terça-feira, dezembro 11, 2012

Kafka e a política industrial - SANDRA POLÓNIA RIOS E PEDRO DA MOTTA VEIGA


O Estado de S.Paulo - 11/12


O decepcionante crescimento do PIB anunciado na semana passada despertou comoções no Brasil e no exterior. Enquanto jogamos a culpa pelo nosso fraco desempenho na crise internacional e nas políticas dos países desenvolvidos, seguimos aqui enredados com instrumentos de política ultrapassados e discussões bizantinas acerca de políticas industriais que já mostram sua completa incapacidade de levar o País a uma trajetória sustentada de crescimento.

A revista Economist sugeriu a demissão do ministro Guido Mantega, argumentando que ele perdeu a confiança dos investidores e que as sucessivas intervenções do governo federal na economia deixam os empresários receosos. A presidente Dilma Rousseff reagiu imediatamente, dizendo que não se deixaria influenciar por uma revista que não é brasileira e que "a situação deles é pior que a nossa".

A situação econômica brasileira pode não ser pior que a europeia ou a americana, mas é, certamente, muito pior que a de nossos pares na América Latina ou na Ásia. Portanto, está na hora de parar de jogar a culpa pelo nosso fraco desempenho na crise internacional e reconhecer de uma vez que há algo de muito errado na formulação das políticas domésticas e nas estratégias de crescimento adotadas pelo Brasil.

Um singelo exemplo de como continuamos presos às políticas e estratégias do passado estava nas páginas da imprensa na semana passada. Uma proposta de flexibilizar as regras de fabricação de óculos de sol na Zona Franca de Manaus gerou amplo debate entre empresas, organizações empresariais e representantes do governo. Sem entrar na polêmica sobre a contribuição da Zona Franca para o desenvolvimento regional e industrial, o que mais chama a atenção nesse episódio são os argumentos usados no debate e o número de atores envolvidos para uma discussão que parece completamente ultrapassada e fora de contexto, num mundo em que o processo de produção industrial se organiza crescentemente em torno das cadeias globais de valor.

O debate girava em torno de um projeto de alteração do processo produtivo básico (PPB) para a produção de óculos de sol, "que prevê incentivo fiscal para empresas que quiserem montar óculos de sol na Zona Franca sem a exigência de fabricação das lentes e hastes em território nacional, um requisito existente há mais de três décadas". A proposta dividiu as empresas do setor. As empresas contrárias à proposta alegavam que "o novo PPB posicionaria o País como mero montador de óculos de sol". Para esse grupo, a mudança nas regras diminui a competitividade de empresas que estão investindo em produção e pode abrir as portas do País para a concentração da atividade somente na fase de montagem, o que seria negativo para o desenvolvimento de inovação e de tecnologia em território nacional.

Duas perguntas se seguem naturalmente a essa argumentação: (1) se 30 anos de incentivos, como os propiciados pela Zona Franca, com um PPB que exige a fabricação local de hastes e lente, não foram suficientes para que a indústria nacional desenvolvesse atividades de inovação e de tecnologia que permitissem competir com produtos importados, o que leva a crer que a prorrogação desse mecanismo faria com que esse passo fosse dado agora? E (2) por que mesmo precisamos produzir todas as partes e peças em território nacional à custa de benefícios fiscais com recursos do contribuinte brasileiro?

Além dos custos com a renúncia fiscal, há de se considerar os custos associados à burocracia governamental envolvida com esse tema, formulando políticas em nível de produto e suas partes e peças, fazendo consultas públicas e, depois, fiscalizando a produção para garantir que a regulação seja respeitada. É difícil imaginar que esse seja o melhor uso para os escassos recursos públicos.

A complexidade das políticas industriais brasileiras é espantosa para os fracos resultados que elas vêm gerando. Além de caras e complexas, acabam por prejudicar o resultado final esperado de políticas públicas preocupadas com os rumos da indústria brasileira. Essa ideia de que precisamos produzir localmente todas as partes, peças e etapas dos processos produtivos de todos os produtos industriais inviabiliza a competitividade de produtos acabados e, como se não bastasse, alimenta discussões kafkianas.

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