sábado, maio 05, 2012

Passaporte para o doping - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 05/05/12


SÃO PAULO - O corredor português Hélder Ornelas foi o primeiro representante do atletismo a ser suspenso por doping com base em seu passaporte biológico, o registro eletrônico dos parâmetros biológicos de cada atleta profissional.

Cansadas da corrida armamentista contra sucessivas gerações de substâncias cada vez mais difíceis de detectar, as autoridades esportivas decidiram apelar ao conceito de passaporte biológico. Por ele, o atleta não precisa mais ser pego num teste de drogas. Basta que seja flagrado com um perfil hematológico ou metabólico diferente de seus parâmetros habituais, e já poderá ser condenado.

A noção enseja interessantes discussões jurídicas e estatísticas, mas pretendo abordar uma questão mais básica, que é a da própria legitimidade das ações antidoping.

Em princípio, a ideia de impedir que alguns atletas obtenham vantagem indevida recorrendo a drogas é inatacável. Mas, quando a examinamos mais de perto, vemos que o conceito é precário. Tomemos o caso da eritropoietina, que aumenta a concentração de glóbulos vermelhos no sangue. Ela está proibida, mas é possível obter o mesmo efeito mudando-se para cidades em grandes altitudes, como La Paz. Uma interpretação draconiana da vantagem indevida recomendaria impedir bolivianos e tibetanos de participar de competições -o oposto do ideal olímpico de integração dos povos.

E as autoridades esportivas não se limitam a tentar evitar que alguém obtenha auxílio químico.
Arrogando-se o papel de regulador moral que ninguém lhes atribuiu, elas também vedam o uso de drogas "potencialmente danosas" à saúde do competidor, mas que não têm nenhuma chance de melhorar-lhe o desempenho. É o caso da maconha e de narcóticos em geral. Ora, se um sujeito sob efeito de heroína vence uma maratona, deveria ganhar duas e não uma medalha, pois ele é insofismavelmente muito melhor que os demais.

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