sábado, junho 09, 2012

A coceirinha de Lula - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 09/06

Nos anos 1980, uma campanha de tônico capilar dizia que “o primeiro aviso é uma coceirinha”, referindo-se aos sintomas prévios de uma calvície. Em política, algumas cenas podem representar os primórdios de uma “calvície eleitoral”. A da última quinta-feira, no aeroporto de Recife, representa a primeira coceirinha eleitoral de Lula dentro de seu próprio partido. Nunca o país ouviu da boca de um petista, em local público, palavras de ordem do tipo, “ô Lula, decepção, no Recife você não manda não”. Os pernambucanos ligados ao prefeito da cidade, João da Costa, abriram essa porta.

As brigas internas do PT são conhecidas, contadas e cantadas em todo o território nacional. Desconheço um partido que não as tenha. Uns dirão até que a manifestação dos apoiadores de João da Costa, no aeroporto, foi coisa de claque, de menor importância. Mas, é preciso levar em conta que dentro do intrincado universo de tendências e disputas petistas, sempre que Lula falava, todos se calavam. Uns faziam aquela cara de “magoei”, “não gostei”, mas ninguém se revoltava contra aquele que dedicou a sua vida a construir o partido. Nunca houve uma palavra de ordem tirando a autoridade de Lula.

Alguns podem dizer que a revolta contra Lula por parte dos petistas pernambucanos é coisa do momento, fadada a desaparecer de modo tão rápido quanto uma estrela cadente. Mas não se pode esquecer que Pernambuco é um estado altamente politizado e conhecido por movimentos mais audaciosos quando sente que os poderosos passaram dos limites. Há vários exemplos ao longo da história, a Insurreição Pernambucana, de 1645; a Guerra dos Mascates, de 1710; a Conspiração dos Suassunas (1801); a Revolução Pernambucana, de 1817; a Revolução Praieira, de 1845. Isso para mencionar apenas algumas. Os pernambucanos detestam que alguém chegue por lá com intervenções. E, embora Lula seja pernambucano, a interferência soa coisa de forasteiro.

Por falar em intervenções…

OK, leitor, você pode estar certo ao pensar que o movimento do aeroporto é pequeno se comparado aos feitos históricos dos pernambucanos. Mas, há de convir que existem sementes revolucionárias. Essa, da turma de João da Costa, é uma sementinha que merece atenção. O PT de uns tempos para cá começa a deixar de lado suas tradições e adotar autoritárias intervenções. A primeira grande intervenção foi em 1998, quando, por ordem de Lula, o então presidente do PT, José Dirceu, decretou o fim da campanha de Vladimir Palmeira ao governo do Rio para fazer de Benedita da Silva candidata a vice numa chapa com Anthony Garotinho, à época candidato do PDT. O PT do Rio nunca mais voltou a ser o mesmo. Agora, virá nova intervenção no sentido de levar o partido a apoiar a reeleição de Eduardo Paes, do PMDB.

Em São Paulo, o fato de Lula tirar todos de cena para fazer de Fernando Haddad candidato a prefeito até hoje não foi bem digerido pelo partido, ao ponto de os petistas precisarem redigir um documento para exigir unidade na campanha. Ora, partido que se preze não precisa pedir que seus filiados apoiem um candidato natural. Mas, quando é criado em laboratório, aí sim, vem a obrigatoriedade da convocação.

Por falar em criação…

Em política, raramente o que é artificial funciona. No caso do PT, Dilma Rousseff só foi bem sucedida porque Lula passou dois anos martelando na cabeça do eleitor que ela era a tal. E, justiça seja feita, ela foi aplicada e acabou conquistando simpatias. Hoje, tem uma avaliação melhor do que a do próprio Lula quando presidente. O sucesso da então candidata Dilma levou Lula a achar que pode impor tudo aos petistas. A maioria dos paulistanos capitulou e, ainda que a contragosto, aceitou a candidatura de Fernando Haddad a prefeito. Os pernambucanos se insurgiram. Não por acaso, Eduardo Campos, o governador de Pernambuco, exonerou três secretários filiados ao PSB para fazer de um deles candidato em Recife. Diante do levante petista de 2012, Campos trabalha um antídoto para não terminar como Lula, aclamado no aeroporto da cidade como uma decepção por integrantes do próprio partido. Para um político, não existe coceirinha mais incômoda.

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