segunda-feira, janeiro 23, 2012

2012: sem catástrofe, mas ainda difícil - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS


O Estado de S. Paulo - 23/01/12


A melhor coisa do ano que passou foi uma substancial redução do risco de uma catástrofe, detonada a partir de uma eventual quebra de alguma instituição bancária na Europa. Há uma concordância geral de que, se um evento de crédito tivesse ocorrido, a crise que se seguiria iria levar o mundo a uma situação pior do que aquela que foi detonada pela quebra da Lehman Brothers, em 2008.

O que virou o jogo foi a atuação do Banco Central Europeu (BCE), após a posse de Mario Draghi como presidente da instituição, no fim de outubro. Suas armas: a continuidade da compra de papéis soberanos de países do sul da Europa, uma redução nos juros básicos e uma gigantesca oferta de euros, da ordem de 500 bilhões, tomada por mais de quinhentos bancos, ainda no fim de 2011. Uma segunda oferta de dinheiro longo está programada para o fim de fevereiro.

Essa expansão do crédito tornou o balanço do BCE maior que o do Fed (US$ 2,9 trilhões no caso do Fed e US$ 3,2 trilhões para o BCE, nos dados de novembro), algo bastante surpreendente para um banco central famoso pelo seu conservadorismo. É curioso que os alemães, até então tão críticos a qualquer movimento mais ousado por parte das autoridades monetárias, não tenham feito uma única crítica pública ao BCE. Pode ser apenas coincidência, mas talvez tenha colaborado para o silêncio o fato que, na mesma ocasião, um grande banco alemão tenha frequentado as primeiras páginas dos jornais como resultado de fortes rumores de dificuldades e de escassez de recursos. Nada como um incêndio no quintal de casa para impor uma certa dose de pragmatismo.

Esses movimentos sinalizaram aos mercados que nenhuma instituição financeira iria quebrar e, como consequência, a temperatura do mercado baixou, com redução da volatilidade, medida pelo índice VIX da faixa de 30 para a faixa de 20. A rolagem das dívidas de Itália e Espanha começou a ser feita em volumes expressivos e a taxas cadentes, o que ainda se mantém. Por exemplo, as taxas para os papéis soberanos de um ano, que em meados de novembro haviam atingido insustentáveis 6,1% para a Itália e 5% para a Espanha, recuaram para 2,7% e 2%, respectivamente, em meados de janeiro. Continuando assim, as pesadas rolagens previstas para este primeiro trimestre poderão ser realizadas em condições mais razoáveis.

Draghi enfrentou e ganhou, felizmente, do conservadorismo dos alemães (que, seguido ao pé da letra, implicaria uma gigantesca crise bancária), sem trombar de frente com eles. Ao mesmo tempo, deixou claro que a política do BCE tem de ser complementada por movimentos na área fiscal e políticas que recuperem a capacidade de crescer do sul da Europa, sem o que o fim do euro será inglório.

Essa visão, que me parece correta e está cada vez mais clara, foi exposta com grande habilidade e contundência pelo chefe de governo da Itália, Mario Monti. Em recente visita à chanceler Angela Merkel, o premiê italiano apresentou os primeiros resultados, muito positivos, de seu ajuste fiscal: no terceiro trimestre de 2011, o déficit nominal do país recuou para 2,7%, número inferior aos 3% do famoso critério Maastricht. No ano, certamente o número é pior, mas é perfeitamente razoável esperar que a Itália cumpra suas promessas fiscais e comece a avançar em algumas reformas. Entretanto, Monti declarou que, se a Alemanha e outros líderes não se movimentarem para garantir o crescimento da Europa como um todo e com isso dar perspectivas de melhoria aos cidadãos do seu país, todo o esforço realizado poderá ser perdido por falta de suporte político.

De fato, é uma hipótese bem razoável admitir que a recessão resultante do ajuste provoque desgaste político, o que poderá abrir a porta para a ação de populistas radicais, faturando fácil em cima do sofrimento da população. Não se trata, pois, de realizar apenas dolorosos ajustes, embora esses sejam mais que necessários em muitos casos. Será indispensável restabelecer a confiança na população de que o crescimento futuro vai compensar o sacrifício presente e, para tanto, o papel estimulador das economias líderes é indispensável. A Itália mostra que tem muitos líderes valorosos, a despeito de um lamentável capitão de navio.

Por isso, o ano de 2012 começa melhor, quando comparado com a situação de setembro/outubro, mas ainda será muito difícil, pois a agenda de decisões segue sendo muito pesada. A volatilidade pode ainda voltar a se elevar, pois nem de longe está seguro que o euro vai acabar por prevalecer. Apenas é certo que a maioria dos países, senão todos, tem forte compromisso com a manutenção da moeda comum.

Desvalorização. A ação do BCE também foi decisiva para levar a uma desvalorização do euro, condição necessária, mas não suficiente, para a continuidade do projeto da integração da Europa. Até novembro, o sistema financeiro vivia muito pressionado, numa situação de baixa liquidez, uma vez que a captação de recursos no mercado local e no americano ficou difícil, tendo em vista os riscos crescentes associados à questão da dívida grega e de outros países. A partir de novembro, o euro começa realmente a se desvalorizar, em resposta à forte expansão monetária, devendo chegar a 1,2 por dólar em prazo não muito longo. Não é improvável que acabe, mais adiante, por buscar a paridade. Como colocou o professor Barry Eichengreen aqui no Estado, 2012 poderá ser o ano do dólar. Como muitos ativos americanos estão baratos (bolsa, imóveis, plantas industriais, etc.) e a perspectiva de crescimento para 2012 naquele país é bem mais favorável, um fluxo crescente de capital se deslocará para lá.

A desvalorização do euro tem também uma implicação relevante no mercado de commodities. Existe aqui uma correlação estabelecida há tempos: uma desvalorização da moeda americana leva a uma compensação, aumentando as cotações em dólares das mercadorias. Alternativamente, uma valorização pressiona para baixo os preços em dólares dos diversos produtos. Por exemplo, entre meados de outubro e 17 de Janeiro deste ano, o euro perdeu pouco mais que 10% em relação ao dólar, enquanto o índice CRB de produtos agrícolas recuou 9,7%.

Em minha interpretação, o ajuste entre as moedas é muito mais importante do que o efeito da crise sobre a demanda. Os dados internacionais não mostram nenhum recuo da demanda, dado o crescimento dos países emergentes. O mesmo vale para o petróleo e a maior parte dos metais. A grande exceção nesse grupo é o aço, onde uma gigantesca capacidade ociosa pesa nas cotações; também o preço do gás natural, em forte queda nos EUA, é facilmente explicado pela enorme elevação na produção do chamado "shale gas", a que já fizemos referência neste espaço.

No Brasil, a valorização do dólar se reflete na cotação do real. Embora a entrada de recursos financeiros possa vir a reduzir as cotações do dólar ante o real, até aqui os preços de alimentos pouco ou nada caíram.

O BC estava correto ao prever forte piora na crise em meados do ano, embora hoje reconheça que o risco de uma crise bancária arrefeceu muito. Entretanto, o efeito deflacionário da crise não ocorreu, pelo menos até agora. Outra implicação da nova situação é que os produtos provenientes da Europa ficarão muito competitivos, especialmente maquinário, onde a diferença de qualidade e de melhor assistência técnica em relação aos chineses é bem grande. A indústria nacional continuará desafiada.

Nomes de família - RUY CASTRO


FOLHA DE SP - 23/01/12
RIO DE JANEIRO - Numa notícia de jornal envolvendo alguém chamado Filomeno Filadelfo Filipeto Filho -não existe, acabei de inventar-, esse senhor será chamado pelo nome completo na primeira vez em que for citado. Mas, na continuação do texto, seu nome ameaça ser abreviado para... Filho. Exemplo: "Procurado pela Folha, Filho não quis dar declarações".

Tudo bem, nossa imprensa aproxima-se cada vez mais dos padrões internacionais, que chamam as pessoas pelo sobrenome. Mas isso se aplica a quem tem Filho, Júnior ou Neto no nome?

Nesse caso, membros da família Filho seriam o compositor André Filho, autor da marchinha "Cidade Maravilhosa"; o jornalista e também estádio Mario Filho; o ex-presidente Café Filho; o romancista Adonias Filho, autor de "Corpo Vivo"; o maestro Severino Filho, líder do grupo Os Cariocas; o ator Brandão Filho, que fazia o Primo Pobre no "Balança, Mas Não Cai"; o cineasta Daniel Filho; entre outros.

E a família Júnior? Teria os apresentadores de TV Blota Jr. e Amaury Jr.; o ator Gracindo Jr.; o compositor Jota Júnior (autor do samba "Lata d'água na cabeça/ Lá vai Maria..."); o pianista Tenório Jr.; o ex-craque e hoje comentarista Júnior; e muitos mais. E a família Neto? Teria o ex-ministro Delfim Neto; o compositor Ismael Neto (autor da "Valsa de uma Cidade"); o romancista Coelho Neto, autor de "A Conquista"; o líder angolano Agostinho Neto; o idem, ex-craque e comentarista Neto; etc. etc.

Há algo estranho nesse tratamento, não? Mas o problema é com aquela família em que o sobrenome vem na frente: a família Jota. Dela fazem parte o compositor J. Cascata (autor da valsa "Lábios que Beijei"); o lendário cronista carnavalesco Jota Efegê; o apresentador J. Silvestre; e ponha jotas nisto. E o citado Jota Júnior? Pertence aos jotas ou aos juniores?

Começa o jogo - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 23/01/12


A sucessão paulistana e a guerra de bastidores deste ano em torno da escolha do presidente da Câmara, logo depois das eleições municipais, são os principais eventos políticos de 2012. São os grandes fatores de instabilidade para o projeto de poder petista


Esta semana abre a temporada política de 2012, com direito a reunião ministerial e troca de comando em duas pastas e a nomeação do novo porta-voz do governo, Thomas Traumann. Ele chegou ao Planalto com o ex-ministro Antonio Palocci, ou seja, especializou-se em crises. Não que 2012 irá repetir o que ocorreu em 2011, com um ministro caindo a cada dois meses. Mas, em ano eleitoral, todo o cuidado é pouco, até porque, quando terminarem as eleições municipais, será hora de cuidar da escolha do futuro presidente da Câmara, uma disputa tensa desde 2005, quando Severino Cavalcanti (PP-PE) foi eleito.

Antes de chegar lá, a presidente Dilma Rousseff terá uma série de obstáculos para segurar a economia sem deixar desandar a política. O primeiro ela já venceu. Propôs vetos ao Plano Plurianual de Investimentos (PPA), uma peça que ninguém leva muito a sério mesmo.

Mas não vetou o Orçamento de 2012. Significa que todos os penduricalhos que os políticos colocaram ali permaneceram.
Na prática, entretanto, não quer dizer que eles possam aproveitar esse pré-carnaval e entrar em bloco no gabinete da ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, gritando "ei, você aí, me dá a minha emenda aí". Até chegar ao ponto de liberação, ainda existe um ritual e tanto. O primeiro é a série de reuniões que Dilma promoveu nos últimos dias com seus ministros para ouvir as prioridades de cada pasta.

O que não foi incluído nessas prioridades não será liberado. Ou seja, os showzinhos que a galera pede ao ministério do Turismo, as pequenas barragens solicitadas à Integração Nacional e aquelas estradinhas que sonham com um asfalto vão ficar apenas no papel. As prioridades são as obras de redução dos efeitos dos desastres naturais, a mobilidade urbana para a Copa do Mundo, o Minha Casa, Minha Vida, o Brasil sem Miséria, o ProUni, as bolsas de estudo no exterior para os estudantes universitários. Só aí, lá se vão os recursos.

Por falar em Integração Nacional...

No quesito reforma ministerial, as expectativas são cada vez menores. As chuvas começam a diminuir em vários estados e as denúncias contra o ministro da área, Fernando Bezerra Coelho, são tratadas no Planalto como mais do mesmo. No caso das Cidades, especulou-se que Márcio Fortes, o chefe da Autoridade Pública Olímpica (APO), deixaria o cargo para voltar ao ministério no lugar de Mário Negromonte. Hoje, avisam os palacianos, Negromonte é mais vítima de seu próprio partido do que do desejo da presidente Dilma de que ele deixe o cargo. Aliás, como o partido não aceita Fortes, tirar Negromonte para colocar outro deputado seria trocar seis por meia dúzia. E assim, Negromonte vai ficando e a reforma ministerial vai perdendo espaço para as eleições municipais.

Por falar em eleições...

No Planalto, há a certeza de que uma das poucas capazes de influenciar no quadro de 2014 é mesmo a de São Paulo. Por isso, o interesse em liberar logo Fernando Haddad. Ele é amigo de Gabriel Chalita (PMDB) e terá agora a missão de segurar o peemedebista ao lado do PT, para não deixar que ele acabe novamente mais ligado aos tucanos. Também não deve deixar que a ala radical do PT dispense conversas com o prefeito Gilberto Kassab. Afinal, a principal jogada ali é evitar que o PSDB retome a prefeitura e um espaço importante que possa comprometer o projeto de poder petista, de continuar no comando do país pelo maior período possível.

Por falar em projeto de poder...

O maior problema político do governo não será o estica e puxa eleitoral e sim o que virá depois. Ao mesmo tempo em que o atual presidente da Câmara, Marco Maia (PT-SP), avisa que o partido não romperá o acordo com o PMDB e apoiará a candidatura de Henrique Eduardo Alves ou quem o partido de Michel Temer lançar, nada impede que outros partidos da base lancem um candidato à sucessão do petista. Ou quem sabe, apareça algum rebelde dentro do PT disposto a chacoalhar esse galho. PT e PMDB sozinhos não conseguem eleger o futuro presidente da Câmara. E hoje nada impede que PSB, PSD, PTB, PP e PR se unam e consigam quebrar a hegemonia dos dois grandes dentro da Câmara e, por tabela, bagunçar a base do governo. Esse jogo e a sucessão paulistana são os dois ingredientes explosivos de 2012. E a economia? Bem, essa seara Dilma conhece bem e tem em mãos os instrumentos para segurar. Quanto às vaidades e ao desejo de poder que dominam a política é outra história.

Um plano mais que acaciano - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 23/01/12


A presidente Dilma Rousseff sancionou na quarta-feira uma lei sobre o exercício das atividades de cabeleireiros, barbeiros, manicures e outros profissionais de higiene e beleza, outra sobre a profissão de turismólogo e uma terceira sobre o Plano Plurianual da União (PPA) para 2012-2015, base para os orçamentos anuais do período. É difícil dizer qual das três é a mais inútil e redundante. A lei sobre o pessoal da beleza recomenda a obediência às normas sanitárias e a esterilização dos instrumentos de trabalho. A lei do PPA inclui entre as diretrizes de governo até 2015 "a garantia da soberania nacional" e a "excelência na gestão para garantir o provimento de bens e serviços à sociedade". Não tem sentido tratar a defesa da soberania como diretriz de governo para um período de quatro anos. Quanto à "excelência na gestão", só pode ser um objetivo constante, nunca uma "diretriz" com prazo determinado. Esta restrição vale para uma porção de outros itens da mesma enumeração, como "o crescimento econômico sustentável" e a "valorização da educação, da ciência e da tecnologia".

Com 22 artigos de apresentação das ideias gerais e centenas de páginas de anexos, essa lei do PPA deixaria encantado e talvez invejoso o bom Conselheiro Acácio. Segundo o artigo 16, "o monitoramento do PPA 2012-2015 é atividade estruturada a partir da implementação de cada programa e orientada para o alcance das metas prioritárias da administração pública federal". Também é brilhante o artigo seguinte: "A avaliação consiste na análise das políticas públicas e dos programas com os respectivos atributos, fornecendo subsídios para eventuais ajustes em sua formulação e implementação".

Mas esses artigos contêm mais do que obviedades. São uma negação perfeita, ou quase, das práticas normais da administração federal. Falhas no controle de custos, nos estudos de viabilidade, no acompanhamento e na avaliação final são algumas das piores características da gestão federal brasileira. Foram bem discutidas - por exemplo - no 2.º Seminário Nacional de Orçamento Público realizado pelo Ministério do Planejamento em maio de 2010. Por todas essas falhas, disse um dos participantes, o PPA "não funciona como ferramenta gerencial e virou uma instância burocrática". Poderia, no entanto, ser um "instrumento central de planejamento".

Se fosse produzido com seriedade, esse documento deveria não só enumerar metas, mas também refletir um diagnóstico e apontar ações articuladas em vista dos objetivos. Para isso, teria de ser muito seletivo. Mas o PPA nem de longe se assemelha a um trabalho sério de planejamento. É apenas uma coleção de metas e ações justapostas, sem o mínimo sinal de algum critério de prioridade e de consideração das limitações técnicas e financeiras. Algum acerto acaba ocorrendo na tramitação do projeto, mas com efeito muito modesto em termos de racionalidade.

O processo de elaboração fica evidente mesmo numa leitura superficial. Cada Ministério amontoa uma porção de itens e ninguém parece cuidar da arrumação do conjunto. Entre as metas para 2012-2015 foi incluído, por exemplo, o apoio à "discussão e implementação de projeto de lei que vise à ampliação do direito de licença-maternidade de 180 dias para as trabalhadoras do setor privado". Apoiar uma discussão é meta?

Formar 140 mil profissionais da rede pública de educação "nas temáticas de gênero, relações étnico-raciais e orientação sexual" talvez seja uma meta, mas o conjunto parece um tanto desequilibrado, quando se planeja "alcançar o número de 13.400 bolsas de iniciação tecnológica concedidas pelo CNPq para as Engenharias". Ou quando se considera o objetivo de 30 mil bolsas de pós-graduação e de 49.500 para iniciação à pesquisa. Quando se tem de competir com a China, capaz de formar uns 400 mil engenheiros por ano, os objetivos do PPA para ciência e tecnologia parecem modestíssimos.

A leitura dos detalhes do PPA reforça a impressão de um mero ajuntamento de ideias mal articuladas - uma indisfarçável negação do conceito de planejamento. Continua com razão quem descreveu o PPA como um exercício burocrático.

Borrasca ou tempo de bonança - PAULO BROSSARD


ZERO HORA - 23/01/12

Passado o primeiro ano, a senhora presidente apresenta de seu governo um perfil pelo menos estranho e de certa maneira original, seis ministros foram alijados, menos um, porque suposta ou confirmadamente envolvidos em situações nebulosas, e mais dois que, para colocá-los a salvo de qualquer investigação, nem mais nem menos que por ela mesma, foram oficial e publicamente "blindados!", para repetir a expressão adotada pelo Planalto. Concomitantemente, começou a falar-se em reforma ministerial. Sejam quais forem, as reformas podem ser oportunas e até necessárias, anódinas ou inconvenientes, senão funestas; entre nós, muitas não passaram de expedientes, ora para esconder uma realidade, ora para distrair o público e depois de muito falar nelas, dá-las como findas mediante simples mudança de nome da coisa reformada. Pode parecer pilhéria, mas é um expediente tão relevante que poderia ser tema de uma tese acadêmica.

Pois após as sucessivas revelações de supostas ou comprovadas irregularidades ou robustas ilicitudes envolvendo altas figuras oficiais, foi lançada no mercado das novidades milagreiras a reforma do ministério. Seria ampla, mas sem demora, e antes dela começar virou em reforma fatiada, de gota a gota. No juízo de muitos, a variação é pelo menos judiciosa, pois não se reforma um ministério de quase 40 membros em meia dúzia de meses, contando e pesando criteriosamente os méritos e deméritos de cada um; afinal, uma reforma de verdade há de ser feita para valer, ou seja, bem feita, e já se disse filosoficamente que o tempo se vinga do que é feito sem a sua colaboração; daí por que a reforma há de fazer-se sem pressa.

Mas nunca falta um espírito zombeteiro a lembrar fato esclarecedor.

Pois não é que alguém se lembrou da tentativa de compra de um suposto dossiê capaz de liquidar o bom nome de candidato rival à Presidência da República, tendo o Hotel Ibis de São Paulo como cenário da operação, preço ajustado e de contado? Contudo, a fraude seria manifesta, o grupo se dispersou rapidamente e no hotel ficou a soma de R$ 1,7 milhão, até que alguém, decorrido algum tempo, recolheu o dinheiro. Afirma-se que no centro da operação encontrava-se o novo ministro da Educação. E assim começou a reforma regeneradora de fatia em fatia, para festejar o primeiro aniversário da presidência. Enquanto isso, ouvem-se cada vez mais próximos os avisos de borrasca e não será por desfastio que o presidente Obama cortou US$ 450 bilhões nos próximos 10 anos e outros tantos podem ser cortados pelo Congresso; outrossim, o FMI quer US$ 500 bilhões para socorrer apenas países europeus; não é preciso dizer mais.

Enquanto isso, nossos dirigentes parecem ouvir somente a contínua voz das ondas, como se tudo fosse mar bonança, no entanto, o país é tomado por um processo macabro de endividamento generalizado, em virtude do qual mais de metade se encontra perigosamente em estado falencial. O crack, no caso, é o cartão de crédito; não é o único, mas o mais expressivo; é uma beleza, está sempre à disposição de seu possuidor, dia e noite, útil ou feriado; ocorre que o juro é mortal, como o crack. A taxa mensal anda pela casa dos 10%, enquanto o patamar do anual vai além de 230%. Esqueci-me de dizer que os lucros dos bancos vêm sendo astronômicos, e o governo dos pobres nada vê. Isso não pode terminar bem.

Oportunidade perdida - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 23/01/12


Volto aqui ao tema da emenda 29, cuja regulamentação acaba de ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff com um desfecho frustrante para uma iniciativa que levou mais de uma década tramitando no Congresso Nacional.
Um dos artigos vetados na sanção previa mais recursos para a saúde sempre que houvesse ganhos para a União, a partir da revisão positiva do PIB nominal. Antes, a base governista já havia impedido que o governo contribuísse com pelo menos 10% da sua receita, o que teria significado mais R$ 31 bilhões para o setor no ano que passou.
Já os Estados e os municípios tiveram fixados seus pisos mínimos de investimento de 12% e 15% de suas receitas, respectivamente. A situação é ainda mais grave diante da regressiva participação financeira federal nas despesas da área há vários anos, e, como consequência, o aumento da parcela de Estados e municípios.
A União se eximiu, assim, da sua responsabilidade, deixando para governadores, prefeitos e para as famílias brasileiras o ônus pelo equacionamento dos problemas do setor.
Levantamento do Ibope, feito para a CNI (Confederação Nacional da Indústria), mostrou que 95% da população reivindica mais recursos para a saúde e 82% avaliam que esses recursos podem ser obtidos sim, não criando impostos, mas pondo um fim aos desvios da corrupção.
O governo federal descartou uma oportunidade histórica de criar as bases para que pudéssemos enfrentar, de forma definitiva, o desafio da saúde. Esse é um exemplo concreto de oportunidade perdida, de agenda mais uma vez adiada. Em vez de demonstrar comprometimento com a questão, recuou o máximo que pôde.
Cabe agora à oposição tentar derrubar no Congresso os vetos feitos pela presidente à regulamentação da emenda 29, mesmo diante do rolo compressor da base governista. Esse episódio tira a máscara daqueles que sempre fazem muito alarde sobre si mesmos como detentores do monopólio de defesa dos mais pobres. Na verdade, o governo federal virou as costas para a saúde.
Pesquisa do IBGE, divulgada na última semana, mostra que as despesas das famílias brasileiras com bens e serviços de saúde, em 2009, foram de R$ 157,1 bilhões (ou 4,8% do PIB), bem superior aos R$ 123,6 bilhões (3,8% do PIB) da administração pública.
Ocorre que a rede pública é o único ou o principal fornecedor de serviços de saúde para 68% dos brasileiros e é considerada "péssima" ou "ruim" por 61%, conforme o levantamento da CNI. Nada menos que 85% dos entrevistados não viram avanços no sistema público de saúde do país nos últimos três anos. Ao que tudo indica, se depender do governo federal, continuarão, lamentavelmente, sem ver.

Capitalismo em crise - RUBENS RICUPERO


FOLHA DE SP - 23/01/12

Será ele capaz de preservar a primazia ante o desafio de um capitalismo industrial mais vigoroso, o da China?

É sintomático da perplexidade contemporânea que seja o "Financial Times", bastião da ortodoxia, e não um jornal de esquerda que tenha tido a ideia de publicar uma série sob o título acima. O paradoxo não escapou a um dos colaboradores do jornal, para o qual a incapacidade da esquerda de capitalizar em cima da crise financeira demonstraria que, depois do colapso do comunismo real, não seria mais possível propor alternativa ao sistema atual.

O valor principal dos artigos não está na originalidade ou profundidade das análises. As matérias não passam de variações em defesa do status quo, revisto e melhorado por reformas de seus mais aberrantes defeitos. Uma síntese do sentido geral dos comentários é o do ex-assessor do presidente Obama, Larry Summers, cuja coautoria nos erros conducentes à crise não se discute. Segundo ele, a solução se encontraria em "pequenas reinvenções", não em questionamentos radicais. Ou, como reza o título de outro artigo, "O capitalismo morreu. Viva o capitalismo!"

A série se inspirou na preocupação com a crise de legitimidade do sistema. A escandalosa concentração de riqueza e de renda já alarmava antes os mais perceptivos. Para a maioria, no entanto, a eficácia passada do capitalismo em gerar prosperidade agia como um narcótico que amortecia a consciência da injustiça. Esta se torna insuportável na medida em que deixa de ser compensada por resultados palpáveis.

O exemplo do editorial introdutório é significativo. Nos últimos 30 anos, o salário dos dirigentes das cem maiores empresas saltou de 14 a 75 vezes mais do que o salário mediano, sem que, frisa o jornal, essa diferença se justificasse por qualquer desempenho correspondente. No fundo, a moral dos autores não é melhor do que a da nomenclatura chinesa: não há problema com a desigualdade e a injustiça em si mesmas; elas são condenáveis apenas quando o sistema se torna disfuncional na capacidade de gerar crescimento.

O corolário tácito é que a deslegitimação do sistema capitalista se dissipará naturalmente quando tudo voltar ao normal. Nesse ínterim, como se ignora quanto tempo teremos de esperar, conviria acalmar os indignados com alguma atenuação dos piores excessos. Isso, é claro, se os beneficiários de remuneração obscena aceitarem entrar no jogo de sacrificar um ou outro anel a fim de salvar os dedos.

Que incentivo teriam eles para tanto se sabem que os dedos nada têm a temer de uma esquerda desmoralizada e cabisbaixa?

Não obstante essas limitações, o mérito da série é de propor reflexão que se estende além do episódico, do sobe e desce das Bolsas e das oscilações da crise europeia. O que falta é aprofundar a análise, não só dos valores morais afetados, mas de questões que tocam na própria sobrevivência do capitalismo financeiro ocidental tal como existe. Podia-se começar pelas perguntas: terá esse sistema, sem reformas profundas, a capacidade de voltar a gerar taxas de crescimento capazes de absorver o desemprego estrutural e de assegurar o regime social de bem-estar? Será ele capaz de preservar a primazia ante o desafio de um capitalismo industrial mais jovem e vigoroso, o da China?

Padrão já! - MARIA INÊS DOLCI


FOLHA DE SP - 23/01/12


As agências reguladoras também deveriam exigir, em suas áreas, padrões em baterias, decodificadores

Sem facilidade para comparar os preços dos produtos, o consumidor não exerce plenamente sua cidadania. Para isso, é fundamental que haja padrões. Ou seja, que saibamos claramente quanto custam chocolates, biscoitos, macarrão, molhos, manteigas e os demais itens à venda nos supermercados e lojas, inclusive virtuais, tendo como referência pesos, volumes ou comprimentos iguais.
Foi prometida para este ano a adoção voluntária de nova forma de identificação para as roupas masculinas. Em lugar da "sopa de letrinhas" vigente até agora -G ou L para tamanho grande-, estará o número, por exemplo, 44, com uma das seguintes especificações: atlético, normal ou especial. Nas etiquetas também haverá um desenho do corpo humano e medidas do tórax, da perna e do braço.
Cabe ao consumidor exigir essas etiquetas quando comprar seu vestuário. Assim, mais indústrias deverão se adaptar ao novo padrão. Além de acabar com a multiplicação de medidas, a padronização tornará viável a compra de roupas pela internet.
As mulheres, por enquanto, terão de esperar sua vez, pois as novas etiquetas para vestuário feminino só estarão disponíveis do final deste ano em diante.
Sou defensora incondicional dessa uniformização de pesos e medidas. Como a que decorreu de acordo entre os supermercadistas cariocas e o Ministério Público daquele Estado, há cerca de dois anos.
Os produtos são etiquetados com preços por litro, quilo, unidade ou metro. Dessa forma, quem compra avalia rapidamente os preços e pode escolher de acordo com suas necessidades, renda e exigências.
Por que não tornar lei esse acordo, válido para todo o Brasil, como foi feito com a proibição do fumo em ambientes fechados e com o uso de cinto de segurança em veículos também nas vias urbanas?
Boas iniciativas não devem ficar restritas a algumas cidades ou regiões do país.
Operadoras e fabricantes de celulares anunciaram ainda em 2009 um acordo para adotar um padrão único de carregadores a partir deste ano. Isso fará com que qualquer deles funcione em todo aparelho fabricado a partir de agora, independentemente de marca e modelo.
O padrão escolhido já é utilizado por diversos aparelhos: trata-se do formato micro USB, o mesmo de cabos de transferência de câmeras digitais.
Também há um projeto delei, 7.133/2010, que dispõe sobre a obrigatoriedade da adoção de terminais de telefonia celular com interfaces e propriedades elétricas padronizadas.
Já passou pelas comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática.
Talvez fosse mais negócio reunir todas as padronizações necessárias em um só projeto de lei, com mobilização das entidades de defesa do consumidor, das associações e sindicatos.
As agências reguladoras também deveriam exigir padrões em baterias, decodificadores de TV a cabo, telefones fixos e celulares, fones de ouvido, microfones etc.
Não só pela redução de custos mas tendo em vista um consumo consciente, pela redução do descarte de peças e partes potencialmente poluentes.
Não podemos nos esquecer dos idosos brasileiros, que serão mais de 30 milhões em 2020. Para eles, a uniformização deve visar a segurança, o conforto e o direito à informação (com a exigência de letras e números mais fáceis de ler em etiquetas e embalagens).
São medidas simples, mas que melhoram a qualidade de vida, tão cantada em prosa e verso, raramente realidade para os consumidores do país. Há modelos bem-sucedidos em outros países, que ajudariam a começar essas mudanças.
, quando um padrão interessa, ele é adotado de maneira absoluta, como foi o caso dos plugues e tomadas com três pinos. Então, não vamos postergar mais essas providências e tirar essas ideias do papel, sem mais delongas.
Padrão já, em prol do consumidor, da concorrência e do ambiente!

Com gente é diferente - ANTONIO MOURÃO CAVALCANTE


O Estado de S.Paulo - 23/01/12


A sociedade continua muito preocupada com o problema das drogas. A mídia estampa a clamorosa situação. O problema manifesta-se pelo abuso do consumo e por suas consequências físicas e psíquicas. E também pelas atrocidades que o tráfico suscita: as guerras de traficantes pela ocupação de territórios de venda e os acintosos ajustes de contas com consumidores em débito - condenados à morte. Forma-se, então, esse caldo de violência, com um cortejo de medo, dor e desilusão das famílias atingidas. O que fazer?

A discussão acalorada sobre a internação compulsória de usuários de crack, como desejam alguns administradores públicos, revela total desconhecimento dessa temática. E uma maneira desabusada, arrogante e autoritária de encarar o assunto. Prende. Enquadra. Interna. Faz "isso" desaparecer da nossa frente. Pega mal para uma administração aceitar que exista um espaço público ocupado por "essa gente". Há até designação específica: cracolândia.

Proponho que a reflexão seja feita de forma inversa, de trás para a frente. Tendo sido internadas, mesmo sem desejá-lo, o que se pretende fazer com essas criaturas? Qual é a natureza dessa intervenção? Qual o propósito desse procedimento?

Ora, todos os estudos existentes sobre o assunto convergem para alguns pontos preocupantes: se o objetivo da internação é a cura - parar de usar a droga -, os resultados têm sido pífios, quase nulos. Durante a permanência é possível que haja redução e mesmo suspensão do uso. Porém, quando do regresso ao mesmo meio social, com as mesmas convergências históricas e pessoais - família desagregada, sem vínculos, sem escolaridade, sem profissionalização, sem motivação para esse mundo de competição em que vivemos -, logo serão presas fáceis e o retorno é inevitável.

Digamos que, por toque mágico e/ou milagroso, se dê uma ocorrência mais intensa que vire o desejo do jovem. Algo como: agora ele quer se tratar, quer "virar gente", reconstruir a vida. Onde encontrar pessoal qualificado, profissionais treinados para acompanhar esses milhares de clientes? Qual a instituição, no País, que hoje prepara esses profissionais? Psiquiatras, por exemplo, estão agora mais voltados para a prescrição de psicofármacos do que "perder tempo em conversa com pacientes". Quem conduzirá essa "viagem" de volta? Não temos estruturas minimamente suficientes para enfrentar o desafio. E, nesse caso, a improvisação beira o desatino como política pública. Ávidos por verbas fáceis, alguns municípios apresentarão projetos mirabolantes. Lembro que drogado não é lixo que se recolhe e joga num aterro sanitário, para que lá apodreça. Hoje, no Brasil, são raras as clínicas que merecem esse nome...

Mesmo no momento da abordagem inicial, qual/quem é a equipe que avalia? Se cada caso é um caso, será extremamente oneroso e complexo fazer uma triagem de forma sensata e tecnicamente correta.

É importante mencionar, ainda, que nem todo usuário de drogas precisa ser hospitalizado. Existem gradações e abordagens diferenciadas, conforme o nível da adicção. Fala-se apenas em internação. Erro grave! Os centros de atendimento ambulatorial, as casas protegidas, enfim, uma série de outras medidas são muito mais eficazes. O importante é a noção de rede assistencial.

Ademais, um usuário de crack não é apenas um usuário de crack. É um ser humano integral. Dotado de todas as vicissitudes como qualquer um de nós. O que pode até aliviar nossa preocupação: um usuário de crack não se resume a usar/não usar drogas. Sua problemática não consiste unicamente em deixar de consumir. Ele traz uma história, uma família, amores, frustrações e crimes como qualquer cidadão que mora ali ou em qualquer zona nobre do País.

Devo assinalar, contrariamente ao que pensam nossos doutos administradores, que até hoje as políticas mais bem-sucedidas - em todo o mundo - foram as que focaram o problema em termos de prevenção. Os trabalhos mais proveitosos foram voltados para dois pontos essenciais: fortalecimento da família e melhoria da educação. Os pais precisam ser mais valorizados, somente com a família se é capaz de conseguir algum resultado. O Estado não pode, jamais, substituir o papel de um pai e de uma mãe. E a escola é uma caricatura se não se faz em tempo integral. Lugar de menino é em casa ou na escola.

Agora, essas questões precisam ser tocadas como prioridade. Nada é tão importante quanto investir maciçamente em educação. Há que convocar todos - esforço nacional - para que as famílias sejam ajudadas e as escolas funcionem como escolas. Nada é mais prioritário do que formar a nossa juventude dentro de princípios e valores democráticos, de solidariedade, honestidade e justiça. Ela precisa de sonhos e de ser confrontada com desafios. Algo que o poeta Belchior cantava nos anos 1970: A minha alucinação é suportar o dia a dia/ E meu delírio é a experiência com coisas reais. Qual é mesmo o futuro que desejamos para nossos filhos?

Não nego a necessidade da repressão nem o apoio por meio de uma rede de tratamento. São ações complementares, enxugando o prejuízo. E o tratamento raramente deve consistir em internação. Aliás, qualquer que seja a abordagem, os resultados são decepcionantes.

Trata-se, portanto, de uma tarefa que não pode ser entregue a amadores nem a apressados administradores ávidos por mostrar serviço. Não podem sair às ruas como se convoca uma operação de garis ao fim de uma festa coletiva, com sacos e camburões para recolher o lixo deixado.

Em termos concretos, a cracolândia não é um problema unicamente para passar a borracha, mas existe para nos questionar. Está na hora de pensarmos que com gente a coisa é diferente.

A CHAVE DO COFRE - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 23/01/12




A Anvisa vai obrigar os fabricantes de medicamentos de referência -aqueles que não são encontrados em farmácias, como os usados no tratamento de câncer e Aids- a disponibilizarem as fórmulas desses remédios aos interessados em produzir suas versões genéricas. Se o laboratório se recusar, a própria agência fornecerá as informações, que recebe no momento de registro do produto.

ABERTO
A medida visa facilitar a fabricação de genéricos desses medicamentos. A proposta será levada a consulta pública por 60 dias.

QUEM BUSCA
A SDE (Secretaria de Direito Econômico) do Ministério da Justiça deve abrir investigação sobre denúncia de conduta anticompetitiva do Google. A acusação foi feita em novembro pelo site Buscapé, que diz que o concorrente se aproveita de monopólio no sistema de buscas para abocanhar outros serviços, como comparador de preços e localizador de passagens aéreas.

QUEM BUSCA 2
O Google não se manifesta. Na semana passada, seus advogados apresentaram explicações à SDE. Visam evitar que a secretaria entre com uma medida preventiva que restringiria o serviço de shopping virtual do site -que, como o Buscapé, compara preços em diversas lojas on-line.

TRAJE SOCIAL
A ex-senadora Marina Silva vai participar do Fórum Social Mundial em debate promovido pelo IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), criado por seus apoiadores. Discutirá "política 2.0" ao lado do filósofo José Moroni, do consultor Marcos Rolim e do empresário Ricardo Young.

O instituto tentou trazer também o pensador francês Edgar Morin para a mesa.

LAÇOS DE FAMÍLIA
Os atores Antônio e Bruno Fagundes começam a ensaiar a peça "Vermelho", com direção de Jorge Takla, no dia 30, em SP. Será a primeira vez que pai e filho atuarão juntos. "Sei que vai haver cobrança, mas estaremos em um ambiente confortável", diz Bruno, 22.

PIRÂMIDE
A primeira reunião para a criação do Museu da Civilização Egípcia, que será construído no Cairo com patrocínio da Unesco, acontece amanhã, em Paris. O Brasil é um dos 15 países que participam do comitê, por meio do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus).

BLOCO A BLOCO
E um grupo de técnicos do Ibram deve ir ao Haiti até março para a reconstrução do museu de arte naïf local, no colégio de Saint-Pierre, em Porto Príncipe. O espaço foi afetado pelo terremoto que atingiu o país no início de 2010.

VENDA CASADA
Quem comprar uma entrada para a feira SP-Arte, que acontece em maio, na Bienal do Ibirapuera, ganhará ingressos para os museus MAM, Masp, MIS e Pinacoteca. E a pessoa que visitar um desses locais receberá um bilhete para visitar a feira.

BOLA OVAL
O Superbowl, final do campeonato de futebol americano dos EUA, terá uma exibição oficial em SP no dia 5, organizada pela GEO. Mil pessoas poderão assistir ao jogo em telões em um bar da Vila Olímpia. O ingresso custará R$ 120, com cerveja.

ERA O QUE FALTAVA
A apresentadora Ticiane Pinheiro lança na quarta um "concurso cultural". Está selecionando criações para estampar o fundo de tela de seu perfil no Twitter. O vencedor levará R$ 1.000.

PASSO A PASSO
As modelos Katia Selinger, Carolina Thaler e Kristy Kaurova subiram às passarelas da São Paulo Fashion Week. A blogueira Anna Fasano, a modelo Maria Helena Vianna e a miss Brasil Priscila Machado conferiram os primeiros desfiles da semana de moda, no prédio da Bienal, no Ibirapuera.

EM CENA
As atrizes Ingrid Guimarães e Nivea Stelmann foram à estreia do musical "Xanadu", dirigido por Miguel Falabella, no teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro.

com DIÓGENES CAMPANHA (interino), LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

Próteses e papos furados - LIGIA BAHIA


O Globo - 23/01/12


Fatos, fotos e números não mentem, mas também não falam. São as pessoas que falam e os interpretam como lhes parece correto. As próteses de silicone defeituosas e os recentes dados do IBGE sobre economia da saúde deram margem a distintas possibilidades de compreensão sobre os recursos e usos do SUS. A primeira, mais corriqueira, baseia-se nos contrastes. O "Le Monde", em 12 de janeiro, denominou o Brasil de terra da cirurgia estética e reino dos seios de silicone. O comentário ressalta que as instalações assépticas da empresa distribuidora da PIP (Poly Implant Prothèse) são circundadas pelo ambiente degradado da favela de Vigário Geral. Do lado de cá, a indignação dos adeptos da ênfase nas disparidades sociais manifestou-se sob a forma de perguntas sobre as prioridades assistenciais. Segundo a ótica da pobreza versus riqueza seria injusto o SUS pagar mudanças das próteses para uma minoria de mulheres jovens e saudáveis e deixar de lado o atendimento a crianças, idosos e doentes graves.

Uma segunda vertente interpretativa concedeu ênfase aos malefícios à saúde provocado pelas próteses, quer utilizadas em cirurgias reparadoras de mutilações involuntárias decorrentes do câncer de mama, quer no turbinamento do volume dos seios motivado pelo desejo de uma nova estética corporal. Desse ponto de vista, os riscos dos implantes são sociais e justificam medidas preventivas e a substituição das próteses. Se a saúde é direito de todos e dever do Estado, todos os brasileiros pobres ou ricos que estejam sob risco do uso de silicone de diferentes origens, incluindo travestis, deverão, sem preconceito de nenhuma natureza, usufruir cuidados gratuitos de instituições públicas e privadas de saúde.

O terceiro enfoque questionou, a partir de fatos similares, a associação negativa das cirurgias plásticas com a opressão estética de mulheres do segmento participantes ou expectadoras do Big Brother. Das duas uma: ou as pressões estéticas/fotográficas são tão generalizadas que obrigam inclusive os mais destacados e poderosos políticos, artistas executivos e médicos de ambos os sexos a se submeterem ao botox e ao bisturi ou quem conserva rugas, seios flácidos ou pequenos, estrias, barriguinhas e barrigonas resiste às inovações. Nesse sentido, a naturalidade da discussão sobre a excelente qualidade da plástica da presidente da República pode ser encarada como uma madura demonstração de respeito ao livre-arbítrio.

Desde dezembro até agora houve mudanças de opinião sobre o uso do silicone. Mais e melhores informações contribuíram para ampliar as manifestações de simpatia pelas vítimas de diversos países. Aos poucos, radicais divergências foram decantadas. Deu-se a cada um pouco de razão, prevaleceu a solidariedade e avançamos. Já as polêmicas em torno dos números divulgados pelo IBGE são derivadas de projetos societais distintos.

Para quem julga que a intervenção estatal na saúde deva se limitar ao atendimento aos pobres, gastar 8% do PIB com saúde é, em si, um indicador positivo. Confirma que a privatização da saúde contextualizada pelo deslocamento da pirâmide de renda para cima trouxe e trará prosperidade às empresas setoriais. As três edições das contas satélites da saúde (2007 a 2009) evidenciam o ajuste das informações à aposta de alcançar uma correspondência formal entre renda individual ou familiar e cobertura assistencial. Em contraste, os defensores dos sistemas universais de saúde vêem na distribuição dos recursos para a saúde (45% gastos públicos e o restante privado) sinais de estagnação e crise. O racionamento de gastos públicos deixa o Brasil no meio do caminho. Nem a saúde é um direito efetivo de cidadania, nem o sistema privado mantém-se independente de subsídios públicos. Dada a polarização subjacente às analises de números que não mentem, sobram elementos para estimular um debate profundo sobre o sistema nacional de saúde que não se concentra em torno do falso dilema financiamento ou gestão.

Mas, a pressa em gerenciar com suposta eficiência alguns problemas, especialmente aqueles apresentados sob o formato de escândalos, abrevia o tempo de decantação dos conflitos. Sem a explicitação das ideias e interesses que fundamentam interpretações e ações ficamos sem saber se o SUS se responsabilizará pelos vazamentos das próteses, porque o Brasil tem um sistema universal de saúde, ou se a intervenção governamental foi tópica e voltada apenas à correção de uma pequena falha do mercado. Essa não é uma disjuntiva teórica. Faz toda diferença, na prática, organizar um sistema de saúde bem gerenciado e, portanto, capaz de prever estrategicamente a absorção de novas demandas ou ativar atividades fragmentadas, dinamizadas por inclusões pontuais de benefícios para grupos populacionais específicos. Um dos maiores desafios gerenciais do SUS é exatamente despolitizar iniciativas que deveriam ser administrativas. Se o uso de procedimentos de saúde e medicamentos continuar enquadrado como mera relação de consumo, e a proteção contra riscos à saúde depender, exclusivamente, de decisões de quem ocupa o cargo de presidente da República, o SUS terá um gerenciamento inadequado. Posicionamentos plastificados de acordo com as circunstâncias e com o público ouvinte vazam. As declarações da OAB, de entidades médicas e diversas associações cientificas sobre o reinicio da luta pelo SUS universal contribuem para vedar furos nos argumentos e estabelecer uma atmosfera favorável ao papo sério.

Açude de intrigas - RENATA LO PRETE

FOLHA DE SP - 23/01/12




FÁBIO ZAMBELI (interino) 


Palco de novo embate entre PSB e PMDB e mergulhado em denúncias de superfaturamento de obras, o Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas) tem sua gestão colocada à prova por relatório recém-concluído pela CGU. Auditores constataram um rombo estimado em R$ 192 milhões, além de indícios de sobrepreço e direcionamento de licitações.

O texto qualifica a atual direção da autarquia federal como "deficiente" e "com pouca efetividade na adoção de providências". O Dnocs é presidido por Elias Fernandes Neto, ex-deputado indicado pelo líder peemedebista na Câmara, Henrique Alves (RN).

Vaivém A exemplo do que ocorreu na transição para o governo Dilma Rousseff, o escritor Fernando Morais voltou à bolsa de apostas para o Ministério da Cultura. As tratativas, contudo, não avançaram. A presidente insiste em indicar uma mulher para substituir Ana de Hollanda. Marta Suplicy e Marta Porto figuram na lista.

Glossário Técnicos do governo se surpreendem toda vez que Edison Lobão (Minas e Energia) concede entrevistas sobre o Código da Mineração, em gestação na pasta. Alegam que o ministro não participou das reuniões para discutir o assunto nos últimos meses. Quem toca o projeto é o secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, Claudio Scliar.

Consultoria O governo terminou 2011 sem contratar oficialmente nenhuma pesquisa para aferir a imagem e a aceitação popular de Dilma. Na ausência de dados oficiais, a presidente recorre às sondagens do publicitário João Santana, repassadas informalmente ao Planalto.

Tela quente 1 O TSE analisa mudança explosiva na propaganda de TV em regiões metropolitanas. Como opção ao bloqueio de sinal das emissoras que invade cidades vizinhas, a Corte estuda contemplar os três polos mais populosos do raio de alcance da geradora com a veiculação do horário gratuito.

Tela quente 2 Se aprovada, a medida levará o palanque eletrônico a municípios do entorno das capitais que hoje não contam com o recurso. Os três canais de maior audiência compartilhariam a difusão dos programas.

Bala perdida A ação da PM paulista na reintegração de posse do Pinheirinho esfriou o clima de namoro institucional de Geraldo Alckmin com Dilma. Emissário oficial do Planalto na operação, o secretário nacional de Articulação Social, Paulo Maldos, foi atingido na perna por um tiro de borracha.

Monitor Em atrito com o governo paulista desde a intervenção policial na cracolândia, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos designou sua ouvidoria para colher os relatos de sem-teto expulsos ontem da área invadida em São José dos Campos.

Timing Maria do Rosário (Direitos Humanos) destacou assessores para acompanhar in loco a negociação com invasores. A estrutura foi desmobilizada na sexta-feira passada, diante da perspectiva de acordo judicial.

Só vendo Em privado, Alckmin diz não acreditar que a manifestada indisposição de José Serra em concorrer à Prefeitura de São Paulo este ano seja definitiva.

PT saudações Ciente da resistência de setores petistas a seu nome, Gilberto Kassab telefona diariamente para deputados e dirigentes do partido. A eles, enfatiza seu distanciamento de Serra e procura demonstrar proximidade com Dilma.

Tiroteio

Com seu apoio à ação na cracolândia, d. Odilo Scherer, ecumênico e generoso, deixa sem discurso os radicais de ocasião da Igreja que protestam contra a presença do Estado.

DO SECRETÁRIO PAULISTA DE ENERGIA, JOSÉ ANÍBAL (PSDB), sobre a declaração do arcebispo de São Paulo, para quem a operação da PM na região central, criticada pelo padre Julio Lancelotti, foi "um presente para a cidade".

Contraponto

Álbum de família
Antes de ser chamado ao palco do segundo debate entre os pré-candidatos do PSDB à Prefeitura de São Paulo, segunda passada, Andrea Matarazzo, sentou-se à plateia. Ficou incomodado com uma mulher que fotografava freneticamente Bruno Covas. Sem perceber que era Karen Ichiba, mulher do seu adversário nas prévias, perguntou:

-Por que você só tira fotos dele, hein? Eu também sou candidato. Não vai tirar de mim?

Sem jeito, a vizinha de cadeira respondeu:

-Claro que não. O Bruno é meu marido.

com LETÍCIA SANDER e DANIELA LIMA

"Seu Catatumba" - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 23/01/12


Conversava eu com um exu numa festa num terreiro de candomblé quando, de repente, ele começou a falar de mulher. Grande especialista. Para quem é "consumidor" do sexo frágil, exus são grandes mestres. Você já conversou com um exu?

Recomendo conversar. Pura sabedoria popular, daquelas que marxistas menos obcecados chamariam de espírito menos alienado porque mais "orgânico". No caso, a palavra "espírito" tem duplo sentido, e um deles é espírito como "fantasma incorporado".

Não, exus não são demônios, são mais uma espécie de orixá que media as relações entre nós e os deuses. Alguns os relacionam a Hermes (Grécia), Mercúrio (Roma) e Thot (Egito), todos os três deuses mensageiros entre os homens e os deuses.

Como ele está em meio ao nosso mundo, é "melado" com ele, claro. Ocupa-se de nossas demandas e, por isso, são famosos por "trancarem ou abrirem as encruzilhadas da vida".

Claro que existe aí um sincretismo, porque este exu também tem um nome próprio de "quando viveu na Terra", e orixá africano "puro" nunca "viveu na Terra" como um encarnado.

As parceiras dos exus são as "pombagiras", mulheres que gostam de falar de amor e sexo, que, quando vivas, tiveram muitos amantes e que representam, assim como os exus, a dimensão mais carnal e erótica da vida.

Quando elas "descem" e começam a dançar, é bonito de ver e de escutar suas músicas de lamento de amor e de desejo de sexo.

Incrível como também nessa religião de origem africana, as mulheres são especialistas em amor e sexo e só pensam "naquilo".

Ingenuidade masculina pensar que somos mais obcecados por sexo do que elas. Se um dia você, meu caro leitor, tiver a chance de ouvir um papinho entre mulheres, você provavelmente vai se sentir um santinho inexperiente.

Então me dizia "Seu Catatumba", o nome que ele escolheu para si mesmo depois de assumir sua função na "falange" dos exus: "Não dá para entender as mulheres!". Imagine só: o cara é um deus numa religião africana e me disse isso num papo em que ele e eu fumávamos charutos cubanos e bebíamos cerveja.

Até os deuses sabem disso, menos elas. As mulheres são incompreensíveis. Mas essa incompreensibilidade não as atinge prioritariamente quando atuam como profissionais, mas principalmente quando relações de afeto estão envolvidas.

Dizia "Seu Catatumba": "Quando você está dizendo a verdade, ela não acredita; quando você está mentindo, ela acredita; quando chora, é porque ri por dentro; quando ri, é porque está triste; quando você acha assim, ela acha assado, quando você acha assado, ela acha assim; quando você vai para cá, ela vai para lá; quando você vai para lá, ela vem para cá; quando diz sim, é não; quando diz não, é sim".

Ríamos juntos, o "sobrenatural" e eu. Uma delícia levar um papo sobre mulher com o "sobrenatural", fumando legítimos cubanos (presente meu para ele) e cerveja, e ver que nem ele sabe nada sobre o que as mulheres querem.

Meu caro Freud, você está perdoado: nem deuses africanos sabem o que a mulher quer.

"Seu Catatumba", pelo que me disse, "morreu de mulher" (por causa de mulher). Aliás, morte bem dramática e digna de ópera: esfaqueado pelas costas. Como se dizia antigamente, "crime passional", hoje seria apenas "crime de gênero".

Teoria de gênero é a teoria segundo a qual não existe mulher e homem, mas sim "construções sociais" a serviço da opressão, assim como o mito do Papai Noel está a serviço das lojas de brinquedos. Para os tarados da teoria de gênero, um exu é apenas mais um machista.

Continuava "Seu Catatumba": "Morri de mulher; passei a vida atrás delas; tentei sempre fazer o que elas queriam; sempre amei as mulheres; sempre no meio delas, atrás delas; coisa gostosa é mulher; a gente homem é bicho bobo por mulher, e sempre acaba morrendo por causa de uma".

Não é novo o que me disse o exu, mas é encantadora a ideia de que mesmo ele, meio homem, meio deus, aliás, como uma espécie de Eros platônico em versão africana, confirma: não dá para entender as mulheres.


Você pergunta se eu acredito em exus? "Yo no creo en las brujas pero que las hay las hay."

Não dá para competir? - FRANCIS BOGOSSIAN


O GLOBO - 23/01/12



Como dizia o personagem de um programa humorístico de Jô Soares, "não dá para competir". As empresas nacionais não têm facilidade de crédito, ou se têm, os juros são altos (os mais altos do mundo), têm um tributação desigual, particularmente no caso do ICMS, e os projetos apresentados pela concorrência, em boa parte multinacional, não se enquadram às normas da ABNT, prejudicando o parque industrial nacional, que vem se desnacionalizando ou fechando suas empresas.

Neste momento da sua história, tanto pela trajetória já percorrida nesse período, quanto pelas oportunidades que surgem com o aproveitamento das reservas de hidrocarbonetos do pré-sal, o desenvolvimento sustentado que se espera que ocorra no Brasil requer uma sólida aliança entre o Estado, a engenharia, a empresa brasileira genuinamente nacional e os trabalhadores de todos os níveis do nosso país, em torno do fortalecimento da atividade produtiva, da geração de empregos de qualidade e da redução definitiva da pobreza. Essa aliança torna-se também imprescindível para o enfrentamento da crise decorrente da especulação financeira internacional que sacudiu o mundo em 2008 e que agora se aprofunda e recrudesce de forma acentuada, particularmente na Europa. Para que volte a crescer, o país precisa ajustar sua legislação para fortalecer as empresas brasileiras de capital nacional, notadamente as do setor industrial, hoje ameaçadas. Nesse contexto, a iniciativa do deputado Assis Melo (PCdoB-RS) encaminhando à deliberação do Poder Legislativo o projeto de emenda constitucional (PEC) de número 123/2011, que acrescenta o artigo 170-A à Constituição Federal, objetivando a diferenciação entre a empresa brasileira e a empresa brasileira de capital nacional, nos parece um avanço. A iniciativa parlamentar vai ao encontro do conjunto de análises, estudos e debates aqui realizados, ao longo dos últimos meses, que culminaram na aprovação pelo nosso Conselho Diretor, em novembro passado, do Manifesto em Defesa da Engenharia e da Empresa Brasileira de Capital Nacional. Esse documento tem 12 proposições e expressa a firme posição defendida pelo Clube de Engenharia. Cabe lembrar que, nas décadas de 70 e 80, o governo criou mecanismos de proteção, através de várias iniciativas. Desde a criação da Petrobras, especialmente ao longo das décadas de 70 e 80, sua atuação foi decisiva para fortalecer as empresas brasileiras de capital nacional. Com o apoio da tecnologia por ela gerada ou adquirida, repassada para o segmento fabril nacional, viabilizou-se a criação de 5 mil fornecedores de equipamentos e 3 mil fornecedores de serviços para a indústria do petróleo. A partir da década de 90, toda a legislação de proteção e estímulo à criação de tecnologia brasileira e de proteção à empresa brasileira de capital nacional até então existente foi derrogada nos governos Collor e FHC.

Um país que baseia a sua economia em exportar matérias-primas e importar produtos com maior valor agregado jamais conseguirá sua independência econômica. O Brasil, que possui recursos naturais, biodiversidade, água potável e uma incidência de energia solar como nenhum outro e, sobretudo, um povo trabalhador, criativo, persistente, destemido e forte, precisa proteger a sua indústria e avançar, de forma decisiva, nas próximas décadas, em uma trajetória de desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 23/01/12



Indústria do cinema passa a fazer trailer para o Brasil

Ao se tornar o maior mercado de cinema da América Latina, com 135 milhões de espectadores em 2011, o Brasil começa a atrair a atenção da indústria cinematográfica mundial, que passou a encomendar a produção de trailers exclusivamente para o público do país.

O mercado americano costuma produzir, para cada filme, um trailer a ser distribuído no mercado interno e outro para ser exibido no exterior.

Três produções recentes (uma espanhola e duas americanas), porém, mostram o início de uma mudança.

"A Pele que Habito", "The Runaways - Garotas do Rock" e "Jogos Vorazes" ganharam trailers feitos só para o Brasil. "Mas é um mercado ainda muito incipiente se comparado com o dos EUA", diz Marcos Horácio Azevedo, sócio da produtora Tatuí, que produziu os três trailers, além de comerciais para oito filmes estrangeiros -entre eles, o do megasucesso "Crepúsculo".

Antes, diz Horácio, o material vinha pronto. Aqui era feita apenas a dublagem.

Azevedo conta que sua produtora vem trabalhando com encomendas feitas pela distribuidora brasileira Paris Filmes, mas afirma que multinacionais já começam a se interessar em produzir peças locais e a procurar a empresa.

Cada trailer de dois minutos e meio pode custar R$ 50 mil. Por enquanto, poucas empresas no Brasil fazem esse tipo de trabalho. Nos EUA, há em torno de 30 companhias especializadas.

Superavit entre os maiores

O Brasil teve superavit de US$ 2,1 bilhões com os seus 25 principais parceiros comerciais em 2011.

O intercâmbio de produtos do Brasil com cada um desses países representou ao menos US$ 4 bilhões. Somadas, o valor total das 25 relações comerciais brasileiras mais volumosas no ano passado chegou a US$ 380,1 bilhões.

A China foi responsável pela corrente de comércio bilateral mais elevada e pelo maior superavit brasileiro em 2011, de US$ 11,5 bilhões.

"Mesmo com esse resultado e a crescente demanda por produtos brasileiros, a China tem uma posição confortável ante o Brasil por exportar produtos industrializados, de valor menos vulnerável", diz Kjeld Jakobsen, presidente do Instituto para o Desenvolvimento da Cooperação e Relações Internacionais e mestre no assunto pela USP.

Apesar de acumular superavit de US$ 2,1 bilhões no saldo total com seus principais parceiros, o intercâmbio foi deficitário em 14 dos 25 casos.

Entre os quatro países da América do Sul que foram analisados, apenas a Bolívia leva vantagem sobre o Brasil.

"A capacidade boliviana para importar os produtos industrializados brasileiros é muito reduzida, então não conseguimos nos impor como aos outros vizinhos continentais", afirma o professor do Insper Régis Braga.

Na Europa, há equilíbrio: o Brasil tem deficit com quatro países e superavit, com cinco. "Já temos tecnologia para produzir o que antes importávamos de lá", diz Braga.

Gestão no supermercado

O Grupo Pão de Açúcar, pela primeira vez, vai realizar uma parceria com o Sebrae-SP para capacitar os clientes comerciantes de seu atacarejo Assaí.

A nova unidade da marca, que será inaugurada nos próximos dias, terá uma equipe para ajudar pequenos empresários de pizzarias, padarias e outros a abrir negócio e formalizar ou melhorar a gestão de seus empreendimentos.

A companhia inaugura amanhã, em Mogi das Cruzes (SP) sua primeira loja neste ano, com a bandeira Assaí.

O investimento, de R$ 17 milhões, é superior ao praticado nas unidades anteriores, de cerca de R$ 10 milhões. A previsão é que sejam abertas 60 lojas até 2014.

Iorgute sul-americano

Os sorvetes de iogurte da Yogoberry chegarão a países vizinhos ainda neste ano. A empresa pretende abrir franquias em Buenos Aires e Assunção. Para o Brasil, a previsão é inaugurar mais 30 unidades até dezembro.

Desde julho de 2011, a rede já tem uma franquia fora do país. Um empresário iraniano esteva de férias no Brasil em 2010 e decidiu levar a marca para o Oriente. Também há negociações com americanos e europeus.

"Mas operacionalmente é mais fácil começarmos a expansão pela América Latina", diz Marcelo Bae, fundador da marca.

A rede tem hoje 107 unidades em 14 Estados e faturamento de R$ 80 milhões.

Futebol... A SPR Franquias, que tem três redes de lojas ligadas a Corinthians, Vasco e São Paulo, abrirá 90 unidades por ano até 2014. Hoje a companhia já tem 156 franquias em nove Estados e, neste ano, entrará em mais cinco.

....mercadológico
A SPR, que entrou nesse negócio em 2008, diz negociar a abertura de lojas com mais quatro clubes para passar a operar em todos os Estados brasileiros. O preço médio de abertura por franquia é de R$ 200 mil.

Sobremesa A Ofner abrirá duas unidades em São Paulo até o final do primeiro trimestre deste ano. Para o restante de 2012 estão previstas outras duas inaugurações. A rede prevê crescimento de cerca de 4% para este ano.

com JOANA CUNHA, VITOR SION e LUCIANA DYNIEWICZ

Tráfico e classe média - CARLOS ALBERTO Di FRANCO


O Estado de S.Paulo - 23/01/12


Engana-se quem pensa que tráfico de drogas é exclusividade dos morros e das favelas. Operações policiais, com frequência preocupante, prendem jovens de classe média vendendo ecstasy, LSD, cocaína, maconha... Segundo a polícia, eles fazem a ligação entre os traficantes e os vendedores de drogas no ambiente universitário.

Crise da família, aposta na impunidade, ganho fácil e consumo garantido explicam o novo mapa do tráfico de entorpecentes. O tráfico oferece a perspectiva do ganho fácil e do consumo assegurado. E a sensação de impunidade - rico não vai para a cadeia - completa o silogismo da juventude delinquente.

O envolvimento com o tráfico de drogas bate às portas das casas dos bairros de classe média. Mostra a sua garra aos que se julgavam imunes ao seu apelo e ensombrece a alma das famílias que sucumbem ao drama da delinquência insuspeitada.

Não é de hoje que vemos jovens de classe média e média alta no noticiário policial. Crimes, vandalismo, espancamento de prostitutas, incineração de mendigos, consumo e tráfico de drogas despertam indignação e perplexidade. O novo mapa do crime transita nos bares badalados, vive nos condomínios fechados, estuda em colégios e universidades da moda e desfibra o caráter no pântano de um consumismo sem-fim.

A delinquência bem-nascida mobiliza policiais, pais, psicólogos e inúmeros especialistas. O fenômeno, aparentemente surpreendente, é o reflexo de uma cachoeira de equívocos e de uma montanha de omissões. Esse novo perfil da delinquência é o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva e de setores do negócio do entretenimento que se empenham em apagar qualquer vestígio de normas ou valores.

Os pais da geração transgressora, em geral, têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão. É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá, então, quando vende. O que não se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.

Alguns pais não suportam ser incomodados pelas necessidades dos filhos. Educar dá trabalho. E nem todos estão dispostos a assumir as consequências da paternidade. Tentam, então, suprir o vazio afetivo com mesadas, carros e outros presentes. Erro mortal. A demissão do exercício da paternidade sempre acaba apresentando sua fatura. A omissão da família está se traduzindo no assustador aumento da delinquência infanto-juvenil e no comprometimento, talvez irreversível, de parcelas significativas da nova geração.

Não é difícil imaginar em que ambiente afetivo terão crescido os integrantes do tráfico bem-nascido. Artigos, crônicas e debates tentam explicar o fenômeno. Fala-se de tudo, menos do óbvio: a brutal crise que maltrata a instituição familiar. É preciso ter a coragem de fazer o diagnóstico, senão assistiremos a uma espiral de violência. É só uma questão de tempo.

Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações para os desvios comportamentais nos meandros das patologias. Podem ter razão. Mas nem sempre. Independentemente de eventuais problemas psíquicos, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: desumanização das relações familiares. A delinquência, o último estágio da fratura social, é, na grande maioria das vezes, o epílogo da falência da família.

Teorias politicamente corretas no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram a opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um perverso resultado. Uma legião de desajustados e de delinquentes, criada à sombra do dogma da tolerância, está mostrando as suas garras.

Gastou-se muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O saldo é toda uma geração desorientada e vazia. A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de infratores e criminosos. A formação do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É pena que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio: é preciso saber dizer não!

Impõe-se um choque de bom senso. O erro, independentemente dos argumentos da psicologia da tolerância, deve ser condenado e punido. Chegou para todos, sobretudo para os que temos uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública, a hora da verdade. É necessário ter a coragem de dar nome aos bois. Caso contrário, a delinquência enlouquecida será uma trágica rotina. Colheremos, indefesos, o amargo fruto que a nossa omissão ajudou a semear.

A irresponsabilidade pragmática de alguns setores do negócio do entretenimento fecha o triângulo da delinquência bem-nascida. A exaltação do sucesso sem limites éticos, desvios de comportamento e a consagração da impunidade, roteiros de algumas novelas e programas de TV, têm colaborado para o crescimento da deformação do caráter. Apoiados numa leitura equivocada do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas de TV exploram as paixões humanas. Ao subestimarem a influência negativa da violência ficcional, levam adolescentes ao delírio em shows e programas que promovem uma sucessão de quadros desumanizadores e humilhantes.

Como já escrevi neste espaço opinativo, recuperação da família, educação da vontade, combate à impunidade e entretenimento de qualidade compõem a melhor receita para uma democracia civilizada.

A falta que o PT nos faz - RENATO JANINE RIBEIRO

VALOR ECONÔMICO - 23/01/12



O PT está fazendo muita falta ao Brasil: na oposição... Dizendo isso, não estou criticando - aliás, nem elogiando - seu governo; só constato que desde 2003, quando ele ganhou as eleições para a Presidência da República, não tivemos mais oposição digna desse nome. Mas, na verdade, pode ser que em quase dois séculos de história independente tenhamos tido apenas dois ou três partidos que realizassem uma significativa oposição democrática. Dois: o MDB (depois, PMDB), no período de 1965 a 1985, e o PT, de sua fundação até 2002. Talvez três, se incluirmos o pequeno Partido Democrático, no final da República Velha e com atuação restrita a São Paulo.

Tivemos outras oposições, mas não foram significativas e, quando o foram, não foram democráticas. Em nosso primeiro século de vida independente, as eleições foram manipuladas (no Império) ou fraudadas (na República Velha). Na Primeira República, dominada pelas oligarquias, só dava para enfrentá-las de armas na mão - daí, a interminável guerra civil do Rio Grande do Sul, a mais breve no Ceará e a rebelião de Princesa, em 1930, na Paraíba. Nosso primeiro período democrático, de 1945 a 1964, teve um partido significativo de oposição, a UDN, mas desde o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, ela tendeu ao golpismo, largando suas iniciais intenções democráticas. Só em 1965 surge nosso primeiro grande partido democrático, o Movimento Democrático Brasileiro, que reunirá as oposições à ditadura, mas tardará 20 anos a pôr-lhe fim.

O MDB (desde 1980, PMDB) marca uma mudança na história do Brasil. Enfrentou a ditadura, mas com métodos e ideais da democracia. Adotou uma política de alianças, reunindo de tudo, inclusive gente pouco digna, mas sob a liderança de nomes notáveis, como Ulysses Guimarães. Praticou, assim, o diálogo. Sua moderação, embora incomodasse a vários, assegurou aos radicais um guarda-chuva protetor. Teve sucesso, pois seu trabalho de formiga concorreu seriamente para o fim da ditadura; e não o teve, já que após 1985 se converteu, rápido demais, em partido fisiológico. Mas sua história merece respeito.

Nosso segundo partido democrático também demorou duas décadas para chegar à Presidência. O PT conseguiu uma façanha admirável: uniu os descontentes de esquerda, somando ideais até divergentes num propósito comum, e o fez com muito trabalho (este é meu ponto, aqui: não se faz oposição sem suar). Esses dois partidos verteram muitíssimo suor, um tanto de sangue e provavelmente muitas lágrimas. No caso do PT basta pensar, primeiro, nos mortos do partido ou próximos a ele, em lutas de sem-terra e outros perseguidos. Eldorado do Carajás marcou um corte nítido entre os petistas e os tucanos, pois era do PSDB o governador do Pará, quando sua polícia massacrou os sem-terra, em 1996. Pensemos, segundo, nas ações petistas que exigiram disciplina e trabalho, como a Caravana da Cidadania. Tudo isso rendeu frutos, desde 2002.

O que falta à oposição atual, para se tornar significativa e ao mesmo tempo agir nos quadros da democracia? Antes de mais nada, a disposição a dar o sangue (em sentido figurado) ou, em sentido literal, a suar de tanto trabalho. Infelizmente, isso mal se vê. Uma dirigente da Associação Nacional de Jornais disse há dois anos que, na falta de uma oposição consequente, a grande imprensa assumiu o papel de opositora. A frase é infeliz, porque o compromisso da imprensa não é fazer oposição, mas dizer a verdade - ideal nada fácil, mas que não se pode abandonar - porém expressa uma triste realidade: o PSDB terceirizou o papel de se opor. Ele o delegou a alguns jornais e revistas que, por preguiça, preferiram o caminho fácil dos escândalos ao mais difícil de um monitoramento sério das ações de governo (e da oposição).

Será também uma certa preguiça a principal razão para a inércia da assim chamada oposição? Suas duas vertentes, o PSDB e em menor medida os verdes, parecem acreditar que basta ter razão para atingir o poder. Mas na política o fundamental não é ter razão, é convencer. Apostar tudo na ideia de que temos razão nos faz acreditar que quem pensa de outro jeito é patife ou, na melhor das hipóteses, ignorante - o que é um desrespeito ao soberano na democracia, o povo. Vejam, nas redes sociais, o desdém de alguns simpatizantes da oposição pela maioria de pobres. Mas não dá para fazer oposição preguiçosa. Pensemos na história dos tucanos. O PSDB, desde que nasceu, em 1988, esteve perto do poder. Alguns de seus grandes nomes foram ministros de Collor, e o próprio partido por pouco não o apoiou. Em 1994, a escolha pessoal de Itamar Franco, quase no estilo do PRI mexicano, levou Fernando Henrique à Presidência - mas qualquer nome, no bojo do Plano Real, ganharia as eleições daquele ano.

FHC é alguém especial. Ele soube converter a fortuna em virtù, para usar os termos de Maquiavel, isto é: converteu a sorte em capacidade própria. Mas perdura o fato de que o PSDB não parece disposto a suar na oposição. Isso é pena. Se ele não fizer suas caravanas da cidadania, se seus militantes não se esfalfarem, se seus líderes continuarem esperando que o poder lhes caia nas mãos, nunca serão oposição de verdade. Ora, numa democracia, para um partido se tornar governo, é preciso primeiro fazer oposição. Não sendo assim, só com sorte. É como se o partido esperasse que a imprensa de oposição faça por ele, nas próximas eleições, o que Itamar fez em seu tempo: dar-lhe o poder de presente. Mas, para nossa maturidade democrática, precisamos de uma oposição que trabalhe, lute, em suma, repetindo-me mais uma vez: que dê seu suor pela política.

Volto para o Canadá - LÚCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 23/01/12


O que têm em comum o candidato republicano Newt Gingrich e Luiza, a adolescente paraibana que voltou do Canadá?

Eles representam dois lados da mesma moeda, ambos atropelados pelo fenômeno do contágio digital.

O âncora Carlos Nascimento não conteve sua nostalgia analógica e comentou, na abertura do seu telejornal: "Nós já fomos mais inteligentes". A mesma franqueza não se viu por aqui, onde o âncora da CNN abriu o debate republicano na quinta-feira passada pedindo a Gingrich para comentar a entrevista de sua ex-mulher à rede ABC, que "tinha se tornado viral".

Explico: Brian Ross, o principal repórter investigativo da ABC, com 40 anos de profissão e alguns prêmios na estante, pediu a Marianne Gingrich para repetir o que já contou a outros repórteres no passado: seu ex-marido teve um longo caso com Callista, uma funcionária do Congresso, hoje a terceira senhora Gingrich, e, quando descoberto, não pediu logo divórcio, pediu tolerância para o arranjo tripartite.

Brian Ross é mais conhecido por produzir furos sobre Osama Bin Laden e trabalho escravo. A notícia requentada decolou graças à cumplicidade de jornalistas e editores veteranos cuja inteligência pode não ter encolhido, mas cujo apreço pela profissão certamente já foi maior. E a CNN achou por bem abrir o debate político com o pecado sexual.

"O senhor gostaria de comentar?", perguntou o mediador John King.

"Não gostaria, mas vou ter que comentar", respondeu Gingrich e foi ovacionado de pé pela plateia predominantemente conservadora.

Touché.

Newt Gingrich, o fanfarrão hipócrita, tal como o personagem do samba de Chico Buarque, deu pernada a três por quatro e quem se despenteou foi o âncora imóvel.

A hipocrisia da vida privada de Gingrich não prejudicou o candidato nas primárias da Carolina do sul. Aposto que a hipocrisia da mídia, escondida atrás da desculpa "se tornou viral" para se lambuzar com o que não tem relevância, deu muitos votos ao homem que defendeu o impeachment de Bill Clinton enquanto dormia com a funcionária Callista.

Estou incluída entre os mais de 4 milhões de internautas espectadores do vídeo de publicidade que transformou Luiza numa commodity digital. Fui compelida a assistir quando me enviaram o comentário de Nascimento sobre o tipo de fama que tem origem no sarcasmo contemporâneo, na comédia da qual Jon Stewart é um praticante muito superior a seus imitadores. Stewart e sua cria Stephen Colbert ao menos denunciam corrupção e hipocrisia, a ponto de criar um comitê político para expor a insanidade da lei de financiamento de campanhas. Ambos se preocupam em entreter, mas há camadas de humanidade sob suas personas cômicas.

A jovem Luiza e sua antecessora, Rebecca Black, do esquecido vídeo Friday, são protagonistas do jogo da fama viral que não controlam. É entrevistada não porque fez alguma coisa, mas porque milhões de pessoas se divertem zombando de seu pai. O colunista social da Paraíba promove, em seu sotaque carregado, o prédio com nome de boulevard parisiense e a seriedade com que comenta "menos Luiza, que está no Canadá", oferece um momento de candor perfeito para a indústria do ridículo online.

O Canadá é um eterno tema de piadas de americanos, em grande parte por suas qualidades, consideradas entediantes. A população esparsa e cordial, as cidades limpas, a aversão ao confronto e o senso de humor autodepreciativo servem de farto material para comédia stand-up. Num episódio da série animada South Park, pais americanos, incapazes de se responsabilizar pelo destino de seus filhos, conclamam, na paródia de um musical: "Culpem o Canadá!".

Assim como Marianne Gingrich choramingando pelo adultério do ex-marido não merece destaque num debate da eleição americana mais dramática das últimas décadas, a viral e sorridente Luiza habita um ecossistema contra o qual o jornalismo não consegue se vacinar.

O Canadá geográfico está fora do meu alcance. Mas o país conceitual, este sim, é um bom lugar para se pedir asilo.

O peso do PMDB - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 23/01/12

Que houve? Agenda cheia? Esquecimento? Descortesia calculada? Ou indo além: simplesmente desprezo? Michel Temer, 71 anos, vice-presidente da República, foi operado no último dia 3 no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, para a retirada de pedras da vesícula. Sabe o grau de atenção que lhe dedicou a presidente Dilma? Grau zero.

Temer ficou de três a quatro dias no hospital. Depois foi para sua casa na capital paulista. Enquanto se recuperava para voltar ao Palácio do Jaburu, às margens do Lago Paranoá, em Brasília, Dilma esteve duas vezes em São Paulo. Não o visitou. O mais formidável: não lhe deu um único telefonema.

Na terça-feira passada, o nome de Temer apareceu na agenda oficial de audiências concedidas por Dilma. Não foi a primeira vez que ela o recebeu. Foi a primeira vez que o nome dele ganhou espaço na agenda. Para quê? Para sugerir que Temer seria ouvido sobre a reforma ministerial.

Era só o que faltava! Temer usufrui o que o ex-general Ernesto Geisel, o penúltimo presidente da República do regime militar de 1964, chamou de "as miçangas do poder" - mas é só. Dê-se por satisfeito. Seu papel é decorativo e protocolar. Não participa de decisões relevantes - fica sabendo delas.

Dilma comunicou a Temer que a reforma se limitaria à substituição de Fernando Haddad por Aluizio Mercadante no Ministério da Educação - e de Mercadante por um técnico no Ministério da Ciência e Tecnologia. Lula fez Haddad ministro de Dilma. Tirou-o para disputar a prefeitura de São Paulo.

Não foi a reforma dos sonhos de Dilma. Nem a dos partidos. Dilma sonhou com uma reforma que implicasse a troca de ministros, a extinção pura e simples de alguns dos atuais 38 ministérios e a fusão de outros. Acabou forçada a demitir por antecipação seis ministros envolvidos com malfeitos.

Por fim, Lula (sempre ele) deteve a mão de Dilma antes que ela baixasse com o cutelo sobre o pescoço de outros auxiliares. Que diabo você imaginava fazer, Dilminha? Um assassinato em massa? Queria acabar abandonada pelos partidos reunidos com tanto trabalho para apoiá-la?

O PT quis emplacar o sucessor de Mercadante no Ministério da Ciência e Tecnologia. Aí foi Dilma que não deixou e emplacou seu próprio candidato. Dilma quis trocar Mário Negromonte, ministro de Cidades da cota do PP, por Márcio Fortes, seu queridinho.

Aí foi o PP que não deixou. Partido algum desejou tanto a reforma quanto o esvaziado PMDB, dono da segunda maior bancada de deputados federais e da primeira de senadores. O PT exibe um plantel de 13 ministros. O PMDB, de cinco - Agricultura, Minas e Energia, Previdência, Turismo e Assuntos Estratégicos.

Os cinco valem pouquíssimo. Nenhum faz política pública capaz de mudar a vida das pessoas. Ou melhor: o de Minas e Energia faz. O ministro, ali, é Edison Lobão, senador do PMDB do Maranhão. Mas o ministério é feudo de Dilma. Porque sabe disso, Lobão se dá bem com ela e sobrevive.

A maioria dos ministros não se dá bem com Dilma. Correção: Dilma não se dá bem com a maioria dos ministros. Prefere governar com os secretários- gerais dos ministérios - parcela expressiva deles escolhida por ela. Dilma escalou no mínimo quatro dos cinco secretários de ministérios do PMDB.

Cresce de forma velada a chiadeira de políticos e de partidos com a presidente. E até o PT não deixa de chiar pelos cantos. Afinal, quem gosta de ouvir desaforos? Quem tolera ser humilhado? Quem se conforma em ser mantido à distância? Nem mesmo Luiza, que estava no Canadá.

Consequências? Por enquanto nenhuma. Que Dilma continue tocando tudo ao seu modo - desde que Lula concorde, naturalmente. Com a economia nos trinques, o brasileiro está bestificado. E a popularidade de Dilma sobe como um foguete. Mais adiante...

O PMDB se dividirá. Outros partidos abandonarão o governo. E a eleição de 2014 talvez não seja tão fácil para o PT como foi a mais recente.