REVISTA VEJA - SP
A jovem grávida tinha medo de que seu filho nascesse na noite de Natal. O médico havia previsto que a criança nasceria entre 20 e 30 de dezembro, no mais tardar, 2 de janeiro. Desde a última avaliação de data ela vinha tecendo fantasias. Brincava, ria quando falava disso com as amigas, mas ao verbalizar punha para fora seus receios:
— Já imaginou se a criaturinha resolve nascer na noite de Natal, na hora da ceia?
As amigas diziam que ela sossegasse, seria muita coincidência ele embicar logo no dia 24, “relaxa”, “desencana”, mas se acontecesse, qual o problema?
— Já imaginou? Hospital em noite de Natal?
— Ué, normal.
— Normal! Helooo! Com que disposição você acha que as pessoas trabalham na noite de Natal? Pessoal lá fora comemorando, maior amigo oculto, dando risada, tomando um vinho com o love, e elas lá de branquinho medindo xixi de paciente! Vão ter ódio de mim e do meu filho.
— Já imaginou? Hospital em noite de Natal?
— Ué, normal.
— Normal! Helooo! Com que disposição você acha que as pessoas trabalham na noite de Natal? Pessoal lá fora comemorando, maior amigo oculto, dando risada, tomando um vinho com o love, e elas lá de branquinho medindo xixi de paciente! Vão ter ódio de mim e do meu filho.
Riam junto com ela daqueles medos, e quanto mais perto chegavam do período provável, mais ela falava naquilo. Fazia questão de parto normal, nada de cortes na sua barriga. O marido apoiava, dizia que a escolha era dela, mas achava bom esse negócio de não cortar. Nem era pela estética da barriga, tinha horror de cirurgia.
Tudo era argumento para ela. Teatralizava:
Tudo era argumento para ela. Teatralizava:
— Não, não, não, não, não! Meu bebê não vai fazer isso comigo! Sabe que a Mariana, minha amiga, entrou em trabalho de parto no dia 29 de dezembro? O médico estava no Guarujá, maior descansadão! E ela teve dificuldades, correu perigo feio, a pressão foi a quatro. A máxima!
Que nada, não vai acontecer com você, relaxa, desencana, diziam.
E ela, cômica:
— Já imaginou meu filhinho nascendo com aquela barulhada de Natal? O foguetório! Os sustos que ele vai levar, bum!, bum!, depois de passar esse tempo todo no silêncio gostosinho do meu barrigão?
Riam junto. E ela:
— Agora imagina essa: e se o médico sai correndo da mesa da ceia e solta aquele bafo de vinho na cara do meu baby? Tadinho, mal nasceu e já encara um arroto de farofa! E outra: e se houver uma emergência e o anestesista vier correndo vestido de Papai Noel? Não tiver tempo nem de tirar a fantasia?
Gostavam do jeito daquela amiga loquaz, capaz de transformar medos em comédia, mas lembraram a ela que, se não queria filho no final de dezembro, tivesse pensado nisso na hora de engravidar. E ela:
— Na hora a gente não pensa. Ninguém pensa quarenta semanas para frente na hora de transar.
Nas conversas de sala de espera de consultório ela soube que várias grávidas de dezembro tinham preocupações. Por exemplo, os filhos nascidos no fim do ano não gostavam de fazer aniversário perto do Natal, porque perdiam a festinha com os colegas e, lógico, dezenas de presentes. Ou ganhavam da parentada um só presente valendo por dois. Nos casos de parto de fim de ano, a própria festa familiar do Natal era atropelada pela agitação do nascimento. Ficou sabendo que a maioria das mães antecipava a cesárea.
— Nem pensar em cesárea! — ela se manteve decidida. — Vai nascer bonitinho, parto normal, e é antes do dia 20.
Não foi. O dia 20 passou, passou o 21, chegou o 24, e assim que ela se sentou à mesa para a ceia sentiu a primeira contração. O bebê bagunçou a ceia, a entrega dos presentes de amigo oculto, a sequência de brindes espumantes, a festa das crianças, e nasceu saudável e forte às 2 e pouco da madrugada. De cesariana. Deu tudo errado, mas deu tudo certo.
Riam junto. E ela:
— Agora imagina essa: e se o médico sai correndo da mesa da ceia e solta aquele bafo de vinho na cara do meu baby? Tadinho, mal nasceu e já encara um arroto de farofa! E outra: e se houver uma emergência e o anestesista vier correndo vestido de Papai Noel? Não tiver tempo nem de tirar a fantasia?
Gostavam do jeito daquela amiga loquaz, capaz de transformar medos em comédia, mas lembraram a ela que, se não queria filho no final de dezembro, tivesse pensado nisso na hora de engravidar. E ela:
— Na hora a gente não pensa. Ninguém pensa quarenta semanas para frente na hora de transar.
Nas conversas de sala de espera de consultório ela soube que várias grávidas de dezembro tinham preocupações. Por exemplo, os filhos nascidos no fim do ano não gostavam de fazer aniversário perto do Natal, porque perdiam a festinha com os colegas e, lógico, dezenas de presentes. Ou ganhavam da parentada um só presente valendo por dois. Nos casos de parto de fim de ano, a própria festa familiar do Natal era atropelada pela agitação do nascimento. Ficou sabendo que a maioria das mães antecipava a cesárea.
— Nem pensar em cesárea! — ela se manteve decidida. — Vai nascer bonitinho, parto normal, e é antes do dia 20.
Não foi. O dia 20 passou, passou o 21, chegou o 24, e assim que ela se sentou à mesa para a ceia sentiu a primeira contração. O bebê bagunçou a ceia, a entrega dos presentes de amigo oculto, a sequência de brindes espumantes, a festa das crianças, e nasceu saudável e forte às 2 e pouco da madrugada. De cesariana. Deu tudo errado, mas deu tudo certo.