domingo, novembro 20, 2011

Dois por dois - J. R. GUZZO


REVISTA VEJA

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Dois mundos - ALON FEURWERKER



CORREIO BRAZILIENSE - 20/11/11


Polícia na favela para expulsar o tráfico é bom. Mas polícia na universidade para impedir que o tráfico dê as cartas é ruim. Na Rocinha, impor a presença do Estado, hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional. Na universidade, preferir a coexistência pacífica com o crime


O tráfico de drogas é reconhecido de modo unânime como principal vetor de violência e insegurança na nossa sociedade. Ficaram para trás as teorias alternativas. Entre elas a que atribuía o problema à pobreza.

A realidade encarregou-se de provar que não é assim, pois nos anos recentes a criminalidade cresceu mais onde mais a economia expandiu, e onde mais se distribuiu renda: nas regiões metropolitanas do Nordeste.

Nem seria necessária essa constatação “laboratorial”. Bastaria olhar os mapas. As manchas geográficas de pobreza não coincidem com as da violência e do crime. São fenômenos em boa medida desvinculados.

O crime comparece com mais vigor onde há dinheiro, desigualdade e, principalmente, impunidade. No Brasil, a relação entre o custo e o benefício de delinquir é razoavelmente boa para quem sai da linha.

Reduzir a desigualdade é tarefa permanente dos governantes. Ou deveria ser. Entre nós, parece haver consenso de sermos governados por gente preocupada em estreitar as distâncias sociais.

Pode haver, e há, diferenças políticas, naturais, mas não existe no Brasil quem diga a sério que somos um país desatento às necessárias ações governamentais para ajudar quem mais precisa.

Sempre se pode melhorar, e há campos como a educação nos quais estamos mal e vamos muito devagar, mas a tendência é de avanço. O Estado ajudar os mais necessitados virou traço cultural, deixou de ser elemento central da disputa ideológica.

Onde está então o problema? Na frouxidão do combate ao crime. Mas isso pouco a pouco também vai sendo alterado.
No Rio, ficaram na poeira a glamurização do tráfico e a condescendência pseudosociológica com fenômenos como, por exemplo, as milícias. É uma revolução cultural. A ocupação das “comunidades” pela polícia tem amplo apoio político e popular.

Pois a sociedade concluiu que deseja distância inclusive geográfica do comando do tráfico. Ainda que, infelizmente, não tenha conduzido o raciocínio à estação seguinte: o que alimenta o tráfico é o consumo.

Mas tudo é um processo, como gostava de dizer o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Que aliás, compareceu estes dias à imprensa para engrossar a corrente de quem pede para a USP uma política oposta à da Rocinha.

Polícia na favela para expulsar o tráfico é bom. Mas polícia na universidade para impedir que o tráfico dê as cartas é ruim.
Na Rocinha, impor a presença do Estado, hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional. Na universidade, preferir a coexistência negociada com o crime.

Digo “na universidade”, genericamente, porque se é bom para a USP, deve ser aplicado também às demais. Públicas e particulares.

Esse é o resumo da ópera, ainda que o debate percorra tentativas de panos quentes.
Um pano quente defende que as instituições de ensino superior tenham polícia própria. Aí aparecem duas dúvidas. Quem vai mandar nessa polícia e a que leis essa polícia vai obedecer?

O primeiro ponto é menos complicado, pois seria natural que uma polícia universitária obedecesse às autoridades universitárias. Mas, e o segundo? A polícia particular das universidades seguiria as leis criminais do país ou haveria leis próprias?

As universidades teriam um código penal próprio? Parece bizarro. Mas, se as polícias universitárias seguiriam e aplicariam as mesmas leis “de fora”, ora bolas, para que uma polícia separada?

No fim das contas é só isso. Um segmento da sociedade que se considera acima das leis, que se julga no direito de decidir quais leis vai seguir e quais não, e pede para si um tratamento à parte. Um elitismo e tanto. Claro que não faz sentido. Ainda que debates sem sentido não sejam vedados na esfera intelectual. Mas além da polêmica político-ideológica, há o problema prático.

Simplesmente, é inaceitável que as universidades brasileiras se transformem em território livre para o tráfico de drogas, transformem-se em áreas onde o tráfico poderá abrigar-se para operar com mais segurança, inclusive do lado de fora.
É inaceitável transformar as universidades em regiões capturadas pelo crime, onde a polícia (a regular) precisará pedir licença ao “poder local” para agir.

O dedo na ferida - ILIMAR FRANCO



O GLOBO - 20/11/11

Foi a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) quem abriu o verbo para reclamar, numa reunião na noite do dia 6 de novembro, no Palácio da Alvorada, sobre o silêncio imposto aos ministros palacianos. Diante da presidente Dilma, argumentou que ela e Ideli Salvatti (Institucional) ocupavam cargos políticos e que, pela mudez, tinham virado alvo de críticas na mídia. E que, enquanto isso, outros, referindo-se a Gilberto Carvalho, falavam à vontade e sem receber cobranças da presidente.

Abatidos com a lei do silêncio
Isso não impediu que, alguns dias depois, Gleisi levasse um puxão de orelhas da presidente Dilma. Foi assim. No dia 8, o ministro Carlos Lupi (Trabalho) disse que não sairia do governo nem na reforma ministerial. No dia 9, a pedido de Dilma, Gleisi informou a Lupi que a presidente não gostou, lembrando-o de que quem nomeia e demite ministros é a presidente. O fato acabou noticiado na internet. Quando soube disso, Dilma reclamou com Gleisi e pediu que ela desmentisse. Talvez por isso, na sexta-feira, ao final da cerimônia da Comissão da Verdade, o ministro Gilberto Carvalho tenha dito: "Entrei agora num período de falar pouco."

"O DEM precisa ter um candidato a presidente. A coisa tem que sair desta polarização PT x PSDB. A próxima eleição (2014) não vai ser bipartidária”
Demóstenes Torres, líder do DEM no Senado (GO)

SCRIPT. O DEM defenderá publicamente o nome de Rodrigo Garcia à Prefeitura de São Paulo até o PSDB definir sua candidatura. A priori, os demistas consideram os quatro pré-candidatos tucanos fracos e preferem apoiar Gabriel Chalita (PMDB-SP), na foto. Além da capital paulista, as conversas entre DEM e PMDB estão adiantadas em Salvador e Natal. Há possibilidade de aliança também no Recife e em Campo Grande.

O nó
O Poder Judiciário não aceita a proposta do governo Dilma de criar um único fundo de previdência para os servidores públicos. No Executivo e no Congresso, o que se diz é que o Judiciário não quer abrir a caixa-preta de seus salários.

Fazendo cera
O governo federal arranjou um jeitinho de retardar a criação da comissão dos royalties do petróleo na Câmara. Eles mergulharam num debate, para ganhar tempo, sobre o direito do novo partido, o PSD, indicar representantes.

Bola fora
O Palácio do Planalto ofereceu carona a seis parlamentares que participariam de solenidade anteontem em Salvador. Chegando à base aérea, foram surpreendidos com a informação de que, por motivo de segurança, não poderiam viajar no mesmo avião em que a presidente Dilma. O segundo avião ainda se atrasou, e eles perderam o início da solenidade. Essas caronas costumavam ser uma oportunidade de conversar com os presidentes e sinal de prestígio na base eleitoral.

Bombeiros
Com a posse de Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) no Senado, tucanos intensificaram os esforços para tentar apaziguar os ânimos entre ele e o senador Cícero Lucena (PSDB-PB). Eles estão rompidos desde a eleição do ano passado.

Missão impossível
Uma missão internacional de paz, integrada por 76 parlamentares, vai passar a próxima semana em Rafah, na Faixa de Gaza. Dois brasileiros integram a comitiva: os deputados federais Chico Alencar (PSOL-RJ) e Marina Santanna (PT-GO).

SOBRE o vazamento de óleo na Bacia de Campos e o debate do projeto de redistribuição dos royalties, o senador Magno Malta (PR-ES) provoca: "O petróleo é de todos, agora o vazamento também tem que ser."

RURALISTAS mais radicais já estão defendendo adiar a votação do Código Florestal. Isso porque a legislação ambiental em vigor é baseada em medidas provisórias, não tendo tanta legitimidade.

O INSTITUTO
 Teotônio Vilela, do PSDB, promoveu seminário sobre uma nova agenda para o Brasil, mas não divulga as transcrições das falas dos economistas e dos intelectuais que se manifestaram. Mistério!

Qual é essa de “eu te amo”? JOÃO UBALDO RIBEIRO


O GLOBO - 20/11/11

Certos escritores, como eu e alguns amigos meus,têm dificuldade em planejar o que produzirão. Podem escolher assunto, fazer esquemas ou até diagramas, mas frequentemente um outro assunto se intromete onde não foi chamado, ou um personagem resolve adquirir autonomia e caprichos: o autor quer casá-lo, ele não casa, quer que ele morra e ele não morre e assim por diante.O resultado acaba por ser uma surpresa para o próprio escritor. Hoje mesmo está sendo assim. O título aí em cima não tem nada a ver como que eu pretendia (e ainda pretendo, se não houver outros percalços) abordar hoje, mas foi digitado quase em piloto automático.Quando dei por mim, já estava ele aí.

É o seguinte. É que, até o momento em que escrevo, ainda não foi dispensado esse ministro parlapatão, que veio a público vociferando bravatas arrogantes e se apresentando como o durão aqui do pedaço, um exemplar cafajeste que certamente se acha sensível e deve cantar Chão de Estrelas em serenatas partidárias, chorar em cerimônias escolares e mandar“ um beijo no coração” de correligionários fiéis. Se eu fosse a presidenta, a demissão viria mais rápido do que a bala que ele afirmou ser necessária para sua saída, por falta de propriedade, senso comum e educação, para não falar em intimidade indevida, com um tuteio insolente e grosseiro, que sugere uma proximidade inexistente, quase promiscuidade, tratando-se da chefa do Executivo. “Eu te amo” à presidenta, uma conversa;“ eu te amo”lá pras suas negas. Até Marilyn Monroe, que era Marilyn Monroe, quando cantou parabéns para Kennedy, entoou “happy birthday , Mr. President” e não o “dear John” ronronado a que, dizem por aí, ela até tinha direito.

Isso para só ficar num aspecto, porque, de resto, a defesa deletem-se constituído, como já é de praxe, em negativas indignadas e invectivas contra a imprensa. Trata-se, segundo ele, de denuncismo. Conversa velha de quem não tem nada a dizer. A não ser que tudo o que venho lendo e vendo sobre o assunto tenha sido forjado, está patente que ele mentiu. Mentir oficialmente, na condição de ministro de Estado, devia ser mais que suficiente para cartão vermelho. Devia também dar processo e cana dura, embora, naturalmente, na atual conjuntura, isso seja incogitável. E, de qualquer forma, mentiu. Cadê o mais que justificado – perdão, senhoras – pé na bunda? Estão talvez organizando uma cerimônia saideira, como aquela em que o ex-ministro dos Esportes foi aplaudidíssimo e só faltou receber uma condecoração, com foguetório e banda de música? Dizem que a presidenta (geralmente escrevo “a presidente”, mas hoje precisei enfatizar o gênero dela) está preocupada em não deixar que a imprensa faça demissões ou force saídas. Mas não é a imprensa que demite ou força renúncias. São os fatos comprovados. Se se tratasse da mera vontade da imprensa ou de denuncismo gratuito, não haveria respaldo para as acusações. A imprensa está cumprindo seu papel, espelhando o que ocorre no País. Todo mundo sabe que se rouba em tudo quanto é canto, de todas as formas imagináveis. Rouba-se tanto, de clipes de papel a centenas de milhões de reais, que seria impossível levantar tudo. Portanto, o“denuncismo”não vai parar tão cedo, todo dia brotam ladroeiras novas.

Tem a famosa governabilidade, responsável pelo estabelecimento de níveis assombrosos de cinismo, cara de pau e falta de princípios, que já eram altos antes, mas que atingiram novos patamares durante os governos de Lula. Os partidos não querem dizer nada, a não sera aglomeraçãode interesses empreguistas,clientelistas e de locupletação mesmo. Para satisfazê-los, é só distribuir colocações, posições, empregos, mamatas, sinecuras, ardis fiscais, truques salariais e outras benesses do poder em que a nossa república abunda. Estado é de fato a Grande Teta e o poder público, em todos os níveis, uma espécie de besta disforme e meio nojentona, em que se nutrem parasitas hematófagos de todas as extrações, de vampirões federais a pernilongos municipais. A governabilidade fica garantida assim e o pessoal adere ao governo pelas conveniências mais rasteiras. Historicamente, o Brasil foi sempre um país adesista. É costume aderir ao governo, pois fora dele, para muitos,não há salvação. Se o governo contrariar jeitosamente os partidos, eles não se rebelarão. O que é o partido X ,senão os interesses de dr. Fulano, dr. Beltranoe dr. Sicrano? O indispensável é manter as bocas, isso é que é o exigido. Pela pátria, não, mas por isso eles farão sacrifícios, é pelas bocas que eles aderem e é pelas bocas que ficarão. Portanto, a governabilidade não é tão exigente. Se o governo contrariar o partido, mas, pelo outro lado, mantiver o pessoal amamentado, este permanecerá manso, quieto e obsequioso.

Agora vocês vejam como são as coisas. Falei em amamentação logo acima certamente movido por uma associação inconsciente. É que meu assunto hoje era bem mais ameno. Era peito. Isso mesmo, peito, mama. E mama feminina, pois continua válida, pelo menos para a suposta maioria, a observação de que, no homem, ela nem é útil nem ornamental. Eu pretendia coligir alguns pensamentos que me ocorreram, ao ver novamente mulheres de peito de fora, em manifestações na Europa. Fiquei matutando sobre o que é um peito hoje, em comparação com um peito há não tanto tempo assim. Creio que minhas reflexões ou reminiscências ecoarão até entre os mais jovens, que, sustento eu, têm, sem dar-se conta, nostalgia por tempos mais recatados, ou pelo menos não tão escancarados. Afogados em peitos e traseiros expostos de todas as formas e por todos os lados, tenho certeza de que há muitos entre vocês que querem de volta suas boas e velhas repressões, era muito mais divertido.

Trato disto na próxima semana, se os ministérios permitirem.

Preciosidades & barbaridades - HUMBERTO WERNECK


O ESTADÃO - 20/11/11

Bolar um bom título, capaz de fisgar o leitor e docemente obrigá-lo a ler a matéria, costuma ser um tormento para jornalistas. A isso se deve, aliás, parte dos cabelos brancos na cabeça do sujeito que se vê na foto acima. Colecionar títulos, porém, pode ser um prazer, e, para quem é obrigado a fazê-los, um consolo.

No ofício há um bocado de tempo, vi engordar uma coleção formada por preciosidades e por barbaridades (nenhuma delas, vou avisando, de minha autoria). Quanto a estas, meu colega e amigo Carlos Brickmann bem podia reunir em livro as antipérolas que há anos vem publicando em sua coluna semanal no site Observatório da Imprensa.

Eu poderia falar de títulos felizes - como este de Guilherme Cunha Pinto no Jornal da Tarde: 'Morreu Picasso - se é que Picasso morre'. Ou aquele outro, de Marco Antônio Lopes na Playboy, para uma reportagem sobre atores de filmes pornô: 'Gente que faz'. Ou, ainda, o de Fernando Paiva, incumbido, na redação da Elle, de botar título num artigo sobre o palpitante tema da... farinha de trigo. Eu estava lá e vi nascer a preciosidade: 'A jóia do trigo'.

Mais alguns? Vamos lá. No Jornal da Tarde dos primeiros tempos, em reportagem sobre se ainda havia quem acreditasse no chamado Bom Velhinho, o afiado redator Carmo Chagas cravou esta maravilha: 'Papai Noel existe. Está até morrendo.' Na IstoÉ, nos anos 80, um disco supostamente repetitivo foi avaliado como 'Déjà-Lee'. 'Cuidado, tinta fresca', advertiu Cassiano Elek Machado no topo de reportagem da Piauí sobre falsificação de quadros a óleo. Em 1970, no primeiro número da inesquecível Bondinho, revista recheada de estimulantes ousadias jornalísticas e comportamentais, um título conseguiu descrever a sensação vertiginosa de escorregar num brinquedo que era então novidade: 'Tobogã, lá vou eu sem mim'. No dia em que a seleção brasileira enfrentaria em casa um adversário vindo do outro lado do mundo, o Correio Braziliense recomendou: 'Abre o olho, japonês!' Ante a inesperada derrota, foi preciso ajoelhar no milho na edição seguinte: 'Japonês abriu o olho'.

A lista de bons títulos, benza Deus, é extensa - mas desconfio de que você gostaria mais de visitar a outra ala da coleção, a das barbaridades. Inclui clássicos manjados como 'Cachorro fez mal à moça', sobre a senhorita que baixou no hospital depois de comer um cachorro-quente vencido, ou 'Violada no auditório', sobre a célebre noite de 1967 em que, num festival de música, Sérgio Ricardo arremessou o violão na plateia que o vaiava.

Feliz ou infelizmente, há muito mais nessa divertida galeria de horrores jornalísticos. Me lembro de ter lido na capa de um suplemento agrícola: 'O porco, esse desconhecido'. Como não li a matéria, pois o título já me bastou, nosso irmão suíno continua a ser, para mim, um enigma que grunhe.

Na minha adolescência belorizontina, saiu notícia num jornal de Minas sobre a doença que mataria um dos maiores romancistas brasileiros. O título, em uma coluna, empilhava cinco palavras, e uma delas, por acidente ou dolo, mudou de lugar, daí resultando um desastre que, de quebra, lançou dúvida sobre a natureza da enfermidade: 'José Lins enfermo do Rego'. O mesmo jornal, anos mais tarde, ao informar sobre o estado de saúde do homem forte da então Iugoslávia, saiu-se com esta: 'Morte de Tito é questão de tempo'.

'Quando menos se espera, chega o Natal', anunciou um jornal de que já não me lembro. Numa chamada de capa sobre Caetano Veloso e o carnaval, o redator da revista Visão Espírita não teve dúvida: 'Atrás do trio elétrico também vai quem já 'morreu''. No alto de uma entrevista com a escritora lésbica Cassandra Rios, por muito tempo vítima da censura, a revista TPM lascou: 'A perseguida'. Nos anos 90, a imprensa de São Paulo serviu ao leitor bizarrias como 'Fala entre sexos é dificultada pelo cérebro'; 'Sanguessuga cruza em hipopótamo'; 'Sexo reduz expectativa de vida de verme'; 'Pássaro tem pênis falso e é o único a ter orgasmo'.

Minha barbaridade predileta, porém, foi obra do falecido Notícias Populares, por ocasião do acidente em que Nelson Piquet teve um pé esmagado. Para reconstituí-lo, os médicos usaram tecido retirado das nádegas do piloto. Você adivinhou: 'Piquet dá a bunda para não perder o pé'.

Governos concentram, não distribuem renda - SUELY CALDAS


O ESTADÃO - 20/11/11


A mais chocante das realidades que emergem do Censo Demográfico do IBGE é a da péssima e injusta distribuição da renda nacional, a desumana desigualdade social, o abismo entre ricos e pobres. Nas últimas três décadas de Censo (1990, 2000 e 2010), o IBGE vem captando gradativas melhorias. Algumas, motivo de festejo, como o número de computadores nos lares (que saltou de 10,6%, em 2000, para 38,3%, em 2010); outras, mais lentas (embora urgente, a qualidade da educação está neste grupo). Mas a concentração da renda persiste quase inalterada e dela derivam os atrasos sociais que colocam o Brasil no 84.º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), muito atrás do Chile (44.º), da Argentina (45.º) e de outros 17 países da América Latina.

Com o poder de regular o setor privado da economia, concentrar e aplicar 35% de toda a renda nacional obtida com a arrecadação de tributos, os governos têm responsabilidade central na distribuição da renda do País. E desde sempre têm distribuído mal, privilegiando ricos e penalizando pobres. Governar é escolher, decidir onde aplicar verbas públicas. Sustentar uma máquina cara, inflada por 38 ministérios que poderiam ser reduzidos à metade, é escolher gastar muito do Orçamento da União com estruturas e salários de seus funcionários, consciente de que faltará dinheiro para investir em saneamento, educação, saúde e segurança.

Quando passou de 25 para 38 o número de ministérios, o ex-presidente Lula escolheu concentrar gastos no funcionalismo, em detrimento de áreas mais carentes, e reforçar uma enorme anomalia: entre todas as unidades da Federação, Brasília é a cidade mais pobre na produção de riquezas (quase não há indústrias nem agricultura) e a mais rica em renda per capita: a renda média por domicílio (R$ 4.635,00) é a mais alta do País, quase o dobro da segunda colocada, São Paulo, com R$ 2.853,00. É uma cidade que vive do dinheiro público. Nos gastos com aposentadoria o privilégio é ainda mais gritante: enquanto o governo vai gastar este ano R$ 40 bilhões para cobrir o déficit do INSS e garantir a aposentadoria de 28 milhões de trabalhadores privados, vai despender R$ 50 bilhões com o mesmo fim para só 950 mil funcionários públicos.

E como a renda é concentrada no funcionalismo, o Distrito Federal é também o mais desigual dos Estados brasileiros, onde convivem pobres, desempregados ou que trabalham no setor privado e ricos funcionários do governo, sobretudo os vinculados ao Judiciário e ao Legislativo, cujos salários e aposentadorias são mais gordos. Segundo o Censo de 2010, o índice Gini (quanto mais próximo de 1, pior a distribuição da renda) em Brasília é o pior do País (0,591) distante da média brasileira (0,526) e mais ainda de Santa Catarina (0,455), Estado que melhor distribui renda.

Quando o governo escolhe aumentar verbas para universidades públicas e encolhê-las para o ensino fundamental, está privilegiando ricos que conseguem chegar à faculdade e penalizando crianças pobres, analfabetos funcionais que recebem educação de péssima qualidade, além de jovens que, sem condições financeiras, deixam a escola para trabalhar. As universidades têm meios de faturar com pesquisas para empresas privadas; escolas do ensino básico não têm como vender conhecimento, dependem unicamente de dinheiro público.

Outra má escolha ocorre quando o governo decide sobre renda tributária e investimentos: enquanto aplica só R$ 7,5 bilhões em saneamento básico para atender um país onde só 55% dos municípios coletam esgoto, este ano vai deixar de arrecadar R$ 116,1 bilhões isentando ou reduzindo tributos de empresas e instituições ricas. Ou seja, além de escolher mal, age na contramão do progresso social e acentua as desigualdades.

Enquanto essas anomalias não forem corrigidas e governos e a classe política não redirecionarem gastos sociais para os mais pobres, a concentração da renda vai persistir, e no Censo de 2020 o IBGE pode até captar melhorias, mas vai continuar apresentando dados alarmantes de pobreza, violência e carência em saúde, educação e segurança.

A moral do dinheiro - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 20/11/11


Em tempos de "indignados" acampados em praças ao redor do planeta, cuja mais perfeita tradução é o "Ocupem Wall Street", que de Nova York se espalhou por diversas cidades dos Estados Unidos e do mundo, nada mais atual do que a exposição "Dinheiro e Beleza. Banqueiros, Botticelli e a fogueira das vaidades", em exibição até 22 de janeiro no belíssimo Palazzo Strozzi, um dos mais finos exemplos da arquitetura da Renascença, no centro de Florença, na Itália.

Um dos aspectos abordados na exposição é a usura, que desde a Antiquidade até hoje separa a economia da moralidade, no centro dos debates dos "indignados" atuais, que consideram que o capitalismo precisa de regulamentações e amarras contra a especulação financeira.

Os curadores da exposição, Ludovica Sebregondi e Tim Parks, têm visões distintas a partir de suas origens: ela é uma historiadora com formação católica, ele um jornalista protestante. Seus textos, nos quais me baseei para escrever esta coluna, orientam toda a exposição. A partir da criação do florin de ouro, em 1252, que se transformou na principal medida de valor em toda Europa, trazendo para Florença grande prestígio e provando-se importante trunfo para os comerciantes e banqueiros da cidade, a exibição percorre dois séculos e meio "da mais resplandecente época da história de Florença", que experimentou nesse período rápido desenvolvimento econômico.

A atividade de emprestar dinheiro era das poucas permitidas aos judeus - a outra era a medicina -, e sempre foi vista de maneira negativa.

Nessa tensão, "doações para a salvação da alma" tornaram-se comuns, dirigidas à caridade ou às artes. A Igreja tinha preocupação de proteger pessoas em dificuldades financeiras, e os franciscanos, a partir de 1462, ajudaram a estabelecer instituições que impediam a usura.

O famoso óleo de Marinus van Reymerswaele, de 1540, "Os usurários", do Museu Stibbert de Florença, faz parte da exposição.

As imagens de usurários queimando no fogo do inferno perturbavam tanto emprestadores quanto tomadores de empréstimos.

A "carta de troca" surgiu para permitir que fosse dado um empréstimo em troca de pagamento de juros sem que parecesse usura. Por mais de 200 anos ela permitiu a banqueiros lucrarem sem se sentirem usurários. Funcionava assim: se alguém queria trocar florins por libras inglesas, por exemplo, os florins eram dados em Florença e as libras recebidas em Londres.

A viagem para Londres demorava 90 dias, e nesse período, a taxa de troca se alterava, produzindo lucro. Muitas vezes nem era preciso viajar.

Outro quadro de Marinus van Reymerswaele, "O cambista e sua mulher", de 1540, do Museu Nacional de Bargello, em Florença, também está na exposição, e já mostra uma mudança na percepção.

O cambista já não é uma figura grotesca como no quadro "Os usurários". A "carta de troca" tornou-se o principal instrumento de crédito e financiava o comércio internacional. Os banqueiros passaram a atuar também como comerciantes.

Segundo a curadora Ludovica Sebregondi, a tensão entre a exigência da Igreja de sobriedade e o amor pelo luxo produziu obras de artes sublimes nos séculos XIV e XV.

O estabelecimento de uma moeda como medida de valor de todas as coisas, ao mesmo tempo em que permitiu comparações entre, por exemplo, um barril de vinho e uma prece por um ser amado doente, trouxe uma sensação de desconforto, especialmente porque na época as diferenças sociais eram tidas como expressões da vontade divina.

Eram frequentes as queixas no século XIV de que um camponês podia usar seu dinheiro para mudar-se para um local melhor ou até mesmo "abrir as portas do paraíso".

O livre uso do dinheiro ameaçava ao mesmo tempo o status quo e a metafísica cristã, ironiza Tim Parks, outro dos curadores da mostra.

Um exemplo dessa tensão é o quadro de Botticelli "Madona e a criança", pintado para ajudar as preces de um cliente privado, coisa que só os muito ricos podiam pagar. A Madona, embora tenha dado à luz em uma manjedoura, está ricamente vestida.

A partir do século XIII, com a disseminação do comércio e das demandas de consumo, os símbolos de riqueza foram se multiplicando, e aumentando também aqueles que tinham condições de exibir sua riqueza, criando uma tensão com os ensinamentos da Igreja que definiam as classes sociais como desejos divinos.

Foi então baixada uma legislação que pretendia limitar a exibição da riqueza não apenas em roupas e ornamentos, mas também em festas, banquetes, batismos e funerais.

O século XIV trouxe duas novidades: cavaleiros, doutores, médicos, juízes e suas mulheres tinham permissão de ostentar suas riquezas, e tornou-se aceitável que se burlasse a lei desde que se pagasse uma multa, o que ajudava a encher os cofres públicos.

A crise da sociedade Florentina no final do século está ligada à disputa entre os Medici e o frade Girolano Savonarola. A luta entre Lorenzo e o frade de Ferrara marca o final do século XV.

Uma das peças mais bonitas da exposição é "Cristo crucificado", uma têmpera em molde pintado dos dois lados por Botticelli, de 1496, que tem tudo a ver com a pregação de Savonarola. Em 1497 e 1498 ele organizou duas fogueiras de coisas "vãs, lascivas e desonestas" na Piazza della Signoria em Florença. A polêmica que contribuiu para a sua derrocada e execução.

Para a Igreja na época, o usurário peca porque vende o intervalo de tempo entre o momento em que empresta o dinheiro e o recebe de volta, com lucro. Ele, portanto, negocia o tempo, que pertence a Deus. Mas havia exceções: Tomás de Aquino estabeleceu as condições para que contratos legítimos pudessem cobrar juros, e Bernardino de Siena fez a distinção entre um usurário e um banqueiro, cujo negócio permitia a circulação da riqueza, ainda hoje base do sistema financeiro.

Condenada pela Igreja, que proibia a reprodução do dinheiro sem a produção ou transformação de bens, a usura provoca a pergunta no ar até hoje: onde acaba a compensação justa e começa o lucro que destrói vidas?

Outubro frio e recessões - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 20/11/11


Outubro foi tão ruim quanto o de 2003 para emprego formal; indústria de São Paulo emprega menos


Foi o pior outubro para o emprego formal desde a crise de 2008, a gente ouvia ou lia na sexta-feira dos noticiários "em tempo real", em rádios e em TVs, baseados em números absolutos e na narrativa oficial.

Mas o crescimento de outubro de 2011 foi o menor em quase uma década, em termos relativos, praticamente tão ruim quanto o outubro do ano de estagnação de 2003.

Como de costume o emprego formal estaciona em novembro e despenca em dezembro, o ano terminou para o trabalho com carteira assinada. Ou melhor, para o saldo de novos empregos (contratações menos demissões).

Um mês sozinho de estatística não faz um verão nem um inverno recessivo. O resultado do mês passado, ainda assim, equivale à chegada de uma intensa frente fria.

Parece um exagero chamar a atenção para o péssimo resultado da criação de empregos formais de outubro quando a taxa de desemprego brasileira (na verdade, para meia dúzia de regiões metropolitanas) é a mais baixa provavelmente em mais de 20 anos.

"Provavelmente", explique-se, porque não é possível comparar de modo preciso a taxa de desemprego medida a partir de 2002 com dados anteriores (a metodologia mudou).

Mas se esqueça a história e se considere a "a margem": os dados mais recentes. O mergulho foi rápido. O efeito da política econômica mais restritiva do início do ano somada ao choque de confiança derivado da crise europeia é mais intenso do que o previsto.

Observe-se a situação da indústria. Apanhava devido ao câmbio (ao real forte) desde 2010; sofreu mais com o aperto no crédito. De janeiro a setembro, a produção industrial subiu apenas 1,1% (ante o mesmo período de 2010). Mais ou menos um terço do crescimento do conjunto da economia.

As indústrias de São Paulo e de Minas Gerais estão em recessão, digamos, pois encolheram no segundo e terceiro trimestres do ano. A do Rio de Janeiro encolheu no primeiro semestre do ano e cresceu pouco no trimestre passado.

Está um massacre nas indústrias gráfica, de papel, calçados, couro, madeira e vestuário, nas quais o número de empregos diminui. Nas indústrias têxtil, química, de borracha e plásticos, há estagnação.

Em São Paulo, com um terço da indústria nacional, caiu o número de empregos industriais neste ano. São Paulo, aliás, ajudou e bem a afundar o crescimento do emprego formal no país, em outubro.

Agosto, setembro e outubro são meses de reforço no pessoal da indústria, que mira a produção para as vendas de festas de fim de ano. Faltam os dados oficiais de outubro ainda, mas as estimativas são de estagnação nesse período.

Não é, claro, o caso de dizer que o país escorrega para uma crise típica dos anos 1990, digamos, ou para uma rateada como a vista em 2008, devida à explosão da crise americana.

No mínimo, como remédio de curto prazo, há muita taxa de juros para cortar, e as contas públicas e externas estão em certa ordem, precária e remendada, mas em ordem.

Porém, daqui até meados de 2012, o clima vai ser frio como esta primavera deste ano aqui no sul do país.

Ou pior, se a recessão for glacial na Europa.

Alguém quem? - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 20/11/11

Faz muitos anos. Eu estava assistindo a um show do Living Colour, som pesado que fazia tremer as paredes de um pequeno ginásio da cidade. Guitarras, sonzeira, mal dava para se falar com a pessoa ao lado.

Foi quando resolvi dar uma espiada na tal pessoa ao lado: era uma mulher com um bebê de colo que não deveria ter mais do que quatro meses. Fiquei maluca. O que aquela criança fazia em meio a uma poluição sonora que era atordoante até para adultos?

Sem falar que na época se fumava à vontade em ambientes fechados. Não resisti e, entre uma música e outra, perguntei: você acha que esse é um local adequado para um bebê? Ela poderia ter me mandado longe, já que eu estava me metendo onde não devia, mas foi educada e respondeu que sabia que não, porém ela era muito fã do Living Colour e não tinha quem pudesse ficar em casa cuidando da sua filhinha. Respondi: que tal você mesma?

Ela me deu as costas e trocou de lugar.

Essa história me veio à lembrança depois que li no blog de uma leitora um caso semelhante. Ela e a mãe estavam passando de carro por uma rua, quando viram um senhor de cabelos brancos ajoelhado junto à sua bicicleta, tentando consertá-la. As duas viram a cena e ficaram com pena do homem. Comentaram: “Coitado, alguém tem que ajudá-lo”. Rodaram mais uns metros e então frearam bruscamente. “Ora, por que não nós?”

Deram meia-volta e descobriram que o senhor de cabelos brancos não era tão senhor, e sim um rapaz precocemente grisalho, e que ele estava com quase tudo já resolvido. Recusou a ajuda, agradeceu a gentileza e ofertou às duas seu melhor sorriso. O sorriso de quem sabe que pode contar com alguém, seja esse alguém quem for.

Alguém. Uma entidade a quem confiamos a solução de todos os nossos problemas. Alguém tem que dar um jeito no país. Alguém tem que mandar arrumar a máquina da lavar. Alguém tem que pensar no futuro das crianças. Alguém tem que se mexer, alguém tem que providenciar, alguém tem que ver o que está acontecendo. Mas como ele fará isso por você, sendo alguém tão ocupado?

Na hora de falar, nos anunciamos como muito capazes, mas quando a teoria necessita ser posta em prática, somos os primeiros a transferir responsabilidades. Talvez porque preservamos uma certa arrogância de senhor do engenho, que acredita que o servilismo de seus criados é que faz a roda do mundo girar.

Talvez por egoísmo: para que sujar minhas mãos se outro pode fazer o mesmo? Talvez tenha a ver com pouca autoestima: canto de galo, mas no fundo não presto para nada. Seja o motivo que for, estamos sempre esperando que Alguém se apresente para a tarefa que julgamos não ser nossa. Abrimos mão do protagonismo em prol de uma coadjuvância acomodada e maléfica para a sociedade. Pois é, e agora? Alguém tem que fazer alguma coisa

Procura-se uma cozinheira - DANUZA LEÃO


FOLHA DE SP - 20/11/11

Apesar do tom brincalhão, Nizan publicou um anúncio, em espaço nobre, procurando uma cozinheira


Quando, na última quarta-feira, comecei a ler a coluna de Fernando Rodrigues, aqui na Folha, logo no primeiro parágrafo pensei: "Ah, achamos a mesma coisa; Nizan não podia ter usado o espaço do jornal para um assunto pessoal, isto é, para encontrar uma cozinheira". Mas quando continuei a leitura, vi que não era bem por aí.

Tenho grande admiração por Fernando Rodrigues, acho Nizan um superprofissional, não sou amigona de nenhum dos dois, mas já que Fernando se manifestou sobre a coluna do Nizan, me dou ao direito de me manifestar sobre a coluna de um e de outro.

Apesar do tom brincalhão, Nizan na verdade publicou um anúncio, em espaço nobre, procurando uma cozinheira -e imagino que muitas devem ter aparecido querendo trabalhar em sua casa. Mas é o tal negócio: quem precisa dos serviços de alguém põe um anúncio e paga por ele.

No caso -no meu entender- foi um abuso, pois os jornais vivem de seus espaços publicitários e, claro, Nizan não pagou nada; aliás, deve ter recebido para escrever a coluna. É um problema de não misturar as bolas: opinião é opinião, anúncio é anúncio.

Vamos agora à coluna de Fernando.

Não existe, em português, a tradução exata para "chef de cuisine". Depois que a gastronomia entrou na moda (no Brasil), os restaurantes estrelados têm "chefs de cuisine" famosos, que aparecem na imprensa e viram celebridades. Sempre foi assim em outros países, por aqui é mais recente.

Imagino que uma pessoa rica, que tem uma casa grande e pode arcar com a despesa, gostaria muitíssimo de ter um "chef de cuisine" em casa, mas só se costuma chamar de "chef" quem trabalha em restaurante. Uma cozinheira é considerada como alguém que tem uma profissão "menor", mas ser "chef" -no masculino- pode e é até chique.

Quando Fernando diz que, ao escrever "procura-se uma cozinheira", Nizan mostra "como é resiliente o velho Brasil no nosso cotidiano", e que "até em cabeças como a dele sobrevive um pedaço renitente do Brasil antigo e profundo", nosso grande jornalista, querendo denunciar o preconceito, acabou sendo preconceituoso, logo ele.

Ser cozinheira é uma excelente profissão; uma profissão nobre, pois a culinária de um país é parte importante de sua cultura, e foi descascando legumes que começaram todos os célebres "chefs de cuisine".

Muitos deles são, hoje, donos de restaurantes, os mais talentosos têm filiais em várias capitais do mundo, e lançam produtos com seu nome no rótulo. Uma boa cozinheira vale ouro, e ganha mais do que muitas executivas de grandes empresas. Ter um dom é uma coisa preciosa, seja ele escrever, fazer publicidade ou cozinhar.

E aí chegamos aos politicamente corretos; de uma pessoa que gosta de ficar em casa, que pouco sai, que aprecia seu lar, diz-se que tem índole doméstica. Por outro lado, quem tem um emprego, seja ele qual for, é empregada/o. Então, se uma mulher trabalha dentro de um recinto doméstico, é uma empregada doméstica, não uma "secretária do lar".

Qual a ofensa em ser chamada de empregada? No meu entender, nenhuma. Por que razão "funcionária" ou "secretária" pode, e "empregada" não? Eu me considero uma empregada da Folha; não é ela que me emprega? Ora, ora, são apenas palavras.

Queria eu ter uma casa enorme -e os meios- para ter uma maravilhosa cozinheira, e, se ela fosse baiana, melhor ainda. Já tive uma, Lizete, que importei de Salvador, e lembro com saudades do tempo em que melhor comi na vida.

É o que eu tinha a dizer, apenas uma opinião.

Estátuas - LUIS VERNANDO VERISSIMO


O ESTADÃO - 20/11/11

Há uma estátua do Carlos Drummond de Andrade sentada num banco da praia de Copacabana, uma estátua do Fernando Pessoa sentada em frente ao café A Brasileira, em Lisboa, uma estátua do Mario Quintana sentada num banco da Praça da Alfândega de Porto Alegre. Salvo um cataclismo inimaginável, as três estatuas jamais se encontrarão. Mas, e se se encontrassem?

– Uma estátua é um equivoco em bronze – diria o Mario Quintana, para começar a conversa.

– Do que nos adianta sermos eternos, mas imóveis? – diria Drummond.

Pessoa faria “sim” com a cabeça, se pudesse mexê-la. E acrescentaria:

– Pior é ser este corpo duro sentado num lugar duro. Eu trocaria a eternidade por uma almofada.

– Pior são as câimbras – diria Drummond.

– Pior são os passarinhos – diria Quintana.

– Fizeram estátuas justamente do que menos interessa em nós: nossos corpos mortais.

– Justamente do nosso exterior. Do que escondia a poesia.

– Do que muitas vezes atrapalhava a poesia.

– Espera lá, espera lá (Drummond) Minha poesia também vinha do corpo. Minha cara de padre era um disfarce para a sensualidade. Minha poesia dependia do corpo e dos seus sentidos. E o sentido que mais me faz falta, aqui em bronze, é o do tato. Eu daria a eternidade para ter de volta a sensação na ponta dos meus dedos.

Pessoa:

– O corpo nunca ajudou minha poesia. Eu e meus heterônimos habitávamos o mesmo corpo, com a sua cara de professor de geografia, mas não nos envolvíamos com ele. Nossa poesia era à revelia dele. E fizeram a estátua do professor de geografia.

Quintana:

– Pra mim, o corpo não era nem inspiração nem receptáculo. Acho que já era a minha estátua, esperando para se livrar de mim.

– Pessoa – diria Drummond –, estamos há meia hora com você nesta mesa do Chiado, e você não nos ofereceu nem um cafezinho.

– Não posso – responderia Pessoa. – Não consigo chamar o garçom. Não consigo me mexer. Muito menos estalar os dedos.

– Nós também não...

– Não posso reagir quando sentam à minha volta para serem fotografados, ou retribuir quando me abraçam, ou espantar as crianças que me chutam, ou protestar quando um turista diz “Olha o Eça de Queiroz”...

– Em Copacabana é pior – diria Drummond. – Fico de costas para a praia, só ouvindo o ruído do mar e o tintilar das mulheres, sem poder me virar...

– Pior, pior mesmo – diria Quintana – é estar cheio de poemas ainda não escritos e não poder escrevê-los, nem em cima da perna.

Os três concordam: o pior é serem poetas eternos, monumentos de bronze à prova das agressões do tempo, fora poluição e vandalismo – e não poderem escrever nem sobre isto.

As estátuas de poetas são a sucata da poesia.

E ficariam os três, desolados e em silêncio, até um turista apontá-los para a mulher e dizer.

– O do meio eu não sei, mas os outros dois são o Carlos Gardel e o José Saramago.

Ueba! Peripécias do Lupinóquio! - JOSÉ SIMÃO


FOLHA DE SP - 20/11/11

Buemba! Buemba! Macaco Simão urgente! O esculhambador-geral da República!
Direto do planeta da piada pronta: sabe quem inventou o chuveiro? Um francês chamado Merry de Labost. Devia ter inventado a privada, e não o chuveiro! E francês inventar o chuveiro é piada pronta.

Piada pronta é essa. Ministro do Trabalho disse: "Só saio abatido à bala". E apareceu a bala. Sabe o nome do aliado que enrascou ele? BALA Rocha! Deputado pelo Amapá. Só saio abatido pelo Bala Rocha.

E a Britney? Quando ela transa, atinge o orgasmo ao vivo ou em playback? Em playback. Deixa gravado de véspera. E eu acho que ela tem voz de chiclé de bola! Voz e corpo de chiclé de bola! Rarará!

E eu tenho a foto de uma coisa inédita: um posto de saúde no Maranhão que não se chama Sarney, mas "posto de saúde do saquinho". Ou então o apelido dele na região é Saquinho. Saquinho de bigode!

E escândalo na Esplanada dos Ministérios é como caixa de lenço de papel: você puxa um e vêm logo três. Você nunca consegue puxar um só! E sabe por que tá caindo tanto ministro? É que eles lavaram a rampa e esqueceram de tirar o sabão.

E o personagem da semana: ministro do Trabalho, o Lupi. Aquele que deu um "looping". Adoro! Ele parece história em quadrinhos. Ele tem cara de GULP. Sabe aquele balões de quadrinho, escrito "gulp"? Tem cara de quem soltou pum na classe. Disse que só saía abatido à bala e que ama a Dilma. Como é o nome do filme? "Amor à Prova de Balas"! Direção: Zé do Caixão! E ele disse: "Eu não menti, não tenho memória absoluta". Ele tem amnésia galopante: "Quem é Dilma? O que é avião? ONG ESTOU?". Rarará!

Eu acho que ele só queria sair depois de receber o 13º. Ele tem cara de quem acabou de engolir um caramujo! E adorei o apelido que o chargista Dalcio deu pro Lupi: Lupinóquio. As peripécias do Lupinóquio. Rarará! E esse ministro do Trabalho é tão comédia que não vai lhe faltar trabalho. No "Zorra Total"! No metrô das travas! Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

E sabe por que o Lula ficou careca e sem barba, mas deixou o bigode? O chargista Clayton sabe: "Galega, deixa o bigode pra não ficar parecido com o Serra". Rarará! O pior efeito colateral seria ficar parecido com o Serra! Rarará!

E mais predestinados! O novo primeiro-ministro da Itália é um predestinado: Mario Monti. Monti de dívidas! E a vencedora do concurso de pole dance: Maria Luiza Escalante. Escalante o mastro de pole dance!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

O mestre do método científico - MARCELO GLEISER


Folha de S. Paulo - 20/11/11

O protagonista da série "House" é defensor da dedução lógica para chegar a uma conclusão racional
Imagino que a maioria de vocês conheça a megassérie da Fox, "House", agora em seu oitavo ano. Para quem não conhece, o enredo é mais ou menos assim: em um hospital perto de Princeton, nos EUA, trabalha o genial e genioso Dr. Gregory House -representado magistralmente por Hugh Laurie-, líder de um time de médicos especializados em diagnósticos complicados, aqueles que nenhum outro médico consegue decifrar.
À sua incrível intuição, o doutor House une sua irreverência e um conhecimento enciclopédico do corpo humano e de suas sutilezas. Excêntrico, não confia em ninguém, principalmente nos seus pacientes. Ele é um modelo do cientista dedicado à aplicação do método científico, defensor da dedução lógica para se chegar a uma conclusão racional. Na série, o rei é o método empírico.
Um paciente chega com uma série de sintomas misteriosos. House e seu time começam suas investigações, tentando antes as explicações mais óbvias. Em geral, estas falham e eles têm de pensar mais profundamente e, muitas vezes, de forma não convencional, sobre quais são as causas dos sintomas.
O primeiro passo é combinar toda a evidência disponível. Sua arma básica é o ceticismo. Fazem baterias de testes, coletando mais dados, tentando decifrar o quebra-cabeça. Uma causa plausível deve conectar todos os sintomas, dando sentido aos dados. De certa forma, cada diagnóstico é uma descoberta, uma ponte conectando informação de modo inesperado e inovador.
A ciência de ponta muitas vezes funciona da mesma forma: dados são obtidos, conexões são buscadas, hipóteses são construídas e testadas, comparando-as aos dados experimentais. Se funcionam, isto é, se explicam o que está ocorrendo, são aceitas preliminarmente até mais dados serem colhidos.
O processo de teste é contínuo, até que haja suporte suficiente para a hipótese. Ela é então aceita, até que novos dados possam vir a contradizê-la. A ciência avança por meio de seus fracassos. Novas ideias são necessárias quando as velhas não podem explicar as observações. Portanto, não há explicações finais, apenas explicações melhores.
Em "House", e na medicina em geral, quando uma hipótese diagnóstica é considerada razoável, medicação é receitada para curar a doença. Se funciona como é previsto, ótimo: o paciente fica curado e o médico vai em frente, tentando curar outros. Se não funciona, o processo começa outra vez. Na série, novas ideias são discutidas em reuniões de grupo, onde sintomas e resultados de testes são comparados e discutidos, hipóteses são propostas e debatidas em conjunto. Essas discussões são essenciais para que novas ideias surjam. Na pesquisa, é muito comum que ideias nascidas como conjecturas ganhem corpo e expressão. Mesmo que o doutor House em geral tenha razão, o processo é válido, e imita o que ocorre em laboratórios e centros de pesquisa pelo mundo afora.
Claro, o doutor que cura os outros não sabe como se curar. Ou não quer. É difícil combinar objetividade e subjetividade, algo que imagino que muitos telespectadores saibam. Talvez devamos ouvir as sábias palavras de Sócrates, que há mais de 24 séculos já dizia que o essencial é conhecer a si mesmo.

Novo paradigma? - AMIR KHAIR


 Estado de S.Paulo - 20/11/11

Creio estar em marcha há algum tempo um novo paradigma para o desenvolvimento do sistema capitalista. Volto hoje ao tema que abordei em artigo em abril de 2010, Olhando para o Futuro, procurando desenvolvê-lo um pouco mais face aos possíveis desdobramentos da crise europeia. Em síntese o artigo se baseou no fato de haver um descolamento crescente no crescimento dos países emergentes face aos desenvolvidos. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), na média anual, entre 2000 e 2007, antes da crise do Lehman Brothers, os países desenvolvidos cresceram 2,4% e os emergentes 6,3%, ou seja, 3,9 pontos mais. Com a crise de 2008, o afastamento se ampliou para 5,2 pontos.

A crise europeia pode ampliar ainda mais essa diferença entre os países emergentes e os desenvolvidos.

Como avaliado no artigo, "este processo vem ocorrendo há vários anos em decorrência da expansão natural do capital na direção da minimização de custos de mão de obra e de localização da expansão geográfica do consumo mundial, que se dá em favor dos países emergentes".

A decorrência dessa alocação do capital é a progressiva transferência de empregos dos países desenvolvidos para os emergentes, com uma incorporação sem precedentes de novos consumidores, o que reforça ainda mais os movimentos do capital para esses últimos. A maior demanda por mão de obra nos países emergentes aumenta empregos e salários nesses países. Em contrapartida, reduz empregos e salários nos países desenvolvidos, aprofundando sua crise pela redução do consumo, gerando estagnação/recessão. Tem-se um círculo virtuoso nos países emergentes e vicioso nos desenvolvidos.

Outra consequência se dá na redução do diferencial de salários dos trabalhadores entre os países emergentes e desenvolvidos. Esse processo poderá continuar por vários anos rumo a padrões internacionais de salários, com ampliação da base de consumo em escala global. Segundo estudo da OCDE, a classe média no mundo passaria dos atuais 1,8 bilhão para 3,2 bilhões em 2020 e 4,8 bilhões em 2030.

Acelerando esse processo, tem-se a crise europeia, que se mostra aguda e duradoura. No lado financeiro, ocorre exposição dos bancos europeus em títulos soberanos de difícil resgate, face à péssima situação fiscal de países da zona do euro. A solução imposta a esses países pelo FMI, Banco Central Europeu e União Europeia foi a redução das despesas públicas e redução dos direitos da população. Isso não funcionou, aprofundando a recessão, com queda da arrecadação superior à redução das despesas públicas, ampliando ainda mais as dívidas desses países.

A crise se espalha e agora atinge a Itália, que é o maior devedor do bloco, com compromissos de 1,9 trilhão, valor superior à soma das dívidas de Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia e que está sendo rapidamente abandonada pelos investidores. Isso leva ao afastamento mais rápido do capital desses países rumo aos países emergentes, que ainda mantêm bom nível de crescimento.

Outra tendência, de caráter mais geral se dá na crise do sistema financeiro nos países desenvolvidos, que sente cada vez mais o golpe da sua falta de regulamentação. Ele é vítima da sua própria resistência em ter regras que levem a uma situação de menor risco nas suas operações. Nos países emergentes, devido às crises pelas quais passaram, os controles sobre o sistema financeiro são mais rígidos, preservando-o mais.

Assim, tanto pelo lado comercial, quanto pelo financeiro, vai se consolidando o deslocamento crescente dos capitais dos países desenvolvidos para os emergentes.

China, Índia e Brasil são hoje os líderes do crescimento mundial. São países que apresentam acentuado crescimento de consumidores, sendo que as políticas econômicas desses países estão se consolidando na direção da expansão de seus mercados internos.

A procura por mão de obra nesses países é crescente e deverão continuar expressivos aumentos de valor na massa salarial. Caso os governos desses países mantenham políticas públicas voltadas para redistribuição de renda, ampliação de recursos para as áreas sociais, reduções de custos de necessidades básicas - alimentação, transporte público e moradia - e investimentos em infraestrutura, estarão dadas condições para aceleração desse processo.

Quanto à tendência do câmbio, dependerá da movimentação internacional do capital, ou seja, fluirá dos países desenvolvidos para os emergentes, apreciando suas moedas. Caso não sejam impostas barreiras fiscais e/ou de restrições de prazos de permanência, como já fazem alguns países emergentes, a perda de poder competitivo desses países poderá ficar comprometida. Há, no entanto, uma ótima oportunidade para ganhos fiscais na tributação de capitais especulativos externos.

Por outro lado, pode-se esperar uma fase prolongada de dificuldades econômicas, sociais e políticas em parte dos países desenvolvidos, especialmente naqueles onde ocorreram consumos públicos e privados de forma artificial, ancorados nos financiamentos concedidos pelos demais países. Em consequência, os empregos e salários deverão sofrer ajustes para adaptar seus consumidores às reais possibilidades de consumo. Em síntese, a nova direção aponta para uma readequação desses países à nova realidade internacional.

Confirmando-se essa hipótese, os países com maior crescimento econômico poderão melhorar o nível de suas contas públicas, beneficiados por ampliações de receitas devido ao aumento do consumo, da massa salarial e do lucro das empresas. Desta forma, poderão obter novas fontes de recursos próprios para ampliar suas políticas sociais, de distribuição de renda, inclusão e de investimentos em infraestrutura.

Por outro lado os países desenvolvidos que estão com dívidas e déficits fiscais elevados poderão ter restrições de despesas e dificuldades na arrecadação. Possivelmente, os elevados déficits não poderão contar mais com financiamentos a baixas taxas de juros praticadas no passado, pois os credores poderão ser mais exigentes, dificultando o equacionamento dos seus endividamentos e déficits fiscais. É o que está ocorrendo na zona do euro, atingindo por enquanto Portugal, Irlanda, Grécia, Itália e Espanha.

Em síntese, a nova conformação do sistema capitalista poderá se orientar para um enfraquecimento relativo dos países desenvolvidos face aos emergentes, que serão apoiados em uma sociedade de consumo de escala maior, onde o poder de compra será conduzido pela maioria da população com renda mais elevada do que os padrões atuais.

Caso haja coerência entre as políticas econômicas e sociais, os índices de desenvolvimento humano (IDH) poderão se aproximar entre os países, resultando em melhores índices de condições de vida da extensa população atualmente excluída.

Quem sabe, esse novo paradigma seja uma das possibilidades de se ter uma transição rumo a uma sociedade mais justa, democrática e equilibrada na distribuição dos frutos da geração de renda e riqueza. Só o futuro dirá.

Anti expressionismo - ELISANGELA ROXO


FOLHA DE SP - 20/11/11

Exageros na plástica e no botox dificultam a identificação de emoções no rosto de atores de novelas


Está cada vez mais difícil definir se o que se assiste na TV é drama ou comédia.
A disseminação do uso de botox (injeção produzida a partir da toxina botulínica, que paralisa os músculos e diminui marcas de expressão) e de cirurgias plásticas entre atrizes do primeiro escalão das novelas embaralha os dois gêneros.
Com o advento de câmeras, transmissão e aparelhos de TV de alta definição, a corrida para os consultórios fica mais flagrante nas telas.
Nos corredores da Globo, atrizes foram advertidas para maneirar com o botox.
Para discutir se essas intervenções estéticas são aliadas ou inimigas da teledramaturgia, a Folha ouviu diretores de teatro e médicos.
O fundador do Teatro Oficina, José Celso Martinez Corrêa, diz que a plástica pode aproximar a expressão das intérpretes brasileiras daquelas vistas no teatro japonês.
"Quando a atriz se mexe na tela, lembra uma máscara kabuki [teatro tradicional nipônico, marcado pela caracterização exagerada]. Como TV é 'fake', fica até natural."
"É o exagero [na intervenção estética] que prejudica a expressão, faz surgir a 'cara congelada'", esclarece o presidente da regional paulista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP-SP), Carlos Alberto Komatsu.
A pedido da reportagem, Zé Celso e a médica dermatologista Ligia Kogos, conhecida como "rainha do botox", assistiram a cenas de "Fina Estampa" (Globo) e "Vidas em Jogo" (Record).
Eles avaliaram a interferência dos procedimentos estéticos na performance de Christiane Torloni, Renata Sorrah e Cláudia Alencar.
"Há vários outros atores que também estão sobre efeito, mas ninguém desconfia", provoca Kogos.

ANTICANASTRICE

O diretor acredita que, quando um artista tem carisma, é possível ter bom desempenho no palco e na tela, mesmo se o rosto for moldado por intervenções estéticas.
Para Kogos, botox e plástica são aliados da arte dramática na TV porque atenuam o histrionismo dos atores.
"Talvez o botox seja positivo para os excessos na interpretação dos brasileiros. Pode até servir para diminuir a canastrice de alguns atores."
Kogos acha que intervenções estéticas não são culpadas pela qualidade de uma cena de novela. "Isso é responsabilidade do autor e do diretor", ela afirma.

LIBERDADE ESTÉTICA?

"A dermatologia é capaz de libertar o ator da faixa etária à qual ele pertence", diz Kogos. "Pode não ser o caso de uma mulher de 50 anos interpretar uma adolescente, mas, sim, uma jovem de 30."
Zé Celso discorda da ideia. A plástica não liberta, diz ele, mas prende a pessoa a uma imagem que os outros querem que ela tenha.
Para ele, a idade de um personagem depende da "energia interior" do ator. "Não adianta consertar a cara e ficar neurótico sem saber de si", critica o diretor.
O meio televisivo pode ser um fator que induz com mais força à plástica e ao botox, segundo o diretor, porque faz o ator perder a "pulsão teatral" e ser engolido pela imagem.
"Ator tem de produzir catarse, cagar e andar para o que pensam dele. A busca pela plástica acontece porque a própria imagem se tornou uma commodity para essas pessoas, uma moeda de troca apenas", afirma ele.

Melhor sem ele - RENATA LO PRETE



FOLHA DE SP - 20/11/11
Em reunião da coordenação de governo na quarta-feira passada, Dilma Rousseff deixou claro que, se o Congresso insistir em multiplicar bondades no Orçamento de 2012, ela não fará nenhuma questão de ver a peça aprovada ainda neste ano, como de praxe. "Eu já aprendi que não precisa votar", afirmou a presidente quando integrantes do colegiado criticaram o trabalho do relator, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Preocupada com os rumos da crise internacional, Dilma tem orientado a equipe econômica a apertar ainda mais o cinto e não deixar passar nada que resulte em aumento permanente de despesas.

Onde pega O Planalto não quer saber da previsão de aumento, de R$ 13 mi para R$ 15 mi, do teto de emendas de cada parlamentar ao Orçamento. Tampouco gostou de ver reafirmado o compromisso de reajuste acima da inflação para aposentados e pensionistas que recebem acima de um salário mínimo.

Como fica Na eventualidade de o texto não ser aprovado até o fim de dezembro, o governo iniciaria o ano apto a fazer despesas obrigatórias, como gastos com pessoal e o pagamento do Bolsa Família, mas impedido de iniciar novas obras. Poderia só dar continuidade àquelas já em andamento, recorrendo aos chamados "restos a pagar".

Linha direta
 Gleisi Hoffmann (Casa Civil) reúne amanhã ministros de áreas afins para afinar o discurso sobre o projeto que cria o Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público. O governo já admite alterações pontuais para aprovar o texto.

Abacaxis Do jeito que anda o Código Florestal no Senado, o governo corre o risco de abrir o ano legislativo de 2012 com a questão pendente, rivalizando com o debate sobre a redistribuição dos royalties do petróleo.

Milhagem 
Até o fim do ano, Dilma ainda irá a Venezuela, Argentina e Uruguai.

E-blitz Em ofensiva contra irregularidades no comércio eletrônico, o Procon de São Paulo autuou três gigantes do mercado de compras coletivas, modalidade que virou febre no país: Groupon, Peixe Urbano e Click On.

#fail Os sites estão sujeitos a multas de até R$ 6 milhões por condutas como não garantir a qualidade dos produtos e serviços oferecidos, negar a devolução de valores e não informar o percentual de desconto. Cabe recurso. A fiscalização também notificou 11 estabelecimentos que vendem itens ofertados pelo chamado "social commerce", que utiliza redes sociais.

Ranking 
O cerco foi desencadeado após o governo paulista receber 767 queixas de consumidores contra os sites do gênero entre janeiro e setembro deste ano. O campeão de reclamações foi o caso do lote de tablets e TVs de alta definição importados que não foi entregue.

Outro lado Groupon e Peixe Urbano, que pretendem apresentar defesa ao Procon no prazo legal, reafirmaram a qualidade dos bens comercializados. Procurado, o Click On não se manifestou.

Pente-fino Decreto assinado por Geraldo Alckmin tira a autonomia de seus secretários para a contratação de eventos institucionais. A aprovação de qualquer despesa para promoção das pastas agora passará pelo crivo do Palácio dos Bandeirantes.

Rodízio Novo titular do Planejamento, Julio Semeghini também presidirá o comitê paulista da Copa. É a quarta mudança no comando do grupo em dois anos.

com LETÍCIA SANDER e FÁBIO ZAMBELI

tiroteio


_"Dilma quase rasgou o regimento da Câmara para tentar aprovar a DRU. Com o tempo correndo, imagine

o que eles tentarão fazer no Senado."_

DO DEPUTADO ACM NETO (DEM-BA), criticando o Planalto por ter se negado

a fazer acordo com a oposição e cogitado recorrer a manobras regimentais

para apressar a votação da Desvinculação de Receitas da União.

Contraponto


Loucura em dobro


Em passagem de abril de 1989 relatada no livro "O Real Itamar", de Ivanir Yazbek, o então senador pernambucano Ney Maranhão foi incumbido por Fernando Collor de achar um mineiro para ser vice na chapa presidencial. Buscou Itamar Franco, vizinho de gabinete, que reagiu:

-Eu não vou de jeito nenhum! Além de tudo, esse sujeito me parece ser um louco...

Maranhão rebateu prontamente:

-Você também é maluco. Vão se dar muito bem. Dois malucos juntos numa chapa só podem ganhar a eleição!

'Perdi o chão' - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 20/11/11

A mãe de Gianecchini diz que a morte do marido e o câncer do filho não abalaram sua fé. E revela que o ator jamais se queixa da doença

A mãe do ator Reynaldo Gianecchini, 39, conta que nunca viu o filho chorar depois de receber a notícia de que estava com câncer linfático. "Ele tem fé absoluta. Quando passa mal, deita, dorme. Mas não reclama de nada", afirma Heloisa Helena Gianecchini, 68.

Há três meses
, ela soube que Gianecchini, caçula de três filhos, estava doente. Na época, cuidava do marido, também Reynaldo, com quem era casada havia mais de 50 anos. Ele lutava contra um câncer no pâncreas que o levou à morte no mês passado. A partir de então, ela se mudou de Birigui, no interior de São Paulo, onde morava, para a capital. E passou a se dedicar exclusivamente ao tratamento do filho.

Na semana passada,
 dona Heloisa Helena deu entrevista à coluna. "Eu não gosto, eu nunca falo. Mas estou conversando agora com você porque tem certas horas em que é preciso falar para ajudar as pessoas que passam por situações parecidas com a nossa." A seguir, os principais trechos:

TRATAMENTO


Ele está fazendo e tá indo muito bem, caminhando direitinho. Ele já fez seis sessões -quatro e, depois, mais duas. Tá passando bem. Eu faço almoço para ele, uma alimentação bem saudável para que se recupere logo. Depois da químio caem as plaquetas, cai a imunidade. Eu tenho que dar um suporte.

Agora
, o Giane está em período de preparo para fazer transplante [em que são colhidas células-tronco do própio paciente, que as recebe depois por meio de uma transfusão de sangue para que regenerem a medula].

PRIMEIRO IMPACTO


Eu perdi o chão.
 Primeiro, o marido. E depois o filho? Eu chorava: "Meu Deus do céu, dois de uma vez?" Ficava chorando, triste, perguntando: "O que está acontecendo?" Mas você aos poucos vai retomando o equilíbrio.



A gente, que tem fé,
 supera. Rezando, acreditando em Deus. Eu tenho certeza que o Giane vai se curar. Eu tenho. Eu rezo. Promessa eu não faço, não. Acho que o importante é ter fé. E rezar nós podemos em qualquer lugar.

Eu não questiono Deus, nunca. Eu aceito o que Deus manda para mim. Eu só peço forças para enfrentar.

REAÇÃO DE GIANE

Em nenhum momento ele perdeu o chão. Não chorou, nunca. Ele tem fé absoluta. "Agora, mãe, é que tá na hora de mostrar a fé que nós temos. Não podemos titubear. Vamos ser firmes. Eu vou me curar. Vai passar." Ele sempre repete isso. E vai mesmo.

Quando passa mal, ele deita, dorme. Mas não reclama de nada. Pode ver que ele está sempre sorrindo, né? Ele não está sempre sorrindo? Em casa é assim também. O pai dele também era muito otimista, graças a Deus.

Ele lê bastante, assiste a filmes, todo tipo de filme. Recebe os amigos mais íntimos.

O MARIDO


A doença dele [Reynaldo, pai do ator e marido de Heloisa, vítima de um câncer no pâncreas] foi muito agressiva. Ele morreu em oito meses. Mas eu acredito na vida eterna. Ele só mudou de plano. Isso me dá força para viver.

Meu marido
 foi um pai maravilhoso. Amava os filhos. Quando Giane ficou doente, ele, também doente, falava: "Não cuida de mim, não. Vamos cuidar do Giane. Ele precisa mais do que eu".

Ele fazia tratamento em Ribeirão Preto. E eu ficava um pouco lá e um pouco cá [em São Paulo], para cuidar dos dois. Nos intervalos [do tratamento], quando melhorava, ele vinha para São Paulo e ficava comigo também. Eu agora moro aqui com o Giane. Sou fácil, me adapto em qualquer lugar.

OPERAÇÃO ESPÍRITA


Ele não fez. Quem fez foi o meu marido. O Giane é muito religioso, reza bastante, e muitos rezam por ele. É uma corrente muito grande, de todas as religiões.

O pessoal tem um carinho especial com ele. A gente fica extremamente emocionada. Mandam flores, mensagens, livros, terços, recomendações, cartas, e-mails, pela TV Globo, pelo hospital Sírio- Libanês, por vários lugares.

FAMÍLIA


Tem que ser otimista, estar sempre dando força, acreditando e falando coisas boas para a pessoa [que está em tratamento]. Não podemos falar sobre doença, morte.

Não se fala nisso! Para quê falar? Tem tantos assuntos maravilhosos para a gente conversar. Eu e Giane falamos sempre de coisas boas, do dia a dia, de coisas que ainda vamos viver juntos.

Ajudamos acreditando, sendo otimistas, achando coragem, fé e ânimo. Quando a pessoa está alegre, feliz, contente, melhora a parte mental. Mente sã e corpo são.

Quando ele se curar
 eu vou continuar a minha vida, fazendo as coisas que eu gosto de fazer. Passeando, convivendo com os meus filhos que eu gosto tanto. Quero viajar com o Giane. Quero muito. Para onde, não importa.

SER MÃE


Deus me deu filhos maravilhosos. Graças a Deus eu sou mãe. Era a coisa que eu mais queria na vida. Casei novinha, com 18 anos. Mas só fui mãe com 25. Porque não vinha mesmo. Mas eu queria muito, sempre.

FILHO ATOR


Eu acho que cada um tem que ter o seu caminho. A gente cria filho é para o mundo. Quando ele disse que queria ser ator, eu falei: "Desde que você faça uma faculdade antes, tudo bem. Depois eu vou te dar força e coragem". E ele se formou em direito. Mas queria ser ator, desde pequeno. Sempre quis.

Eu não perco nada dele. Peça, novela, tudo o que é dele eu assisto. A primeira peça ["Cacilda!", de 1999] foi dirigida pelo José Celso Martinez Corrêa [do Teatro Oficina]. Eu gosto muito dele, é um ótimo diretor. Fiquei na expectativa, torcendo para que desse tudo certo.

Aí já veio a primeira novela, "Laços de Família" (2000). Eu fico nervosa, eu choro. Ele [Gianecchini] fala: "Mãe, isso é novela". Mas mãe é mãe. A gente vê e chora.

O AMOR


Pelo amor de Deus, de jeito nenhum [teve ciúme da ex-nora Marília Gabriela ou de outros relacionamentos do filho]. No meu coração cabe todo mundo. São amores diferentes, mas cabe. Não tive ciúme dela nem de ninguém. Fico feliz de saber que ele é amado e querido. O importante é você amar e ser feliz. Não é esse o objetivo da vida?

HELOISA DISSE

"Em nenhum momento o Giane perdeu o chão. Não chorou, nunca. Ele tem fé absoluta"

"Quando passa mal, ele deita, dorme. Mas não reclama de nada"

"Ele não está sempre sorrindo? Em casa é assim também"

"Eu não questiono Deus, nunca. Eu aceito o que Deus manda. Só peço forças para enfrentar"

"Primeiro, o marido. E depois o filho? Chorava: 'Meu Deus do céu, dois de uma vez?"

"Ele [pai do ator] falava: 'Não cuida de mim, não. Vamos cuidar do Giane.

Ele precisa mais do que eu"

"O importante é você amar e ser feliz.

Não é esse o objetivo da vida?"

"Falamos sempre de coisas boas que ainda vamos viver juntos"

"Eu tenho certeza que o Giane vai se curar."

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

Castelo de cartas - ELIANE CANTANHÊDE


FOLHA DE SP - 20/11/11

BRASÍLIA - No Brasil, os ministros caem como frutos maduros -ou podres. Na Europa, são os próprios presidentes e primeiros-ministros que despencam, uns derrubados (como na Itália e na Grécia), outros derrotados nas urnas (a maioria).

A alternância de poder é resultado político evidente da crise que sacode o mundo, particularmente o mundo rico, desde 2008. Em geral, é da esquerda para a direita, como em Portugal, mas não sempre. A Dinamarca é uma das exceções.

Praticamente só escaparam da degola os que, não por acaso, são de

países que vivem razoável estabilidade econômica: Suécia, Polônia e Estônia, além da poderosa Alemanha.

É nesse contexto que a Espanha deve derrotar hoje o candidato do premiê José Luis Zapatero, socialista, e eleger Mariano Rajoy, do Partido Popular, à direita. A crise é internacional e europeia, mas o eleitor sente e reage como se fosse local. Não percebe que, ganhe quem ganhar, vem mais corte por aí.

A Espanha se esgoela, tentando convencer o resto da Europa e do mundo de que está metendo a tesoura desde maio de 2010 e cumprindo as metas graduais. O problema é que a construção civil, carro-chefe dos anos de bonança, desabou. Com ela, os empregos: o índice de desemprego é de assustadores 22,6%.

Na campanha, Rajoy já avisou que vai manter o aperto e não se comprometeu a salvar nem os salários. E a previsão de expansão econômica acaba de ser revista para baixo, de 1,3% para 0,8%. Seu desafio é aprofundar a substituição da construção civil pelas exportações e equilibrar o que parece "inequilibrável": forte arrocho fiscal e crescimento.

É assim que a crise econômica vai afetando a política e alimentando incertezas, com um rastro de vítimas nas cúpulas dos governos. Entre mortos e feridos, poucos se salvam.

Nicolas Sarkozy, aliás, deve botar as barbas de molho. Em 2012, tem eleição na potência França.

Pegadinha da Caixa - FERREIRA GULLAR



FOLHA DE SP - 20/11/11
Josiel Fernandes, aposentado do serviço público e contador nas horas vagas, casado com Anita Fernandes, conseguiu - e com a ajuda da esposa que prepara quitutes para festas de aniversário - juntar certa grana na Caixa Econômica Federal. Esse dinheiro é para fazer frente a alguma eventualidade, diziam eles e acreditavam nisso, tanto que até recentemente não tinha sacado dali nenhum centavo.

Sim, até recentemente, porque, faz alguns meses, ele teve que usar uma parte dessa economia para atender à doença do filho Joselito que, tendo perdido o emprego, deixara de pagar o plano de saúde.

"Veja você", queixou-se Josiel, "meu filho pagou durante anos esse plano de saúde e nunca necessitou dele. Foi parar de pagar e logo surgiu essa complicação nos rins". De fato, teve que despender uma nota preta com o médico, e outra, ainda mais preta, com os exames. Felizmente, ficou nisso, sem necessitar de cirurgia, porque aí então pouco ou nada sobraria do dinheiro.

Parecia, assim, que o pior havia passado, quando o porteiro lhe entregou uma carta vinda da Caixa Econômica Federal e que ele largou em cima da mesa julgando ser um extrato de suas aplicações. Mas quando a abriu levou um susto.

A carta dizia o seguinte: "Prezado Cliente, informamos que sua conta na Agência Copacabana, de número tal, foi encerrada no dia 31/10/2011, conforme sua solicitação e aviso enviado anteriormente".

No primeiro momento não entendeu nada. Que diabo de aviso era aquele dizendo que sua conta tinha sido fechada a seu pedido? Não havia feito pedido algum. Imaginou tratar-se de um engano do porteiro que lhe teria entregue uma carta destinada a outro morador. Mas, ao verificar o endereço constante no envelope, constatou que era de fato o destinatário.

Talvez a conta não fosse a sua, pensou, mas logo viu que o número ali mencionado era mesmo o de sua conta. E entrou em pânico: como a sua era uma conta de investimento e havia sido encerrada é que o dinheiro foi retirado dela. Alguém, se fazendo passar pelo titular da conta, enganara o funcionário da Caixa e se apossara do dinheiro.

Nervoso, buscou o telefone da Caixa e ligou para lá. Depois de muito, atendeu um funcionário e lhe disse que só o gerente da agência onde tinha a conta poderia explicar o que aconteceu e deu-lhe o telefone, mas o expediente já se encerrara e assim teria que esperar até o dia seguinte, naquela aflição.

E agora, pensou ele, digo à Anita que perdemos nosso dinheiro? Não, achou melhor não dizer nada por enquanto. E a verdade é que, se alguém se apossou do dinheiro, especulou, a Caixa vai ter que arcar com o prejuízo, vai ter que nos ressarcir. Afinal, ela é responsável pela grana que se confia a ela.

Mas Anita percebeu que alguma coisa o preocupava. Ele respondeu que não era nada, mas ela, que bem o conhecia, insistiu até que ele contou: "Alguém roubou a grana que a gente tinha na Caixa", disse ele. Ela empalideceu, "não pode ser, Josiel, não pode ser!". Temendo que ela fosse ter um treco, ele garantiu que a Caixa teria que ressarci-los do prejuízo. "Eu nunca confiei na Caixa Econômica", afirmou ela. "O que a Neuzinha me contou foi o bastante".

Tratou de tranquilizá-la, mas não conseguiu dormir aquela noite. O jeito foi tomar Diazepan. Mas, ainda assim, acordou cedo e aflito, só esperando a hora da Caixa abrir para ir falar com o gerente. Afinal vestiu-se e tomou o rumo da Caixa, levando no bolso a maldita carta e os últimos extratos de sua poupança.

Mas ao chegar à rua em frente à agência da Caixa, teve uma surpresa: uma enorme fila de gente se estendia até a esquina. "Vim num mau dia", pensou, mas se aproximou e perguntou a uma senhora para que era aquela fila. "Recebi uma carta dizendo que minha conta foi fechada a meu pedido e não pedi coisa alguma. Passei a noite em claro, porque dependo desse dinheirinho".

Todos ali tinham recebido a mesma carta. Respirou aliviado, seu pé-de-meia estava a salvo. Resumo da ópera: a carta estava errada.

Ele então se lembrou do anúncio da Caixa na televisão e começou a cantarolar baixinho: "Vesti azul, minha sorte então mudou...". É, ao que tudo indica, mudou para pior.