sábado, dezembro 24, 2011
Retrato da burocracia - MERVAL PEREIRA
O ESTADÃO - 24/12/11
A cientista política Maria Celina D"Araujo, do Departamento de Sociologia e Política da PUC-RJ, analisando a composição dos altos cargos públicos no Brasil tendo como foco o perfil político, econômico e social dos ocupantes de cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) níveis 5 e 6, nos governos Fernando Henrique e Lula, chega à conclusão de que, embora a partidarização tenha sido maior no governo Lula, e a conexão entre serviço público, filiação sindical e partidária reflita-se mais intensamente na nomeação dos dirigentes públicos quando o PT está no poder, em ambos os governos "é alta a qualificação técnica e acadêmica dos dirigentes públicos, bem como sua experiência profissional".
Ela chega à conclusão de que as qualificações acadêmica e técnica desse grupo evidenciam que não se pode reduzir essas nomeações a mero "clientelismo político". A qualificação técnico-acadêmica não é incompatível com preferências partidárias e alto envolvimento com movimentos da sociedade civil, frisa Maria Celina. O estudo mostra que a formação na alta direção pública está cada vez mais se afastando dos "cursos tradicionais", e que novos saberes passam a ocupar maiores espaços na política.
Se Direito é o curso de graduação mais frequentado pelos dirigentes do governo FH, a economia é o mestrado com mais formados. No governo Lula, por sua vez, é marcante o percentual de pessoas formadas em outros cursos.
Em ambos os governos, contudo, surpreende a presença de mestres em Ciências Sociais. No nível de doutorado a concentração em economia continua no governo FH, mas o percentual de doutores em Ciências Sociais fica em segundo lugar em ambos os governos.
Chama a atenção que no governo do tucano a presença de mestres e doutores formados no exterior seja significativamente maior. A exemplo do que aconteceu com as instituições do curso de mestrado, mais uma vez a presença de doutores formados em Brasília aumenta no governo Lula.
O trabalho mostra que a presença de um ou outro partido no governo tem impactos importantes sobre os critérios de escolha dos altos dirigentes públicos.
Várias evidências atestam, segundo o estudo, o maior ativismo social do PT e de seus dirigentes no partido e no governo, em contraposição ao caráter mais parlamentar do PSDB. Outras conclusões da pesquisa mostram que as taxas de associativismo dos dirigentes públicos são mais altas no governo Lula. O PT é o partido mais organizado e o que melhor conhece seus quadros. Por isso, no governo, não só tem controle sobre as nomeações a serem feitas como consegue ter informações cadastrais sobre quem indicar para os cargos disponíveis entre os 22 mil cargos de confiança do Poder Executivo.
O levantamento de Maria Celina mostra que a sindicalização no setor público no Brasil acompanha a de países altamente desenvolvidos e está associada também a mais altas taxas de filiação partidária.
No Brasil, os últimos dados são de 2000, resultado de pesquisa iniciada na gestão de Bresser-Pereira no Ministério da Administração e Reforma do Estado, e indicam percentual de 76%. Não há atualização disponível desses dados, mas tudo indica, segundo Maria Celina, que não deve ter havido mudanças substanciais. O Brasil está pouco abaixo da Escandinávia (até 93%), mas acima de países desenvolvidos como Japão e Alemanha quando se trata da filiação sindical de trabalhadores do setor público.
Os resultados da pesquisa para o governo Lula mostraram que os dirigentes públicos integram um grupo de profissionais, em sua maioria, de carreira no serviço público, formados em boas e tradicionais escolas, com alta titulação, com forte presença técnica em áreas estratégicas do governo e com vasta experiência em cargos da administração pública. Ao mesmo tempo, evidenciaram tratar-se de uma elite altamente politizada, partidarizada, sindicalizada, com altos índices de engajamento social.
A avaliação das experiências anteriores desses profissionais, de sua formação acadêmica e suas capacidades específicas permite, para Maria Celina, a conclusão de que, em geral, mostram competência para ocupar funções públicas, ao contrário de percepção corrente que aponta para as altas taxas de clientelismo na ocupação dos cargos de confiança. De toda forma, ressalta, "os índices de associativismo sindical e partidário chamaram a atenção". No caso do governo Lula, dos 24% filiados a partidos, 77% eram filiados ao PT; dos 41% sindicalizados, 32% eram filiados ao PT; dos 45% pertencentes a movimentos sociais, 39% eram filiados ao PT.
Dados parciais sobre o governo FH indicam que os vínculos com movimento sindical, partidos, associações, conselhos profissionais e movimentos sociais dos dirigentes públicos são menos intensos do que o evidenciado na gestão Lula.
Sobre a proveniência desses dirigentes, identifica-se até o momento que o governo Lula recorreu mais aos funcionários de carreira do que o de FH. O governo do petista teria recorrido mais ao quadro de funcionários de carreira dos órgãos do governo federal, servidor efetivo do órgão ou requisitado da esfera federal.
"Nossa hipótese é que essa presença mais marcante de funcionários públicos federais pode explicar a grande frequência de sindicalizados e de filiados ao PT tendo em vista as altas taxas de filiados ao PT e de sindicalizados entre os servidores públicos", analisa Maria Celina. Segundo estudos, desde 1992 o partido mantém um cadastro nacional dos filiados que ocupam cargos no serviço público e um banco de dados dos eleitos nos planos nacional e estadual. Dessa forma, o nível de controle da informação interna do partido é precioso e funciona como um GPS das chances e das possibilidades de o partido ocupar espaços de poder.
Igualmente importante, frisa a professora, é que todos os parlamentares eleitos precisam ceder ao menos um dos assessores a que têm direito para servir ao partido. Isso equipa o PT com quadros técnicos e instrumentos de gestão e controle que o PSDB, por exemplo, demonstra não ter. Quando o PT se tornou governo, o cadastro de possíveis ocupantes de cargos era fácil de confeccionar, mesmo com a ausência de experiência do partido no governo federal. ( Amanhã: "O partido no poder")
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