domingo, janeiro 22, 2012
Até parece insulto - FLAVIA GUERRA CAVALCANTI
O GLOBO - 22/01/12
O governo brasileiro anunciou duas medidas para lidar com a recente imigração para o Brasil: fechamento da fronteira para haitianos e "tapete vermelho" para profissionais qualificados, sobretudo os provenientes da Europa. Para ambas as políticas, a justificativa é a de que o Brasil precisa controlar o fluxo migratório, que só deve aumentar nos próximos anos caso o país, como é previsto, mantenha-se como uma das maiores economias do mundo.
A iniciativa de tratar do tema é bem-vinda. Afinal, nosso Estatuto do Estrangeiro foi criado em 1980, durante o período militar, e é considerado por organizações de direitos humanos extremamente restritivo aos imigrantes. A entrada de haitianos pela fronteira norte do Brasil, na cidade de Brasileia, no Acre, tornou urgente para as autoridades brasileiras a revisão de nossa política migratória, mas a discussão, até o momento, tem caminhado no sentido de maior contenção da imigração.
Uma resolução do Ministério da Justiça determinou a concessão de cem vistos mensais pela embaixada em Porto Príncipe e o estabelecimento de um prazo de cinco anos para o imigrante haitiano conseguir um trabalho regular no Brasil. Os haitianos que já se encontram no Brasil serão legalizados, mas quem entrar sem visto depois da nova medida será considerado ilegal e estará sujeito à extradição.
Não há, portanto, qualquer intenção do governo de flexibilizar o Estatuto do Estrangeiro. Este continua valendo para todos, inclusive haitianos que ingressarem no Brasil após a publicação da resolução. Os cem vistos mensais são apresentados como um ato de solidariedade com o povo haitiano, quando na verdade não passam de uma forma de controle e restrição da imigração.
Paralelamente, o governo anunciou que a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência está elaborando uma política de imigração para facilitar a vinda de profissionais estrangeiros altamente qualificados. O objetivo seria promover (O GLOBO, 15/1) um "processo de imigração seletiva, que priorize a "drenagem de cérebros", mas estabeleça limites para os estrangeiros que chegam fugindo da pobreza de seus países". A inspiração para o projeto seria a política de imigração seletiva praticada no Canadá e na Austrália, países que praticam as políticas imigratórias mais cruéis e discriminatórias.
O governo afirma que "é preciso definir até onde irá a nossa generosidade". Falar em generosidade numa hora dessas parece até um insulto. Se selecionamos os mais qualificados e desprezamos os outros - que são os mais necessitados -, não estamos praticando generosidade nenhuma, mas simplesmente cuidando dos nossos interesses de forma imediatista.
Em 2009, ao sancionar a Lei de Anistia Migratória, o presidente Lula fez questão de destacar que o Brasil é um país que tem lição a dar sobre tratamento de imigrantes. Agora, em 2012, estamos prestes a praticar uma política imigratória moralmente indefensável, baseada na discriminação.
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