terça-feira, abril 10, 2012
Liderar e influir - RUBENS BARBOSA
O GLOBO - 10/04/12
Vinte anos atrás, o Brasil lutava para sobreviver às fortes crises internacionais e à grande instabilidade econômica interna. Ainda está na memória coletiva o impacto das crises mexicana, asiática, russa e argentina, dos desmandos do estado empresário, da crise fiscal, e dos efeitos nefastos da inflação para o trabalhador.
Respaldada pelo fortalecimento e crescimento da economia brasileira e pela estabilidade política e institucional, a percepção externa sobre o Brasil mudou gradualmente, ao mesmo tempo em que, no cenário internacional, aumentou a visibilidade e a atuação brasileira, agora como a 6 economia global.
O cenário internacional experimentou mudanças de natureza tectônica, aceleradas pela crise financeira e econômica que abalaram os fundamentos da globalização e do mercado. O novo cenário eliminou o unilateralismo bushiano e trouxe a multipolaridade dos centros de poder econômico e político, tendo como elemento principal o surgimento dos países emergentes como, em especial, a China, a Rússia, a Índia e o Brasil.
Dentro desse novo quadro, esboçado de forma sumária, quais os grandes desafios que o Brasil passou a enfrentar?
Quando combinados os dois aspectos mencionados (as transformações globais e a projeção externa), surgem pelo menos dois desafios para os formuladores de políticas econômica e externa: como ajustar a política econômica interna a essas mudanças e como adaptar a política externa ao novo papel que o Brasil passou a desempenhar no concerto das nações.
De maneira bastante simplificada, os desafios da economia interna são a manutenção e a ampliação das taxas de crescimento, a manutenção do controle da inflação, a perda da competitividade, a desindustrialização e os problemas que cercam o comércio exterior. O Brasil crescentemente integrado na economia global está vulnerável à crise econômica europeia e à desaceleração da economia dos EUA, pela redução das exportações, dos fluxos e das linhas de crédito à exportação, pela avalanche de produtos chineses.
Na política externa, ajustes começam a ser feitos, mas deverão ser incrementados em função do novo papel desempenhado pelo Brasil. Temos de enfrentar o desafio de ter de assumir a liderança em nossa região e repensar o processo de integração e o Mercosul. Ademais, o Brasil terá de aceitar novas responsabilidades perante a comunidade internacional nos temas globais e nas áreas de conflito, onde manifestamos interesse em ter um papel mais preeminente, como na África e no Oriente Médio. Temos de enfrentar a contradição entre interesses e valores que também confronta países que já ocupam posição de visibilidade e influência no contexto das nações. Sem perder de vista nossos interesses políticos, econômicos ou comerciais, não podemos deixar de defender valores que respeitamos internamente como democracia e direitos humanos.
Para exercer efetiva liderança e passar a influir de forma concreta, o Brasil tem de ser propositivo, como ocorreu corretamente em dois exemplos recentes: a proposta de discutir-se não só a responsabilidade de intervir, mas também a responsabilidade ao intervir, tendo em mente o desastre ocorrido na Líbia, e a proposta feita ao secretário-geral das Nações Unidas para se examinar a legalidade, perante as normas internacionais, do direito de intervir preventivamente em terceiros estados, como ocorre agora nas ameaças ao Irã. O Brasil já está sendo propositivo em relação à África, mas poderia ser mais explícito em relação aos EUA e ao Brics, novo e importante instrumento da política externa brasileira para projetar nossos interesses além dos limites territoriais sul-americanos. Os resultados da visita presidencial a Washington e do encontro do Brics na Índia são exemplos recentes dessa atitude.
Em conclusão, o Brasil enfrenta hoje um grande desafio geopolítico e geoeconômico. Temos de sair de uma posição defensiva nas políticas econômica e externa e decidir que país queremos ser. A ausência de debate sobre essas questões mostra uma falta de visão estratégica de médio e longo prazo do governo, dos trabalhadores e do setor empresarial.
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