domingo, maio 20, 2012

Rabino sem nó - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 20/05


A cerimônia acabou há quase meia hora, mas o rabino Michel Schlesinger, 35, continua na "khupá", o altar do casamento judaico. "Vou lá resgatar ele, senão...", diz sua mulher, Juliana, 33.

O pai da noiva ainda chama Michel de lado e pede uma bênção. Juliana decide ir reservando dois lugares em uma mesa no salão de festas, em Pinheiros, em SP. É Michel se sentar que senhoras se aproximam para um papo e amigos dos noivos chegam para cumprimentá-lo.

Juliana costuma acompanhar o marido em pelo menos um evento social por semana, para conseguirem ficar juntos. É puxada a rotina do rabino que sucedeu Henry Sobel na CIP (Congregação Israelita Paulista), em 2007, após o episódio em que ele foi preso furtando gravatas nos Estados Unidos.

"Sei muito bem que o judaísmo não passa só pela sinagoga", diz à repórter Thais Bilenky. E é para atrair mais gente às atividades da comunidade que ele tem encontros semanais com adolescentes e jovens e dá aulas para adultos e idosos toda quarta-feira.

Quando assumiu o rabinato, a CIP tinha em torno de 1.200 famílias associadas. Hoje, diz, são 1.470. O rabino Ruben Sternschein passou a dividir funções com Michel. "Os dois são cordatos, sem esse ego, vamos dizer, do outro. A CIP hoje tá mais integrada à comunidade judaica de SP", diz Dora Brenner, 64, presidente da congregação.

No início, Michel deu duro. Acumulou agendas, celebrou três casamentos em uma noite. Sobel "gostava de dizer que eu era seu pupilo, que trabalharíamos muito juntos. A gente constrói um programa e de repente tem que rever tudo. Foi difícil emocionalmente [quando Sobel saiu da CIP)". Michel chegou a procurar um psicanalista.

Hoje, a rotina está mais organizada. A empregada de Michel e Juliana dorme no serviço duas vezes por semana e cuida da filha deles, Tamar, 2. Numa das noites, eles vão ao cinema. Na outra, ela o acompanha em eventos como o "shiur", o encontro mensal de jovens de 25 a 35 anos na casa de um deles para debater temas judaicos.

As reuniões já evitaram que associados deixassem a CIP, trouxeram novos sócios e intensificaram a frequência dos antigos, diz Michel. A coluna acompanhou o encontro antes de Pessach, a Páscoa judaica, em abril. Com latas de cerveja na mão, os jovens chegam com dúvidas. "Por que pode beber vinho e não cerveja [nessa época do ano]?" Michel explica que o cereal da bebida é considerado impróprio no feriado.

Os noivos que Michel casara semanas antes chegam. "Já tô vendo fotos [da lua de mel na África] no Face [Facebook]", diz. Ele dispensa o tratamento de "senhor". E é conectado. Usa o Twitter para se comunicar, por exemplo, com dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo.

Duas vezes por ano, viaja com os movimentos juvenis. No ano passado, rompeu o ligamento do joelho pulando numa cama elástica. "Tem momentos mais sérios. Mas mesmo a reza é mais descontraída. Brinco, jogo basquete. Tem atividade de sujar de lama, entro com eles."

"Cada rabino tem um tipo de fã-clube, tá?", explica a presidente Dora Brenner. O de Michel seria, em sua maioria, de jovens. "Um rabino plugado faz diferença."

De família tradicional, mas não religiosa, ele viu seu interesse pelo judaísmo crescer aos 13 anos, quando fez bar-mitzvá, cerimônia que marca a passagem para a vida adulta. Passou a ser assistente de seu professor de religião aos 15. Com 17, "surgiram gêmeos que queriam ser meus alunos". Em três anos, dava aula para 60 meninos.

Celebrou as Grandes Festas (Rosh Hashaná e Iom Kipur, em setembro) aos 17, sozinho. "O Marcos [Arbaitman, então presidente do clube A Hebraica] me perguntou: 'Sabe fazer as Grandes Festas?'. Falei: 'Sei'. Não sabia." Naquele ano, prestou vestibular e passou em direito na USP.

No ano seguinte, foi apresentado a Juliana. Demorou para engatar o namoro. "Gostávamos de filmes diferentes", lembra-se ela, que colocou um piercing no nariz na época e não tirou mais.

Na faculdade, ele chegou a estagiar em um juizado de pequenas causas de direito do consumidor. "Eu era conciliador." Conversava com as partes para tentar acordos antes do julgamento.

No terceiro ano, percebeu que queria ser rabino. Sua mãe pediu que se formasse antes. Obedeceu. Assim que terminou o curso, foi para Jerusalém e lá ficou por quatro anos. Juliana foi junto. Ele se formou rabino e ela fez mestrado em antropologia. Casaram-se na volta.

Na função de rabino, continua um conciliador "o tempo todo." Recentemente, reuniu um corretor e o dono de uma construtora, ambos judeus. O corretor queria a comissão de um terreno que mostrou à construtora, mas que ela acabou negociando com outro profissional.

"A figura do rabino, mesmo um bem jovem como eu, permite que dois lados dialoguem de uma forma que não fariam sozinhos ou com seus advogados. Faço isso com casais que brigam por pensão alimentícia ou guarda de filhos. Acontece bastante."

Michel e Juliana estão passando três meses em Nova York -voltam de lá ainda neste semestre. Michel estuda judaísmo e acompanha um rabino em sua comunidade. Juliana, pós-doutoranda, faz visita acadêmica na Universidade Columbia. Ele criou o Blog do Rabino Michel para relatar suas experiências nos EUA. E, se pensava que, longe, teria uma vida mais reclusa, enganou-se. "Minha casa daqui está tão movimentada quanto em São Paulo. Uma coisa pitoresca."

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