segunda-feira, julho 23, 2012
Bronca de Dilma é com estilo Itamaraty - SERGIO LEO
Valor Econômico - 23/07
A distância abissal entre os estilos da presidente Dilma Rousseff e de seu ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, pode confundir quem tenta interpretar os rumos da política externa brasileira. A questão relevante é outra, e mais profunda: Dilma detesta não o seu chanceler, mas a maneira tradicional de fazer diplomacia. E considera que o Itamaraty teve "excessiva autonomia" nos governos que a antecederam. Esse é um grande desafio dos diplomatas brasileiros, aos braços com um mundo já bem desafiador.
A relativa antipatia de Dilma com o Itamaraty vem dos tempos de sua gestão na Casa Civil de Lula, quando a diplomacia reivindicava poder sobre assuntos do Programa de Aceleração do crescimento (PAC), que envolviam obras de infraestrutura para além das fronteiras. Não ajudou muito o fato de que o então ministro de Relações Exteriores Celso Amorim mandava para reuniões com a então ministra representantes de escalões inferiores, e, em alguns temas, contornava a Casa Civil para levar assuntos diretamente ao presidente da República.
Dilma é centralizadora, quer resultados mais rápidos, e não se contenta com argumentos sobre legalidade internacional, por acreditar que a "realpolitik" dos grandes países abriga transgressões jurídicas justificadas a posteriori. O ataque das forças da Otan à Líbia, por exemplo, não teve amparo na resolução que determinou o bloqueio aéreo ao país de Muamar Gadafi, e hoje serve de argumento à Rússia e China para negarem resoluções da ONU contra o sírio Anwar Al Assad. Mas a derrubada do ditador líbio e as recentes eleições democráticas são consideradas resultados suficientes para legitimar a ação.
O ministro Patriota não deve perder o posto tão cedo
Até quando ainda disputava a eleição à Presidência, Dilma mostrou sua pouca inclinação a considerações diplomáticas. Ao lhe perguntarem o que pensava da ameaça de morte por apedrejamento, feita pela Justiça do Irã, a Sakineh Ashtiani, mulher acusada de adultério e assassinato do marido, Dilma condenou a medida e avisou que seu governo interviria em favor da iraniana.
Não consultou diplomatas para isso, e obrigou o Itamaraty a rever sua atuação nas Nações Unidas, onde rejeitava singularizar países, sob o argumento de que há um uso politizado do tema de direitos humanos na ONU, com as atenções voltadas contra uns governos e abafadas em relação a outros.
Muitos entenderam a ação de Dilma como uma guinada na política externa, que não houve. Era misto de convicção pessoal e pragmatismo eleitoral. Após uma adaptação para encaixar o caso Sakineh, a diplomacia seguiu como antes no tema dos direitos humanos, que, aliás, não parece ser o centro da atenções da presidente.
Dilma elegeu como principal foco de sua atuação externa a questão econômica. Entusiasma-se mais com os Brics, grupo formado por Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul, que com o Mercosul. Lê assiduamente o econômico "Financial Times", não o esquerdista "Le Monde Diplomatique", ou a diplomática "Foreign Affairs".
O Planalto tende a seguir abafando, em casos pontuais, considerações do Itamaraty, mas Patriota não terá o emprego ameaçado tão cedo. Não é de seu feitio dizer "não" à presidente - e é acompanhado nisso por quase todo o ministério. Seu estilo indica que se esforçará para reduzir atritos e se antecipar às preocupações da chefe (já sabedor da irritação dela com excessos da agenda diplomática, na Rio+20, em junho, só levou 10, de 54, demandas por encontros de chefes de Estado para avaliação de Dilma, que as acatou).
Dilma também sentiu, nos últimos dias, que os rumores frequentes sobre falta de sintonia com Patriota magoaram o Itamaraty. Mas agiu a seu modo, pragmaticamente. Patriota tinha uma viagem programada à África, com o vice-presidente Michel Temer, Dilma mandou que cancelasse, e o convocou a uma reunião de trabalho, que encantou o ministro pelo tom amigável. Trataram de Venezuela. Ela elogiou a ação recente do Itamaraty em relação à Síria, e acertaram detalhes da viagem dela a Londres, amanhã. Juntos, descartaram um encontro protocolar com o príncipe Charles, e decidiram que ela se encontrará com a oposição.
Questão pendente é a irritação da presidente com certas filigranas da vida diplomática, na qual os tempos são maiores que o de um mandato no Planalto. O pragmatismo traz um problema: o casuísmo hoje usado contra um país pode se voltar contra nós amanhã e restringir o espaço para a diplomacia eficaz. Que o digam os EUA, hoje ameaçados pelo Brasil, com apoio da OMC, de usar a "retaliação cruzada", com a suspensão de direitos de propriedade intelectual americanos em represália pelos subsídios ilegais americanos ao algodão. Quem inventou essa retaliação cruzada foram os americanos, para punir, com barreiras comerciais, eventuais ataques a seus direitos... de propriedade intelectual.
A diplomacia seguirá com o dever de dizer a Dilma que pega mal anunciar o rompimento de um acordo automotivo com o México, após dez anos de superávits em favor do Brasil, porque o comércio começou subitamente a registrar déficit. Ou de avisar que o direito internacional não permitiria realizar o desejo de apressar agora a entrada da Venezuela no Mercosul - mesmo com os objetivo nobres de explorar oportunidades econômicas de um mercado vorazmente importador, e trazer o país de Hugo Chávez para mais perto do modelo democrático defendido no Brasil.
O Brasil queria firmar um acordo de livre comércio com o México, e enfrentava resistência do setor privado mexicano. A revisão forçada do acordo automotivo, sob ameaça de revogá-lo, dá hoje bons argumentos contra os que nem querem saber de abrir alfândegas mexicanas ao Brasil.
No caso venezuelano, os documentos do Mercosul não permitiriam a entrada da Venezuela sem o voto do Paraguai, e as contorções jurídicas para superar esse obstáculo não ajudam a melhorar a abalada imagem do bloco sul-americano.
Dilma não vai mudar; nem pretende trocar de ministro. A diplomacia, como diria a própria presidente, que se vire.
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