segunda-feira, janeiro 02, 2012

Voto de silêncio - RICARDO NOBLAT


O GLOBO - 02/01/12
Todo governo tem pessoas destacadas para espalhar versões de fatos que mais o favoreçam. As versões começam a ser criadas logo de manhã, à primeira leitura dos jornais. São aperfeiçoadas ao longo do dia de acordo com a evolução do noticiário. Ao cair da tarde ou no início da noite, são servidas a jornalistas ávidos por uma palavra oficial.
Antes de pisar pela primeira vez numa redação, o jornalista é informado sobre uma das clausulas pétreas do código que deve orientar todos os seus passos. A cláusula: é obrigatório ouvir o "outro lado" de uma questão. Se a questão tiver vários lados todos devem ser ouvidos: Assim se produzirá uma narrativa mais isenta.
Na teoria, funciona Na prática, nem sempre. Com frequência, o leitor acaba sendo contemplado com versões contraditórias de um mesmo fato. E fica sem saber ao certo o que aconteceu - e como, jornalista e pago (ou deveria ser) para esgotar a maioria de suas dúvidas, só voltando à redação com uma história que tivesse começo, meio e fim.
Uma história assim não dispensa a audiência do "outro" ou de tantos "outros lados" de uma questão. Mas uma coisa é ouvi-los e registrar o que disseram de crível e de relevante, desprezando o resto. Outra, muito diferente, é se prestar ao papel de porta-voz de manipuladores que se empenham em plantar o que lhes interessa:
O jornalista encarregado da cobertura de assuntos políticos raramente testemunha algo de muito valor. O que realmente importa acontece longe dos seus olhos - no escurinho dos gabinetes ou nos ambientes ensolarados, mas inacessíveis do poder. Ou alguém conta para o jornalista o que ocorreu ou ele jamais saberá.
Nada é mais difícil, pois, para um jornalista do que administrar suas relações com as fontes de informação. Boas fontes são aquelas que sabem muito - e que nos contam parte do que sabem. Elas sabem o quanto valem. E não dão informação de graça. Esperam, em troca, ser bem tratadas. E socorridas em meio a dificuldades.
O jornalista tem consciência de que seu compromisso numero um é com o distinto público. Ao fim e ao cabo, e ele que lhe garante o emprego. Mas para manter-se bem informado o jornalista precisa ser bem informado. E aí o círculo se fecha: ele precisa dispor de fontes, que não informam de graça, que ...
O Congresso é o alvo principal das criticas dos jornalistas porque é o poder mais aberto. São 513 deputados e 81 senadores. Se para informar corretamente o público o jornalista tem que sacrificar algum parlamentar que o abastece com notícias, haverá outro para substituí-lo.
No governo não é assim. Ha menos fontes de informa<;ao. E a depender do DNA do governo, elas são mais fechadas. Havia fontes de mais no governo José Sarney e notícias em excesso. Foi uma maravilha. Sob esse mesmo aspecto, não foi mal o governo de Fernando Collor. Nem o de Itamar Franco.
Fernando Henrique Cardoso foi uma preciosa fonte de informações para os jornalistas. Deixou de ser quando se elegeu presidente. A maneira como lidara antes com os jornalistas contaminou os que governaram com ele. A informação circulou com desenvoltura mesmo quando o governo apanhava sem dó nem piedade.
Se comparado com o de Fernando Henrique, o governo Lula foi refratário à livre circulação de informações. O próprio Lula confessou uma vez: "Gosto mais de publicidade do que de notícias". Quis dizer: gosto mais de notícias que exaltam os meus feitos e os leitos do governo do que de notícias neutras ou críticas.
Prevaleceu o silêncio no primeiro ano de governo Dilma. Ou porque o governo não teve muito que dizer ou porque não é do feitio dizer muito. Dilma respeita a mídia e lhe reconhece a importância - mas não gosta dela. Prefere mantê-la à distância. E exige que seus auxiliares a mantenham a distância.
O mundo seria melhor para governantes como Lula e Dilma se só fosse divulgado aquilo que eles gostariam que fosse.

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