segunda-feira, outubro 29, 2012
Solidão virtuosa - MARCELO DE PAIVA ABREU
O Estado de S.Paulo - 29\10
Difícil encontrar alguém que não tenha sido surpreendido pelas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Surpresa para os que estavam seguros de sua impunidade ou da impunidade de seus amigos. E, de outro lado, para os saudosos do STF da Terceira República, que terão tido orgulho do desempenho recente da Suprema Corte. Especialmente tendo em conta que as decisões alcançadas desmentiram a ideia de que ministros indicados por governos petistas tenderiam a demonstrar leniência com os réus envolvidos no "mensalão".
Houve fenômeno simétrico do que se registra nos EUA. Lá, indicações de juízes conservadores para a Corte Suprema por presidentes republicanos têm sido marcadas, em diversos casos, pelo abrandamento das posturas conservadoras dos indicados. Aqui, o que se viu é que diversos ministros indicados pelos presidentes Lula e Dilma demonstraram notável independência quando se tratou de julgar políticos do PT. Nunca a inamovibilidade dos magistrados pareceu tão essencial à defesa da democracia.
A pergunta que se coloca é se poderíamos esperar surpresa similar da parte dos demais Poderes da República. Por mais que se deseje que a postura de independência do STF influencie diretamente o Legislativo e o Executivo e, ao tornar mais arriscado o desafio às leis, dissuada práticas corruptas, são em princípio modestas as esperanças de que o salto qualitativo do STF seja imitado. Entretanto, o julgamento poderá afetar a coesão dos atuais partidos.
Tomando como marco de referência as experiências internacionais, em particular a britânica, fica claro que o começo do fim da corrupção sistemática - quando "a política corrompia a economia" pela via parlamentar - tem que ver com desenvolvimentos políticos que resultaram em ampliação de colégios eleitorais. A partir da década de 1830, o progressivo avanço das organizações sindicais e de partidos políticos que representavam os trabalhadores resultou em pressões que redundaram na neutralização da corrupção no âmago do sistema político, no quadro de um processo de amplas reformas com grande repercussão econômica.
A tragédia do PT, e em alguma medida do Brasil, é que exatamente as forças políticas que poderiam exercer papel preponderante para debelar a corrupção sistemática se envolveram em práticas corruptas que faziam parte da tradição brasileira.
Que impacto permanente terão as condenações da Ação Penal 470 sobre os partidos políticos? Constatado o "mensalão" em 2005, ao PT colocava-se clara opção. De um lado, autocrítica, expurgo dos corruptos e proposta de regeneração, em linha com a compungida reação inicial de Lula. De outro, a escolha que infelizmente prosperou: defesa intransigente das irregularidades detectadas, agasalhando-as com pretenso manto de legitimação partidária, na crença provável de que um STF com juízes majoritariamente indicados por governos petistas permitiria que tais crimes escapassem à justiça. Opção que agora se revela desastrada do ponto de vista estratégico e alimenta posições antidemocráticas de questionamento de decisões do STF.
É em parte melancólico, em parte revoltante, que esteja agora sendo esboçada a defesa de réus condenados pelo STF caracterizando-os como eventuais presos políticos. O ex-presidente Lula, em meio ao engajamento nas campanhas municipais, embora ainda não tenha endossado a tentativa de resgate de José Dirceu da condição de preso comum, tem demonstrado muita relutância em tomar distância em relação ao "mar de lama" partidário.
Será que uma vitória petista nas eleições municipais paulistanas poderá suprir argamassa suficiente para remendar a integridade partidária comprometida pelo "mensalão" condenado? Seria requerida de setores "autênticos" monumental capitulação à Realpolitik ancorada no mais rasteiro fisiologismo: "Afinal, é assim que se faz política no Brasil". E, para piorar as coisas, os "autênticos" têm ideias sobre a economia ainda mais arrevesadas do que os cultores do realismo fisiológico. A manutenção da unidade partidária do PT a qualquer custo poderá gerar uma aglomeração partidária semelhante ao PMDB, apenas com traços sindicalistas.
A menos de dois anos das próximas eleições presidenciais, não são animadores os prognósticos quanto à eleição de presidente que tenha compromisso com o controle da corrupção sistemática, idealmente como parte de estratégia que faça sentido do ponto de vista político e econômico.
O PT, ou suas facções organizadas em partido ou não, estará imerso nas dificuldades de enfrentar as tensões associadas à necessária autocrítica e combinar posições razoáveis quanto à corrupção e a um projeto estratégico que faça sentido. Com base na história recente, não há indícios de que o PSB, nova força política a ser levada em conta, tenha particular repugnância a arranjos fisiológicos, embora, em meio a um deserto de ideias, possa até ser capaz de formular projeto estratégico coerente. O PSDB, mirrado e inapetente, parece ainda dividido sobre o que de fato pretende.
Vamos ter de esperar mais tempo para comemorar que o Executivo ou o Legislativo seguiram o bom exemplo do Supremo.
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