sábado, maio 05, 2012
O cafofo infalível - LEONARDO CAVALCANTI
Correio Braziliense - 05/05/12
Entre os teóricos da violência urbana há uma máxima desgastada e conhecida como a “Teoria das janelas quebradas”. De tão usada no meio acadêmico, virou referência para quase tudo — e passou a ser lembrada para várias situações do cotidiano. Os defensores a aplicam nos discursos para mostrar a necessidade de reparar um dano no início, para que ele não se propague em escalas cada vez maiores.
Na teoria, é mais ou menos o seguinte: quando vândalos quebram uma janela de um edifício ou de um carro, o recomendável é consertá-la o mais rápido possível. Caso contrário, outras janelas serão quebradas e, mais cedo ou mais tarde, se perderá o controle. Os vândalos ganharão espaço.
A teoria, citada pela primeira vez por James Wilson e George Kelling, tem vários críticos na academia, principalmente porque a máxima nunca foi posta à prova para resolver problemas de violência urbana em maiores proporções. Mistura num mesmo pacote desordem e violência. Mas a tese sempre funciona ao ser sacada no meio de uma discussão. Mesmo que seja pela controvérsia da teoria.
A tese das janelas quebradas me veio à cabeça com a decisão da cúpula dos integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito do Cachoeira em guardar num cofre os documentos das operações da Polícia Federal contra o grupo do bicheiro. Parte das informações foi vazada por todas as janelas.
O presidente da comissão, senador Vital do Rêgo, decidiu criar uma “caverna” monitorada para guardar as investigações produzidas até aqui, vazadas ou não. Como bem observou o repórter João Valadares, do Correio, decidiram passar a chave depois que a porta já estava escancarada.
Espertos
Localizada no subsolo da sala reservada à CPI, a “caverna” é repleta de câmeras, e não tem internet. Além disso, é vigiada dia e noite por 12 policiais. Ali, só pessoas autorizadas, como os nobres parlamentares, podem entrar. Mas, para isso, precisam deixar os equipamentos eletrônicos, como celulares, de fora da caverna. A estratégia dos guardiões do cafofo infalível é evitar que um espertinho fotografe os documentos que servirão ao trabalho parlamentar. Todo cuidado é pouco.
O diligente Vital do Rêgo ainda pensou em mandar instalar um detector de metais na porta da caverna ou cafofo, como a sala também passou a ser chamada. Foi demovido da ideia ao ser lembrado por alguma alma mais atenta que os nossos políticos são desobrigados a se submeter a revistas.
Culpados
O que não explicaram direito é a razão de tanta proteção se parte dos documentos já vazou e continuará vazando, mesmo que os parlamentares consigam manter o segredo na caverna. E não há mal nenhum em tal coisa. Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), por exemplo, não se tornou mais ou menos culpado porque se descobriu a proximidade dele com Carlinhos Cachoeira antes do fim da CPI.
As reportagens sobre as investigações contra Demóstenes foram importantes para desmistificar um político de discurso moralista, por mais triste que isso possa ser para os eleitores e agora ex-admiradores dele. Sem as publicações, a própria CPI possivelmente não teria nem sido criada, pelo menos agora.
E, de mais a mais, o que está em jogo até aqui é o fôlego dos integrantes da comissão em conseguir avançar nas investigações, apontando os envolvidos em corrupção, sem protegidos. Em relação aos vazamentos, as janelas já foram quebradas. E não por vândalos, mas por jornalistas que apenas fazem o seu trabalho. Mais uma vez a teoria não pode ou, muito menos, deve ser aplicada. Melhor assim.
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