefia um poder que, no momento, precisa pouco do Congresso. Não propôs nem proporá reformas constitucionais. Não tem tramitando ali projetos de interesse de vida ou morte do governo. Leis como o Código Florestal podem muito bem ficar para depois da CPI. A Lei da Copa anda sozinha, tal a diversidade de interesses a impulsioná-la. Costumam relacionar que, tendo obtido uma política permanente de reajuste do salário mínimo e da tabela de imposto de renda, prorrogação da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e nova previdência do funcionalismo, Dilma viu aprovadas em definitivo as políticas até o fim do seu mandato e está menos à mercê dos humores do Congresso. Além do fato de que conta, como os presidentes que a antecederam, com o uso e o abuso das medidas provisórias.
Quando foram levadas ao cabo as CPIs do Collor e dos Anões do Orçamento, uma que envolvia o presidente da República e outra que atingia o Parlamento em uma de suas atribuições capitais, imaginava-se que ficariam circunscritas, cada uma no seu galho. Mas ninguém fez mais nada a não ser viver em função daquelas investigações. Por menos que esteja o Executivo envolvido no inquérito, sempre haverá uma votação importante de seu interesse a ser realizada.
Precisar do Congresso, a presidente pode não precisar, mas irremediavelmente não terá como correr do contato da CPI, mesmo que o envolvimento da empreiteira comum ao PAC e ao Cachoeira não resulte em paralisação de obras ou revisão de contratos.
O Congresso, de saída, sem precisar da elasticidade do fato determinado que surgirá com o andamento da CPI, já está ferido. De início, três partidos estão na roda, sem contar o numericamente fragilizado DEM. Esse vai dizer que expulsou Demóstenes, o que também não quer dizer muito a seu favor. Tinha expulsado José Roberto Arruda e o escândalo não saiu de perto. O PT se verá no centro da investigação com os parlamentares goianos já citados em gravações e o governador de Brasília, Agnelo Queiroz; o PSDB com parlamentares goianos e o governador de Goiás, Marconi Perillo; e o PMDB não terá como fingir que não é com ele. Se é verdade o que diz Perillo, não há partido político goiano onde Cachoeira não tenha amigos. Depois, há o governador do Rio, Sérgio Cabral, cujas relações de amizade com Fernando Cavendish, da Delta, são bem conhecidas.
Além do eixo Cachoeira-Delta, a abrangência dos fatos pode dar uma volta e chegar novamente ao assessor do ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu. Waldomiro Diniz era responsável pelas relações do gabinete com deputados e Senadores e foi afastado como protagonista do primeiro escândalo do governo Lula, flagrado justamente em negociações gravadas com Carlos Cachoeira. Não é possível fechar o círculo? Em CPI tudo é possível.
Isso torna mais incompreensível ainda a intervenção do PT para misturar os escândalos e embaralhar a votação do mensalão no Supremo Tribunal Federal. Numa reflexão depois das consequências do que até agora parece uma irrefreável precipitação política, e que acabou provocando recuo do presidente do partido e de outros líderes de cúpula, a tentativa de confundir as estações só prejudica os réus do mensalão.
Se os advogados conseguissem criar um ambiente de julgamento técnico mesmo sem ter como fugir do seu caráter político, estritamente baseado em provas, sem alarde, seria melhor para o PT e estariam criadas até condições para absolvição de alguns. Com o atual clima, uma CPI e as eleições municipais, fica mais político ainda o ambiente do julgamento.
Há quem já veja no Supremo Tribunal Federal (STF) sinais de reação às pressões que se armam, subjetivamente ou não, sobre o seu trabalho. Um dos mais evidentes é a posição que vem sendo manifestada por vários ministros, ao mesmo tempo, sobre a exiguidade do tempo, a necessidade de apressar o processo para que tudo termine antes de julho, com todos os ministros do STF, que já conhecem os autos, no exercício de suas funções. Outro sinal são as gestões dos próprios ministros junto a Ricardo Lewandowski, revisor do processo, que antes estava à vontade para conjecturar a possibilidade de a demora levar à prescrição dos crimes. A conexão de todos os fatos acabou chamando total atenção sobre o ele.

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