quarta-feira, abril 18, 2012

Como bois ao matadouro - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 18/04/12

A CPI perdeu um pouco do glamour desde que o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes disse que não tinha nada a declarar

Basta ficar cinco minutos nas salas destinadas aos deputados nos gabinetes de seus líderes para sentir de perto como os parlamentares caminham para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar as relações do empresário do jogo do bicho Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Estão todos com cara de "ai, que coisa chata". Nos bastidores, todos os partidos são unânimes em afirmar que não queriam mexer com isso, mas todos foram levados à comissão que chegará com gostos para todos os paladares.

Quando o assunto surgiu, o PT foi o primeiro a sentir um certo gostinho de coisa boa. No site do partido, o presidente do PT, Rui Falcão, se referia ao evento como a "CPI do Demóstenes". Citava ainda a necessidade de investigar as relações do governador de Goiás, Marconi Perillo. Falcão chegou a conclamar seu partido a fazer a CPI e acusar o PSDB e o DEM de operação abafa.

Os tucanos não deixaram por menos. Avisaram que a CPI tinha que sair. Ontem, receberam ainda o aval do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nessa direção. De passagem por Brasília, FHC foi homenageado com o lançamento do documentário A construção de Fernando Henrique, do jornalista Roberto Stefanelli. Ao discursar, o ex-presidente mandou um recado claro ao dizer que o Congresso não se cala, não abaixa a cabeça e, em certas ocasiões entende que "isso é maior que nós todos. Isso é o Brasil". A mensagem estava dada: ou sai a CPI ou se desmoralizam todos.

Por falar em construção...
Em uma semana, os ventos da CPI mudaram antes mesmo de a comissão nascer. De investigações isoladas, restritas a Goiás, espalhou-se para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), espraiou-se pelo Distrito Federal. A empresa Delta, uma das grandes do PAC, viu-se no centro do palco. A Delta obteve um crescimento exponencial de seus contratos com o poder público desde 2003, primeiro ano do governo Lula.

Diante deste cenário, que coloca o PT sobre o fogareiro, a oposição partiu para o ataque. Não por acaso, deputados e senadores do PSDB, do PPS e do DEM fizeram um ato para a assinar a CPI. Ali, já há quem se refira à comissão como a "CPI da Delta". Há quem suspeite que Cachoeira seja um dos sócios da empresa, mais um enigma que a CPI terá que desvendar.

Por falar em CPI...
Com o PT e a oposição achando possível desgastar um ao outro na CPI — e a população, via redes sociais, gritando para que tudo seja apurado —, a operação abafa ensaiada por alguns foi pelo ralo. É certo que a CPI será instalada. A briga, a partir de agora, será para ver quem controla a investigação. Não por acaso, o PMDB está quieto nesse processo. Seus deputados assinam o pedido de CPI soltando comentários do tipo "é o jeito, não tem saída". Ontem à tarde, era assim que a banda tocava na liderança peemedebista. Ninguém com muita vontade. Mas todos impotentes para evitar a investigação.

O PMDB sabe que seu peso, já passou por muitas CPIs. E, nesse processo, um dos escalados para compor o colegiado foi o deputado Luiz Pitiman, do Distrito Federal, onde Cachoeira tem ligações e o partido, a vice-governadoria. O outro nome posto, mas ainda não definido, é o da deputada Íris de Araújo, de Goiás, onde Cachoeira nasceu. No PSDB, foi escalado Carlos Sampaio, de São Paulo, e virá ainda um outro nome de Minas Gerais, onde a bancada é expressiva.

A ordem entre os partidos indica que vem por aí um jogo de empurra dentro da CPI. Se o que vai vingar é a investigação sobre os contratos da Delta com o governo, ou as relações de Cachoeira com governos estaduais, só mesmo a dinâmica da comissão irá dizer. Ao longo da história ninguém conseguiu controlar uma CPI, embora um amigo lembre que elas perderam um pouco do glamour desde que o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes disse que não tinha nada a declarar. Terminou ouvindo um "teje preso!" da então senadoras Heloísa Helena, à época do PT. Isso foi na CPI dos Bancos, quando o BC foi acusado de auxiliar os bancos Marka e FonteCindam, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, durante a maxidesvalorização do Real.

Por falar em prisão...
Cachoeira está preso, mas CPIs não costumam terminar assim. Um dos poucos que ainda estava preso por conta de uma Comissão Parlamentar de Inquérito era Salvatore Cacciola, dono do banco Marka, que ontem ganhou liberdade, depois de cumprir um terço da pena. Cacciola hoje tem 68 anos. Se Cachoeira ficar na cadeia até atingir essa idade, ficará pelo menos 20 anos.

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