domingo, maio 06, 2012

A bola de cristal do Morgan Stanley - ELIO GASPARI

O GLOBO - 06/05/12


O último número da prestigiosa revista Foreign Affairs publica um artigo de Ruchir Sharma, chefe da seção de Mercados Emergentes do banco Morgan Stanley, intitulado "Bearish on Brasil". Numa tradução livre e benevolente, poderia ser "Acautelem-se com o Brasil". O termo "bearish" vem do dialeto das Bolsas, tomando emprestado o gesto dos ursos (bears), que jogam para baixo tudo o que pegam.

Sharma sustenta que a festa brasileira pode estar no fim porque depende da fartura de dinheiro e da demanda internacional por produtos primários: "Esse apetite global está começando a cair. Se o Brasil não tomar medidas para diversificar e expandir seu crescimento, brevemente cairá junto". Ele mostra que o crescimento da economia brasileira é medíocre, a indústria vai mal, e os preços do andar de cima estão enlouquecidos.

O artigo é instigante quando sustenta que o Brasil é uma espécie de não China. Aqui se busca a estabilidade econômica; lá, o crescimento; cá, o real está sobrevalorizado; lá o yuan é barato. Pindorama tem juros altos e sua taxa de investimento está em 19% do PIB, enquanto o Império do Meio, com juros baixos, investe perto de 50%:

Segundo Sharma, o Brasil só evitará a próxima crise se abrir a economia, reformar a Previdência, mudar seu sistema tributário e, sobretudo, se redimensionar suas políticas sociais.

Foreign Affairs é um púlpito nobre. Foi lá que o diplomata George Kennan publicou em 1947, sob o pseudônimo de Mr. X, o artigo "As bases da conduta soviética", ensinando que o comunismo deveria ser contido politicamente.

A credencial de Sharma é sua posição no Morgan Stanley. Essas casas bancárias existem para ganhar dinheiro e suas competências são medidas pelos balanços, não pela qualidade de suas previsões públicas. Em abril de 2002, durante a campanha presidencial, o banco rebaixou o valor dos papéis brasileiros e, em poucos dias, eles caíram de 79,21% do valor de face para 74,21%. Em maio, anunciou que os mesmos papéis valiam entre 79% e 81%. Quem comprou na baixa ganhou um dinheirinho rápido.

Ao pé do artigo de Sharma, a "Foreign Affairs" informa que o texto é uma adaptação de um capítulo de seu livro "Breakout Nations" ("Nações em Ascensão - Em Busca dos Próximos Milagres Econômicos"), cujo e-book está a US$ 12,99. Pela sua conta, o Brasil fica de fora. Os problemas que ele apontou são reais, mas o coração de sua tese está lá: "Enquanto a China começa a estudar a criação de um Estado de bem-estar social, o Brasil construiu um pelo qual não pode pagar." Nesse ponto, a opinião do autor deve ser medida pela sua experiência.

Sharma informa que há 15 anos passa uma semana de cada mês viajando por países emergentes, visitando o interior, rodando nas estradas. De suas viagens pelo Brasil, expôs um conhecimento estatístico sólido, mas, quando chegou à vida real, se sobrevalorizou. Em alguns casos, com vinhetas folclóricas, pois pagar R$ 43 por um coquetel de champanha com suco de pêssego para "uma garota de Ipanema" é coisa de otário. Há endinheirados que se locomovem de helicóptero em São Paulo, e o tráfego desses engenhos surpreendeu David Rockefeller, mas dizer que "os CEOs das grandes empresas brasileiras desenvolveram um sistema de transporte alternativo", é forte. Em outros casos, exagera: um apartamento no Leblon pode estar a preços absurdos, porém não custa mais que outro com vista para o Central Park de Nova Iorque. Um banqueiro não pode dizer que, depois do cruzeiro, o Brasil teve uma moeda chamada "cruzero". Até aí, diga-se que se está procurando pelo em ovo. Contudo, ele informa o seguinte:

"O maior responsável pelo controle da hiperinflação foi Fernando Collor de Mello, que em 1994 acabou com a criação de novas moedas criando o real, atrelado ao dólar".

Collor saiu do governo em 1992. Fernando Henrique Cardoso, como ministro da Fazenda, criou o real em 1994, e ele não foi "atrelado ao dólar".

A Foreign Affairs já teve melhores editores.

Um bom exemplo que vem da China

A China resolveu criar um banco de dados público, arrolando todas as empresas investigadas por corrupção. No ano passado, segundo o governo, foram fiscalizados 25 mil casos de propinas. Lá, o jovem filho de Bo Xilai joga polo, mas papai foi frito, e mamãe está presa.

Um conhecedor das relações do Estado brasileiro com fornecedores de serviços e contratos sugeriu a criação de um painel com cinco lâmpadas. A saber:

1) Uma luz acende-se quando o serviço foi contratado sem licitação.

2) A segunda lâmpada indicará quando, tendo havido licitação, o preço oferecido ficou abaixo do mínimo.

3) A terceira informa quantos aditivos o contrato recebeu e sua percentagem em relação ao valor inicial.

4) A quarta pisca indicando os atrasos na conclusão das obras ou nos fornecimentos.

5) A quinta indicará a percentagem de obras ou serviços abandonados.

Com três lâmpadas acesas, pode-se chamar o Ministério Público. Com quatro, a Polícia Federal. Se acenderem as cinco, só resta chamar os bombeiros.

Bibliografia

Pelo andar da carruagem dos grampos de Carlinhos Cachoeira, faria bem aos ministros das altas cortes de Brasília passarem os olhos pelo que aconteceu com o juiz Abe Fortas, da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Em 1968, o presidente Lyndon Johnson anunciou sua decisão de nomear o amigo Abe, que estava na Corte, para presidi-la. (Lá a função é vitalícia.)

Descobriu-se que Fortas recebera US$ 20 mil de um milionário delinquente por serviços jamais especificados. Ele foi obrigado a renunciar, e, mais tarde, apareceu um grampo mostrando que Fortas batalhara pelo patrono na Casa Branca.

Reação certa

Um turista acidental do Palácio do Planalto ouviu um destampatório da doutora Dilma numa conversa com um de seus ministros.

Ficou horrorizado. Quando chegou a casa, foi estudar o caso e concluiu:

1) O moço queria dar uma lição de governo à doutora.

2) Tecnicamente, ela tinha razão e conhecia o assunto melhor que ele.

Classificados

Para quem tem negócios com o governo e planeja comprar sapatos com saltos stiletto de Christian Louboutin ou garrafas de vinho Cheval Blanc da safra de 1947, uma sugestão de segurança patrimonial:

Chegou ao mercado o celular Enigma E2, que se diz 100% à prova de escuta. Sai por R$ 4 mil, e sua criptografia funciona quando ele fala com outro da mesma marca.

Paulo Cesar Faria, o grão-vizir do collorato, achava que podia apagar o disco de seu computador com um simples comando. Carlinhos Cachoeira acreditou na proteção dos celulares Nextel, habilitados nos Estados Unidos. Deram-se mal.

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