terça-feira, maio 15, 2012

Síndrome de abstinência - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 15/05



São evidentes, a esta altura, as resistências ao esforço de redução das taxas de juros na economia brasileira. Nisso, os argumentos usados para desclassificar a ação do governo, nele incluído o Banco Central, apresentam analogias com as razões levantadas, em tempos passados, para desqualificar os esforços de controle da inflação e estabilização da moeda, mesmo no caso do bem-sucedido Plano Real.

Há muitos paralelos entre uma situação e outra. A começar do fato de que, apesar do lero-lero de que todos perdem com juros altos e inflação alta, tanto o controle da inflação quanto a queda dos juros produzem ganhadores e perdedores. Se não fosse assim, não faria sentido temer, como muitos temem, que os bancos, ao reduzir taxas, percam rentabilidade e até tenham prejuízos. Uma lógica de botequim seria suficiente para indicar que, se todos ganhassem com a queda dos juros e da inflação, não haveria nem inflação nem juros altos.

Esse medo, exposto aqui e ali como motivo para apostar na ineficácia do atual ataque aos juros altos, permite levantar a suspeita de que não há um entendimento pacífico de como operam as empresas em geral. E muito menos de como elas adaptam suas estratégias às características de seus respectivos mercados, em ambientes mutantes.

Em qualquer mercado, incluindo o setor bancário, é possível obter rentabilidade com preços altos ou baixos. A margem será determinada pelo tamanho da demanda, a estrutura dos custos de produção, o grau de essencialidade ou do valor intangível da mercadoria/serviço, conveniência do atendimento etc. etc.

Dizer que, com juros mais baixos, haverá uma fatal redução de rentabilidade e um aumento da inadimplência é, no mínimo, esquecer os conceitos de ganhos de escala e de diluição de custos unitários. Pode ser que sim, pode ser que não. Depende de uma série de fatores e de como o negócio é administrado.

Em relação à inadimplência, dependendo das medidas de prudência na concessão de empréstimos, ainda que em conjuntura de volumes ampliados de crédito, o que se conhece é que a tendência, com juros menores, é de redução de riscos. Se isso ocorrer, as provisões também podem diminuir e, se elas se reduzem, abrem espaço para ampliar lucros.

Outro paralelo entre os esforços atuais para reduzir juros excessivamente altos e aplicados na luta contra a inflação excessivamente alta é que, tanto num como no outro, o conhecimento sobre as causas dos fenômenos foi se acumulando, ao longo do tempo, com base num intenso debate teórico e em ações práticas de limpeza do terreno.

Foram anos e anos, no caso da inflação, de tentativas frustradas. Mas, a experiência acumulada e as discussões em torno do "mistério da inflação alta" levaram, finalmente, ao brilhante diagnóstico de que a chave do problema se localizava na "inércia inflacionária", reflexo de um longo período de gradual generalização da indexação na economia. Nem por isso, a Unidade Real de Valor (URV), artifício que carregava o gene da nova moeda desindexada, mas empurrava a inflação para cima, foi bem compreendida e ficou imune a críticas e previsões do fracasso da experiência.

Muita saliva, tinta e papel, analogamente, tem sido gasto na busca da solução do "mistério dos juros altos". Parte das causas já apontadas, como alguns resquícios do período de hiperinflação, que conectam a política monetária à administração da dívida pública, estão sendo removidos. Também se aprendeu que a própria estrutura do mercado bancário - um oligopólio que se poderia entender como "natural" na prática -, estimula a cobrança de juros acima dos "normais". O diagnóstico é o de que, não sendo o caso de enfrentar a natureza, é o caso de controlar seus efeitos - como se faz com os diques de contenção das marés.

Deve-se reconhecer que há elementos ainda a enfrentar, antes que sejam asseguradas as condições para que os juros caiam e permaneçam baixos. Mas, com a crise global, que lançou as economias num ciclo deflacionário, surgiu uma janela de oportunidade para cortar a taxa básica e abrir espaços a um recuo geral dos juros.

Ainda não foram removidos, quase duas décadas depois, todos os entulhos inflacionários que impregnaram a economia a partir de fins dos anos 50 até o Plano Real. Nem por isso a inflação voltou ao que era. Insistindo nas analogias, o mesmo se poderia dizer das ações para levar os juros a níveis civilizados.

Vencer o vício dos juros altos, assim como tem sido superar o da inflação alta, exige diagnósticos inovadores e, obviamente, corretos. Mas, além de medidas técnicas, exige também operar no plano dos comportamentos arraigados. E enfrentar, de novo, como no caso da hiperinflação, a síndrome de abstinência que uma quebra da longa dependência dos juros altos parece já estar provocando.

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