domingo, novembro 20, 2011

Novo paradigma? - AMIR KHAIR


 Estado de S.Paulo - 20/11/11

Creio estar em marcha há algum tempo um novo paradigma para o desenvolvimento do sistema capitalista. Volto hoje ao tema que abordei em artigo em abril de 2010, Olhando para o Futuro, procurando desenvolvê-lo um pouco mais face aos possíveis desdobramentos da crise europeia. Em síntese o artigo se baseou no fato de haver um descolamento crescente no crescimento dos países emergentes face aos desenvolvidos. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), na média anual, entre 2000 e 2007, antes da crise do Lehman Brothers, os países desenvolvidos cresceram 2,4% e os emergentes 6,3%, ou seja, 3,9 pontos mais. Com a crise de 2008, o afastamento se ampliou para 5,2 pontos.

A crise europeia pode ampliar ainda mais essa diferença entre os países emergentes e os desenvolvidos.

Como avaliado no artigo, "este processo vem ocorrendo há vários anos em decorrência da expansão natural do capital na direção da minimização de custos de mão de obra e de localização da expansão geográfica do consumo mundial, que se dá em favor dos países emergentes".

A decorrência dessa alocação do capital é a progressiva transferência de empregos dos países desenvolvidos para os emergentes, com uma incorporação sem precedentes de novos consumidores, o que reforça ainda mais os movimentos do capital para esses últimos. A maior demanda por mão de obra nos países emergentes aumenta empregos e salários nesses países. Em contrapartida, reduz empregos e salários nos países desenvolvidos, aprofundando sua crise pela redução do consumo, gerando estagnação/recessão. Tem-se um círculo virtuoso nos países emergentes e vicioso nos desenvolvidos.

Outra consequência se dá na redução do diferencial de salários dos trabalhadores entre os países emergentes e desenvolvidos. Esse processo poderá continuar por vários anos rumo a padrões internacionais de salários, com ampliação da base de consumo em escala global. Segundo estudo da OCDE, a classe média no mundo passaria dos atuais 1,8 bilhão para 3,2 bilhões em 2020 e 4,8 bilhões em 2030.

Acelerando esse processo, tem-se a crise europeia, que se mostra aguda e duradoura. No lado financeiro, ocorre exposição dos bancos europeus em títulos soberanos de difícil resgate, face à péssima situação fiscal de países da zona do euro. A solução imposta a esses países pelo FMI, Banco Central Europeu e União Europeia foi a redução das despesas públicas e redução dos direitos da população. Isso não funcionou, aprofundando a recessão, com queda da arrecadação superior à redução das despesas públicas, ampliando ainda mais as dívidas desses países.

A crise se espalha e agora atinge a Itália, que é o maior devedor do bloco, com compromissos de 1,9 trilhão, valor superior à soma das dívidas de Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia e que está sendo rapidamente abandonada pelos investidores. Isso leva ao afastamento mais rápido do capital desses países rumo aos países emergentes, que ainda mantêm bom nível de crescimento.

Outra tendência, de caráter mais geral se dá na crise do sistema financeiro nos países desenvolvidos, que sente cada vez mais o golpe da sua falta de regulamentação. Ele é vítima da sua própria resistência em ter regras que levem a uma situação de menor risco nas suas operações. Nos países emergentes, devido às crises pelas quais passaram, os controles sobre o sistema financeiro são mais rígidos, preservando-o mais.

Assim, tanto pelo lado comercial, quanto pelo financeiro, vai se consolidando o deslocamento crescente dos capitais dos países desenvolvidos para os emergentes.

China, Índia e Brasil são hoje os líderes do crescimento mundial. São países que apresentam acentuado crescimento de consumidores, sendo que as políticas econômicas desses países estão se consolidando na direção da expansão de seus mercados internos.

A procura por mão de obra nesses países é crescente e deverão continuar expressivos aumentos de valor na massa salarial. Caso os governos desses países mantenham políticas públicas voltadas para redistribuição de renda, ampliação de recursos para as áreas sociais, reduções de custos de necessidades básicas - alimentação, transporte público e moradia - e investimentos em infraestrutura, estarão dadas condições para aceleração desse processo.

Quanto à tendência do câmbio, dependerá da movimentação internacional do capital, ou seja, fluirá dos países desenvolvidos para os emergentes, apreciando suas moedas. Caso não sejam impostas barreiras fiscais e/ou de restrições de prazos de permanência, como já fazem alguns países emergentes, a perda de poder competitivo desses países poderá ficar comprometida. Há, no entanto, uma ótima oportunidade para ganhos fiscais na tributação de capitais especulativos externos.

Por outro lado, pode-se esperar uma fase prolongada de dificuldades econômicas, sociais e políticas em parte dos países desenvolvidos, especialmente naqueles onde ocorreram consumos públicos e privados de forma artificial, ancorados nos financiamentos concedidos pelos demais países. Em consequência, os empregos e salários deverão sofrer ajustes para adaptar seus consumidores às reais possibilidades de consumo. Em síntese, a nova direção aponta para uma readequação desses países à nova realidade internacional.

Confirmando-se essa hipótese, os países com maior crescimento econômico poderão melhorar o nível de suas contas públicas, beneficiados por ampliações de receitas devido ao aumento do consumo, da massa salarial e do lucro das empresas. Desta forma, poderão obter novas fontes de recursos próprios para ampliar suas políticas sociais, de distribuição de renda, inclusão e de investimentos em infraestrutura.

Por outro lado os países desenvolvidos que estão com dívidas e déficits fiscais elevados poderão ter restrições de despesas e dificuldades na arrecadação. Possivelmente, os elevados déficits não poderão contar mais com financiamentos a baixas taxas de juros praticadas no passado, pois os credores poderão ser mais exigentes, dificultando o equacionamento dos seus endividamentos e déficits fiscais. É o que está ocorrendo na zona do euro, atingindo por enquanto Portugal, Irlanda, Grécia, Itália e Espanha.

Em síntese, a nova conformação do sistema capitalista poderá se orientar para um enfraquecimento relativo dos países desenvolvidos face aos emergentes, que serão apoiados em uma sociedade de consumo de escala maior, onde o poder de compra será conduzido pela maioria da população com renda mais elevada do que os padrões atuais.

Caso haja coerência entre as políticas econômicas e sociais, os índices de desenvolvimento humano (IDH) poderão se aproximar entre os países, resultando em melhores índices de condições de vida da extensa população atualmente excluída.

Quem sabe, esse novo paradigma seja uma das possibilidades de se ter uma transição rumo a uma sociedade mais justa, democrática e equilibrada na distribuição dos frutos da geração de renda e riqueza. Só o futuro dirá.

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