domingo, novembro 20, 2011
Dois mundos - ALON FEURWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 20/11/11
Polícia na favela para expulsar o tráfico é bom. Mas polícia na universidade para impedir que o tráfico dê as cartas é ruim. Na Rocinha, impor a presença do Estado, hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional. Na universidade, preferir a coexistência pacífica com o crime
O tráfico de drogas é reconhecido de modo unânime como principal vetor de violência e insegurança na nossa sociedade. Ficaram para trás as teorias alternativas. Entre elas a que atribuía o problema à pobreza.
A realidade encarregou-se de provar que não é assim, pois nos anos recentes a criminalidade cresceu mais onde mais a economia expandiu, e onde mais se distribuiu renda: nas regiões metropolitanas do Nordeste.
Nem seria necessária essa constatação “laboratorial”. Bastaria olhar os mapas. As manchas geográficas de pobreza não coincidem com as da violência e do crime. São fenômenos em boa medida desvinculados.
O crime comparece com mais vigor onde há dinheiro, desigualdade e, principalmente, impunidade. No Brasil, a relação entre o custo e o benefício de delinquir é razoavelmente boa para quem sai da linha.
Reduzir a desigualdade é tarefa permanente dos governantes. Ou deveria ser. Entre nós, parece haver consenso de sermos governados por gente preocupada em estreitar as distâncias sociais.
Pode haver, e há, diferenças políticas, naturais, mas não existe no Brasil quem diga a sério que somos um país desatento às necessárias ações governamentais para ajudar quem mais precisa.
Sempre se pode melhorar, e há campos como a educação nos quais estamos mal e vamos muito devagar, mas a tendência é de avanço. O Estado ajudar os mais necessitados virou traço cultural, deixou de ser elemento central da disputa ideológica.
Onde está então o problema? Na frouxidão do combate ao crime. Mas isso pouco a pouco também vai sendo alterado.
No Rio, ficaram na poeira a glamurização do tráfico e a condescendência pseudosociológica com fenômenos como, por exemplo, as milícias. É uma revolução cultural. A ocupação das “comunidades” pela polícia tem amplo apoio político e popular.
Pois a sociedade concluiu que deseja distância inclusive geográfica do comando do tráfico. Ainda que, infelizmente, não tenha conduzido o raciocínio à estação seguinte: o que alimenta o tráfico é o consumo.
Mas tudo é um processo, como gostava de dizer o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Que aliás, compareceu estes dias à imprensa para engrossar a corrente de quem pede para a USP uma política oposta à da Rocinha.
Polícia na favela para expulsar o tráfico é bom. Mas polícia na universidade para impedir que o tráfico dê as cartas é ruim.
Na Rocinha, impor a presença do Estado, hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional. Na universidade, preferir a coexistência negociada com o crime.
Digo “na universidade”, genericamente, porque se é bom para a USP, deve ser aplicado também às demais. Públicas e particulares.
Esse é o resumo da ópera, ainda que o debate percorra tentativas de panos quentes.
Um pano quente defende que as instituições de ensino superior tenham polícia própria. Aí aparecem duas dúvidas. Quem vai mandar nessa polícia e a que leis essa polícia vai obedecer?
O primeiro ponto é menos complicado, pois seria natural que uma polícia universitária obedecesse às autoridades universitárias. Mas, e o segundo? A polícia particular das universidades seguiria as leis criminais do país ou haveria leis próprias?
As universidades teriam um código penal próprio? Parece bizarro. Mas, se as polícias universitárias seguiriam e aplicariam as mesmas leis “de fora”, ora bolas, para que uma polícia separada?
No fim das contas é só isso. Um segmento da sociedade que se considera acima das leis, que se julga no direito de decidir quais leis vai seguir e quais não, e pede para si um tratamento à parte. Um elitismo e tanto. Claro que não faz sentido. Ainda que debates sem sentido não sejam vedados na esfera intelectual. Mas além da polêmica político-ideológica, há o problema prático.
Simplesmente, é inaceitável que as universidades brasileiras se transformem em território livre para o tráfico de drogas, transformem-se em áreas onde o tráfico poderá abrigar-se para operar com mais segurança, inclusive do lado de fora.
É inaceitável transformar as universidades em regiões capturadas pelo crime, onde a polícia (a regular) precisará pedir licença ao “poder local” para agir.
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