sexta-feira, outubro 26, 2012
Apelo à Virgem Maria - GILLES LAPOUGE
O Estado de S.Paulo - 26/10
De vez em quando um dirigente europeu anuncia que "a crise acabou". O povo deixa ele falar, não liga. A crise acabou tantas vezes nos últimos três anos que gregos, italianos e espanhóis já não têm mais confiança em Angela Merkel, François Holland, Mario Draghi ou Mario Monti. E preferem recorrer ao seu velho "truque" para sair da crise: a fraude fiscal.
Mas os gregos, habituados à fraude fiscal, sabem que, mesmo quando usada por especialistas não é suficiente para restaurar as contas do país, tampouco as contas domésticas. Assim, eles partem em busca de um outro recurso, mais nobre, mais poderoso, a Virgem Maria.
Há algumas semanas multidões se reúnem logo pela manhã diante da igreja de São Demétrio de Tessalonica, na esperança de poder orar diante da imagem da Virgem que foi pintada no século 6 e lhe explicar o que se passa no momento atual.
Em ocasiões normais a imagem está num monastério em Monte Athos, península habitada por milhares de monges vindos de diversos países ortodoxos. Mas este ano, excepcionalmente, as autoridades do Monte Athos autorizaram a saída da Virgem por causa da gravidade da crise.
Na fila que aguarda a abertura das portas da Igreja as mulheres são predominantes. Por quê? De um lado porque elas têm a tarefa de nutrir suas famílias e, neste momento, precisam muito que os poderes supremos lhes deem uma ajuda para conseguir alimentar maridos e filhos.
Mas há uma outra razão: o Monte Athos sempre foi proibido para as mulheres. Ali não existe um monastério feminino e uma mulher em visita ao local será imediatamente expulsa. Uma regra draconiana. Prova disso: mesmo no caso dos animais, as fêmeas são proibidas. Às vezes, podemos ver galos pelos gramados, mas jamais uma galinha. Coelha também não. Só coelhos.
As autoridades do Monte Athos consideraram desumano impedir as mulheres de orar nestes tempos difíceis. Tanto mais que a Virgem Maria é do sexo feminino. Por isso, a imagem está agora na igreja de São Demétrio.
O gesto foi ainda mais apreciado porque a Igreja Ortodoxa da Grécia é com frequência objeto de críticas. Com efeito, apesar de ser muito rica, possuir bens consideráveis, receitas confortáveis, ela sempre foi isenta do pagamento de impostos, o que, se já é estranho em tempos normais, é insólito na situação presente. A Igreja Ortodoxa divide esse privilégio com os armadores gregos, ainda mais ricos do que ela e que também não pagam imposto.
A Igreja responde aos seus críticos que, como não paga impostos, ela se dedica a uma série de obras de assistência e contribui para a riqueza grega.
Aliás, a comunidade monástica do Monte Athos não se contenta apenas de levar a Virgem para a planície para as mulheres poderem lhe dizer "o que têm no coração". Ela também financia sopas populares, reúne médicos voluntários, cuida gratuitamente dos mais vulneráveis e pede a professores, também voluntários, para dar aulas de reinserção para desempregados. E parece que esses cursos têm bastante sucesso. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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