sábado, outubro 20, 2012

Esgotamento e inflexão - CRISTOVAM BUARQUE


O GLOBO - 20/10


Nos últimos vinte anos de governos social-democratas, o Brasil melhorou graças à continuidade de quatro pilares: a democracia, a responsabilidade fiscal, a generosidade das bolsas e uma política econômica de crescimento. Estes pilares estão se esgotando.

A democracia se esgota porque não foi capaz de fazer a reforma política; não implantou um sistema ético para o financiamento de campanhas; e não barrou a corrupção.

A responsabilidade fiscal se esgota porque a reforma do Estado não foi feita, não houve controle dos gastos, nem mudança na gestão pública.

A generosidade social começou ainda no governo militar com a aposentadoria rural. Mas foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo mandato, que adotou a concepção das bolsas, transferindo renda para quatro milhões de beneficiários. Lula ampliou este número para 12 milhões e elevou o valor do salário-mínimo em taxas superiores às da inflação. A presidente Dilma Rousseff ampliou ainda mais os beneficiários. Mas os programas de pura transferência de renda não estão sendo capazes de induzir a emancipação da população pobre.

O crescimento econômico manteve-se com o mesmo padrão básico: ampliação de produção, exportação de commodities agrícolas ou minerais e produção de bens industriais para o mercado interno, sofrendo, no entanto, uma desindustrialização em função da âncora cambial, da falta de competitividade, do Custo Brasil e da falta de capacidade para inovação. Este modelo não foi capaz de dar o salto para uma economia de alta tecnologia, com respeito ao meio ambiente, estruturalmente distributiva e pelo qual o propósito não seja apenas aumentar o PIB, mas aumentar o bem-estar da população.

Há um esgotamento nos quatro pilares da social-democracia brasileira, sendo necessária uma inflexão que permita completar com uma reforma política, criando mecanismos que tornem a corrupção impossível, eliminando a influência do poder econômico nas eleições. A responsabilidade fiscal precisa ser completada por reformas na gestão, na política fiscal e no controle dos gastos. A generosidade das transferências de renda precisa ser substituída pela emancipação da população para que nenhuma família brasileira precise de ajuda. E a economia precisa incorporar o equilíbrio ecológico, a distribuição de renda, a produção de bens distributivos e o salto para uma sociedade criadora de bens de alta tecnologia, caminhando para aumentar o bem-estar social, não apenas o PIB.

O fim das eleições municipais deveria ser o ponto de partida para o debate. Mas, aparentemente, este radicalismo não entrará nos debates. Vamos continuar discutindo como avançar na mesma direção de um modelo em esgotamento, com a mesma política de satisfazer os interesses imediatos de corporações, sem olhar o longo prazo, sem fazer a necessária inflexão histórica.

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