domingo, janeiro 22, 2012
Embaixo do tapete persa - YOANI SÁNCHEZ
O ESTADÃO - 22/01/12
Num primeiro momento, ficamos desconcertados. Depois, começaram a surgir de todos os lados as perguntas sobre a visita de Mahmoud Ahmadinejad à América Latina. Até hoje, ainda não temos nenhuma certeza. Porque essa foi, sem dúvida, uma viagem inusitada, que acabava de ser anunciada e realizada numa conjuntura internacional turbulenta, na qual qualquer gesto assume conotações desproporcionais, imprevisíveis.
Atrás de si, o líder iraniano nos deixou o rastro de um conflito difícil de prognosticar, como o que se trava entre o Irã e várias potências ocidentais. Sua permanência em Havana fez com que nos déssemos conta do perigo que, embora exibido todas as noites nos noticiários, era considerado a milhares de quilômetros de distância do nosso complexo cotidiano. Com sua chegada, ele obrigou o governo cubano a tomar partido em público, a apressar - na frente das câmeras - a escolha de um lado.
No dia 11, quando Ahmadinejad desceu do avião, não havia nenhum tapete o esperando. Ao pé da escada, estava o vice-presidente Esteban Lazo. Na porta do aeroporto José Martí nem uma manifestação de boas-vindas ou de repúdio aguardava por ele. Não se viam grupos defensores dos direitos dos gays protestando pelo tratamento reservado a homossexuais no Irã, enquanto os opositores estavam mais preocupada com as operações policiais e as prisões do que com a chegada do controvertido dignitário. Tanta indiferença deve ter parecido inusitada a alguém acostumado a despertar em sua passagem as paixões mais inflamadas.
No Salão Nobre da Universidade de Havana, rodeado pelos acadêmicos mais oficiais - ou dos oficiais mais acadêmicos - recebeu um título de doutor honoris causa em ciências políticas, que acompanhou com uma conferência. Em sua voz, soaram extremamente paradoxais os apelos à busca de "uma nova ordem, de um olhar novo, que respeite todos os seres humanos", mas nenhum dos presentes levantou a mão para questioná-lo.
Tanto o aplauso final daquela tarde quanto o galardão eram destinados ao homem de olhos diminutos que poderia desencadear a próxima guerra mundial.
Recepção. Raúl Castro o recebeu uma hora mais tarde no Palácio da Revolução, para reafirmar seu apoio ao programa nuclear de Teerã. E, assim, Ahmadinejad pôde finalmente posar para a foto de família com seu par cubano, a validação pública que veio buscar na América Latina.
Entretanto, na foto da sua visita ao nosso continente há "parentes" e "parentes". Tanto Hugo Chávez quanto Rafael Correa podem oferecer-lhe não só apoio político, como também os acordos econômicos necessários para aliviar as sanções econômicas impostas ao Irã. Cuba aparece nesse retrato familiar como a criança pequena, sem voz nem voto, mas que ainda assim deve ser captada pela lente.
O prato forte da imprensa de Havana foi o encontro com Fidel Castro, narrado pelo visitante à imprensa estrangeira antes de sua partida. "Foi motivo de grande alegria para mim ver o comandante Fidel são e salvo", afirmou, querendo, com essas palavras, dirimir os boatos da morte do comandante-chefe que aparecem nas redes sociais.
Por outro lado, Ahmadinejad precisava desse contato diplomático para reduzir o isolamento internacional que o cerca nos últimos meses e Havana contribuiu para seus planos, até mesmo com o título honoris causa.
Entretanto, nos cálculos feitos sobre sua permanência entre nós não foi levado em conta o custo negativo que ela terá para Raúl Castro. A menos de três semanas do início da primeira Conferência Nacional do Partido Comunista, o general presidente precisava de um cenário de maior distensão, com menos olhares fixos sobre ele. Mas, de repente, a questão do Estreito de Ormuz começou a ser levantada no Mar do Caribe e os questionamentos contra Teerã e Havana levantaram-se em uníssono.
O líder iraniano nos colocou em foco de uma maneira que teria sido melhor evitar. Em troca dessa exposição, a imprensa oficial cubana confirmou que a visita pretendia estreitar a colaboração comercial entre as duas nações, intercâmbio consagrado em 2007 com a assinatura de acordos no valor de 525 milhões.
Somente com o passar das semanas será possível avaliar as consequências da estada de Ahmadinejad na nossa região e, particularmente, de sua presença em Cuba.
Terminados os lampejos das câmeras e as manchetes na imprensa, poderá ser percebido seu verdadeiro efeito. Comprovaremos, então, se o governo cubano - como a criança travessa da fotografia - sai devagar do enquadramento para cuidar dos próprios problemas internos, ou se, ao contrário, prefere continuar segurando a mão de Teerã, desafiando muitos com esse abraço, e afastar, desse modo, o olhar das dificuldades nacionais.
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