segunda-feira, janeiro 30, 2012

O sobrenatural sumiço da direita - EUGÊNIO BUCCI


REVISTA ÉPOCA



Uns acreditam em horóscopo. Mesmo que seja impossível demonstrar o nexo lógico entre a posição do planeta Vênus e o gosto de um beijo, acreditam no zodíaco. Há quem ponha fé em duendes e demais animaizinhos mitológicos. Outros creem que as marcas da moda, como um logotipo de todo tamanho nas hastes dos óculos de sol, exerçam um fascínio lúbrico sobre o sexo oposto. Não há prova empírica, nada, mas milhões de consumidoras adotam essa crendice e andam por aí com logomarcas à guisa de antolhos. Coerentemente, veneram o poder mágico das grifes, amuletos que hoje são mais cultuados do que santinhos e água benta. Uns temem o fogo dos infernos, outros esconjuram assombrações. As crenças humanas são incontáveis e, por favor, elas não estão em debate aqui. Pero que las hay, las hay.

Entre todas, a superstição mais intrigante de nossa era é essa de eleitores brasileiros que creem na direita sem que a direita exista no Brasil. Explicando melhor: há eleitores que se identificam com as teses de direita e manifestam sua fidelidade à direita, mas, no plantel de políticos em atividade, não há nenhum - ao menos não há nenhum que possa ser considerado viável - que se declare abertamente de direita. Logo, os eleitores de direita creem no que não existe.

Temos aí um fenômeno que não pode ser explicado pelos cientistas ou pelos comentaristas políticos. Estamos diante de uma ocorrência que não cabe na lógica deste mundo; é coisa do outro mundo, coisa do além. Os políticos de direita evaporaram. Como fantasmas à luz do sol, como a neblina e as miragens, simplesmente sumiram no ar.

Antes havia Antônio Carlos Magalhães, pelo menos. Era nauseante, por certo, mas era mais compreensível. Até outro dia, puxemos pela memória, a política brasileira era mais, vejamos, mais normal. A gente olhava para um lado, e, como seria normal, num país normal, ali estava a turma da esquerda, mesmo que em desalinho. Depois, a gente olhava para o outro lado e podia vê-los com nossos próprios olhos, pois os homens públicos de direita eram visíveis: um ou outro brucutu de farda, aqueles civis de terno escuro, todos orgulhosamente de direita, com sorrisos soturnos.

Hoje, a gente olha, olha de novo, esfrega os olhos e... Mas o que é isso? Não ficou ninguém? Como saci-pererê, a direita no Brasil é algo em que se crê, mas não se vê.
Na casa da esquerda de hoje, todo mundo entra, até Fernando Collor. Ela ficou indefinível, cheia de gente de todo tipo

Se o sujeito quer votar na direita, pense bem, leitor, quem ele poderá, digamos, sufragar? O Jair Bolsonaro? Só? O flanco destro se acha desguarnecido. Já as colinas à esquerda, que exuberância, que diversidade, que profusão de fenótipos! Até mesmo Delfim Netto, sim, ele, foi visto e foi lido na região, agora enunciando denúncias contra o neoliberalismo. Outro que ronda as cercanias é o prefeito paulistano, Gilberto Kassab. Ele, que já dissera que seu novo partido, o PSD, não era de direita e também não era de esquerda, justo ele, egresso do malufismo, agora corteja a coalizão liderada pelo PT. Ninguém vai lhe bater a porta na cara, por certo, porque as portas ali estão sempre abertas.

Pensando melhor, existe ainda alguma porta por ali? E paredes? Existem paredes? As perguntas procedem. Como naquela cantiga de Vinícius de Moraes, a velha edificação ideológica da esquerda virou "uma casa muito engraçada", temos de admitir. Ela não tem porta, nem janela, nem parede, nem teto, nem nada. Nos versos do poeta, a casa era tão engraçada que "ninguém podia entrar nela não, porque na casa não tinha chão". Nas plagas da esquerda de hoje, todo mundo entra, até Fernando Collor, mas a casa, ela mesma, ficou assim, indefinível, intangível e também cheia de gente de todo tipo. "Na rua dos bobos, número zero."

Com a direita, o destino foi menos irônico e mais impiedoso. Dela não ficou nem casa nem morador. Os antigos caciques, como José Sarney, acharam melhor sair de mudança, transmigrar para a esquerda, apoiar o governo Lula e, claro, criticar a imprensa. Que país sobrenatural. Nele, ninguém mais defende o capital. Ninguém mais briga pelo latifúndio. Claro, existe o Aldo Rebelo, o mais inflamado defensor do novo CÓDIGO FLORESTAL, que, segundo alegam na casa da esquerda, é o paraíso do latifúndio. Mas o Aldo é do PCdoB - e o PCdoB, segundo consta, seria de esquerda. Portanto, o Aldo não conta. Donde voltamos ao princípio. Onde foi parar a direita?

Foi abduzida por óvnis? Ou será que ficou desnecessária, pois a fulgurante casa da esquerda assumiu o serviço que era dela? Só os espíritos saberão explicar.

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