segunda-feira, outubro 31, 2011

Agnelo na mira - REVISTA ÉPOCA



Agnelo na mira 
 REVISTA ÉPOCA

Uma investigação da polícia mostra que o governador de Brasília ajudou um PM a fraudar provas para se defender de denúncias de desvio de recursos


ANDREI MEIRELES, MARCELO ROCHA E MURILO RAMOS

Orlando Silva perdeu o cargo de ministro do Esporte, na semana passada, abalado por denúncias de desvio de dinheiro. Seu substituto, Aldo Rebelo, também do PCdoB, recebeu do Palácio do Planalto a missão de moralizar a pasta. Para a Justiça, no entanto, a questão é outra. Nos próximos dias, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) receberá um processo com nove volumes e quatro apensos, que corre na 10ª Vara Federal, em Brasília. As informações, a que ÉPOCA teve acesso, mostram que o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), antecessor de Silva, é suspeito de ter se beneficiado das fraudes.

O conjunto contém gravações, dados fiscais e bancários, perícias contábeis e relatórios de investigação. As peças da ação penal vistas por ÉPOCA incluem o relatório nº 45/2010, que contém os diálogos captados em interceptações telefônicas, com autorização judicial, feitas entre 25 de fevereiro e 11 de março do ano passado. As conversas mostram uma frenética movimentação de Agnelo Queiroz e do policial militar João Dias para se defender em um processo. Diretor de duas ONGs, Dias obteve R$ 2,9 milhões do programa Segundo Tempo para ministrar atividades esportivas a alunos de escolas públicas. Nas conversas, Dias quer ajuda para acobertar desvios de conduta e de dinheiro público. Ele busca documentos e notas fiscais para compor sua defesa em uma ação cível pública movida pelo Ministério Público Federal. O MPF cobra de Dias a devolução aos cofres públicos de R$ 3,2 milhões, em valores atualizados, desviados do Ministério do Esporte.

Personagem da crônica política de Brasília, João Dias ajudou, com suas declarações, a derrubar Orlando Silva na semana passada. Dias nem precisou apresentar provas de que Silva teria recebido pacotes de dinheiro na garagem do ministério. Suas acusações levaram à sexta baixa no primeiro escalão da equipe da presidente Dilma Rousseff. O pretexto para a demissão foi a abertura, na terça-feira, de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a acusação de Dias e denúncias de que o Ministério do Esporte se transformara num centro de arrecadação de dinheiro para o PCdoB. Com a queda de Orlando Silva, o foco se transfere para o governador Agnelo Queiroz, contra quem existem suspeitas ainda mais consistentes.

Os principais interlocutores nas conversas gravadas pela polícia são João Dias, Agnelo Queiroz, o advogado Michael de Farias (defensor do policial) e o professor Roldão Sales de Lima, então diretor da regional de ensino de Sobradinho – cidade-satélite de Brasília onde atuavam as duas ONGs de João Dias. Era com Lima que Dias tratava do cadastro das crianças carentes que deveriam ser beneficiadas pelo programa Segundo Tempo. Na ação cível há um dado impressionante: as ONGs de João Dias receberam recursos para fornecer lanches para 10 mil crianças. Mas só atenderam, de forma precária, 160.

Pressionado pelo Ministério Público, Dias foi à luta para amealhar elementos capazes de justificar tamanho disparate. Às 12h36 do dia 4 de março de 2010, ele telefonou para Agnelo Queiroz, então diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Dias pediu a Agnelo para “dar um toque” em Lima e reforçar seu pedido de ajuda ao professor. Dias queria que Lima fornecesse documentos para sua defesa. Na gravação, ele avisa que vai marcar um encontro entre Agnelo e Lima, para que esse pedido seja feito pessoalmente. Menos de uma hora depois, Dias, que estava num restaurante com Lima, telefonou novamente a Agnelo. Entregou o celular para Lima falar com ele. De acordo com a transcrição dos diálogos, feita por peritos do Instituto de Criminalística do Distrito Federal, Agnelo diz a Lima que precisa de sua ajuda. Afirma que vai combinar com João Dias para os três conversarem, porque Roldão (Lima) “é peça-chave neste projeto”.

Qual seria o projeto? Segundo a investigação da polícia, trata-se de apresentar uma defesa à Justiça Federal capaz de livrar Dias da cobrança milionária. Pouco antes das 13 horas do dia 9 de março, o advogado Michael de Farias disse a Dias para ficar tranquilo, que tudo estaria pronto para ser entregue à Justiça três dias depois. Só faltaria, disse Michael, “agilizar a questão do Roldão (Lima)”. Na gravação, Michael afirma que eles “já vão confeccionar os documentos só para o Roldão assinar, já vai tudo pronto”. Dias diz que dessa forma fica melhor e, em seguida, liga para Agnelo e marca um encontro para uma conversa rápida e urgente. Cerca de duas horas depois, Dias volta a telefonar a Agnelo e adia o encontro.

No final da tarde do dia 9, Dias falou com Lima. O professor Lima disse que ficou até de madrugada numa reunião em que foram fechadas “as planilhas, os projetos”. De acordo com a polícia, Lima estava no escritório do advogado Michael. No dia seguinte à tarde,
Michael disse a Dias que já havia “confeccionado a defesa e as cartas de Roldão (Lima)”. Até aquele momento, Lima não assinara nada. À noite, Dias ligou para dois celulares de Agnelo e deixou o mesmo recado nas secretárias eletrônicas: “O prazo máximo para apresentar a defesa é sexta-feira, preciso muito de sua ajuda”. Às 20h22, Dias finalmente consegue falar com Agnelo e avisa “que sexta-feira tem de apresentar o negócio lá”.

A polícia descobriu, pelas conversas grampeadas, onde Lima se encontraria com Dias para entregar os documentos a ser incorporados a sua defesa. O encontro ocorreu no Eixo Rodoviário Norte, uma das principais avenidas de Brasília, no começo da tarde da sexta-feira 12 de março. Dias parou seu Ford Fusion e ligou o pisca-alerta. Em seguida, Lima parou seu Fiat Strada atrás e entrou no automóvel de Dias. Eles não sabiam, mas tudo era fotografado por agentes da Divisão de Combate ao Crime Organizado da Polícia Civil do Distrito Federal. As imagens mostram que Lima carregava uma pasta laranja ao entrar no carro de Dias. Saiu do veículo sem ela. Três horas depois, os advogados de Dias entregaram sua defesa na Justiça Federal.

De nada adiantou todo esse esforço. Um laudo da PF constatou que havia documentos “inidôneos” na papelada apresentada pela defesa de Dias. Três semanas depois, ele e outras quatro pessoas foram presas por causa de fraudes e desvio de dinheiro público no Ministério do Esporte. Mesmo com todas as evidências registradas nas gravações de suas conversas, Dias nega ter recorrido a Agnelo para ajudá-lo em sua defesa. O professor Lima afirma que, nas conversas por telefone e nos encontros com Dias, só falava de política. Mas admite que, “num dos encontros, João Dias me passou o telefone para conversar com Agnelo”. Lima afirma não se lembrar da pasta laranja entregue no encontro.

As gravações telefônicas revelam também uma intimidade entre Agnelo Queiroz e João Dias, que os dois hoje insistem em esconder. A relação entre os dois envolveu a intensa participação do PM na campanha de Agnelo para o governo do Distrito Federal no ano passado. Eles afirmam que estiveram juntos apenas nas eleições de 2006, quando Agnelo concorreu ao Senado, e Dias a uma cadeira na Câmara Legislativa – ambos pelo PCdoB. Os diálogos em poder da Justiça mostram outra realidade. No dia 4 de março de 2010, Dias perguntou a Agnelo como estavam os preparativos para o dia 21 de março, data em que o PT de Brasília escolheria seu candidato ao governo. Agnelo disse que estavam bem, seus adversários estavam desesperados. Em resposta, Dias afirmou que ele e o major da PM Cirlândio Martins dos Santos trabalhavam para sua candidatura nas prévias do PT em várias cidades-satélite de Brasília. Na disputa, Agnelo derrotou Geraldo Magela, hoje secretário de Habitação do Distrito Federal.

Em outra gravação, Dias informa Agnelo sobre o resultado de uma pesquisa eleitoral em que ele ultrapassara o ex-governador Joaquim Roriz. ÉPOCA ouviu de integrantes da campanha de Agnelo que, mesmo depois de sua prisão, Dias teve papel importante nas eleições. A campanha de Weslian Roriz – mulher de Roriz, que o substituiu na disputa – mostrou na TV um dos delatores do envolvimento de Agnelo nas fraudes no Ministério do Esporte. Isso teve impacto na campanha do ex-ministro. Quem deu a solução foi Dias: com poder de persuasão, ele convenceu uma tia da testemunha a desqualificar seu depoimento na televisão. Mais tarde, a tia foi agraciada com um emprego no governo. No novo governo, Dias foi beneficiado. Indicou seu melhor amigo, Manoel Tavares, para a presidência da Corretora BRB, o banco do governo do Distrito Federal.

O governador e ex-ministro Agnelo Queiroz respondeu por escrito a 13 perguntas feitas por ÉPOCA. Ele afirma que o inquérito da Polícia Civil é montado. “O inquérito foi uma tentativa de produção de um dossiê para inviabilizar a (minha) candidatura”, diz Agnelo. “A origem do inquérito infelizmente foi direcionada por uma parte da Polícia Civil, ainda contaminada pelas forças políticas do passado. Uma farsa.” Agnelo diz que ele e João Dias eram “militantes da mesma agremiação partidária, ambiente em que surge o conhecimento” e que é “fantasiosa” a afirmação de que acolheu “indicação de João Dias para cargos no governo”.

Apesar de continuar na Polícia Militar, Dias tornou-se um próspero empresário. Em outro relatório da polícia em poder da Justiça Federal, de número 022/2010, gravações telefônicas mostram que Dias é o verdadeiro dono de academias de ginástica registradas em nome de laranjas. “Tal fato é um forte indício de que João Dias está utilizando as academias para ‘lavar’ o dinheiro oriundo de supostos desvios de verbas públicas”, diz o relatório policial. Dias tem quatro carros importados. O mais vistoso é um Camaro laranja, 2011, importado do Canadá em julho. Em entrevista a ÉPOCA, ele afirmou que adquiriu o Camaro numa transação comercial. O veículo está registrado em nome do motorista Célio Soares Pereira. Célio é o empregado de Dias que diz ter entregado dinheiro no carro do então ministro Orlando Silva na garagem do Ministério do Esporte.

Em depoimento à Polícia Federal, Dias mudou sua versão sobre a entrega de dinheiro a Silva. Ele disse que era “muito pouco provável que o ministro (Orlando Silva) não tivesse visto a entrega dos malotes (de dinheiro)”. Diferentemente de Dias, Geraldo Nascimento de Andrade – principal testemunha de acusação contra Agnelo Queiroz sobre desvio de dinheiro do Ministério do Esporte – confirmou, em todos os depoimentos, ter pessoalmente entregado R$ 256 mil a Agnelo. Em um vídeo a que ÉPOCA teve acesso, Andrade descreve com detalhes como fez dois saques no Banco de Brasília, transportou e entregou o dinheiro ao atual governador.

Andrade sabe mais. Na gravação, ele liga as fraudes no Esporte ao Ministério do Trabalho. Andrade afirma que notas frias foram usadas para justificar despesas fictícias em convênios do programa Primeiro Emprego. O maior convênio apontado por Andrade, de R$ 8,2 milhões, foi firmado com a Fundação Oscar Rudge, do Rio de Janeiro. Andrade, que morava em Brasília, afirma ter ido ao Rio de Janeiro para sacar dinheiro da conta de um fornecedor da fundação, uma empresa chamada JG. Ele diz que passava os valores para representantes da entidade. A presidente da fundação, Clemilce Carvalho, diz que a JG foi contratada por pregão e prestou os serviços. Filiada ao PDT, mesmo partido do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, ela foi candidata a deputada federal em 2006. Lupi está ameaçado de perder o emprego na reforma ministerial, planejada para o início de 2012. Os ministérios do Esporte e do Trabalho têm, em comum, o fato de ser administrados há anos pelos mesmos partidos da base de apoio ao governo federal. O modelo dá sinais de que começa a ruir.

Escândalo latente - REVISTA VEJA


Escândalo latente 
 REVISTA VEJA

O PCdoB ameaçou revelar os malfeitos do PT no Ministério do Esporte, mas, no fim, entregou Orlando Silva para continuar com a chave do cofre milionário

Daniel Pereira

Desde junho passado, quando o petista Antonio Palocci foi obrigado a deixar a Casa Civil sob suspeita de enriquecimento ilícito e tráfico de influência, a presidente Dilma Rousseff já realizou seis mudanças no ministério – uma impressionante marca de uma troca a cada 24 dias. A última delas ocorreu na quarta-feira, quando Orlando Silva se demitiu da pasta do Esporte, depois de ser acusado de receber propina e participar de um esquema de desvio de recursos públicos para o caixa de seu partido, o PCdoB. Silva foi o quinto ministro a deixar o governo abatido por denúncias de irregularidades. Foi também o quinto ministro herdado da gestão do ex-presidente Lula a ser exonerado por Dilma. A escalada de substituições no primeiro escalão rendeu à presidente pontos a mais em popularidade. No campo político, no entanto, acentuou a insatisfação de Lula e do PT com a "faxina ética" em curso. Na lógica do petismo, Dilma estaria carimbando a pecha de corrupção na legenda e, pior, pondo em risco companheiros que estão à frente de cargos importantes. Caso do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz.

Foi justamente a preocupação com Agnelo que levou Lula a sair a campo, mais uma vez, para defender um de seus ministros mantidos no novo governo. O ex-presidente orientou o PT e o PCdoB a pressionar Dilma a não demitir Orlando Silva. Lançou mão de dois argumentos. Um deles é recorrente: o comunista, como os mensaleiros, não passaria de vítima de uma conspiração destinada a desestabilizar o governo. O outro argumento de Lula, o pragmático, era a necessidade de blindar o governador do Distrito Federal. Agnelo comandou o Ministério do Esporte entre 2003 e 2006. Foi quem tirou do papel o programa Segundo Tempo, canal usado pelo PCdoB para irrigar as arcas comunistas. Na época, ele era filiado ao PCdoB e tinha como secretário executivo o próprio Orlando Silva. Com a ajuda do ex-ministro José Dirceu, Lula deixou claro aos petistas que a demissão de Silva e a perda do controle do ministério pelo PCdoB poderiam resultar num revide, com os comunistas divulgando informações que comprometeriam o governador, agora no PT. Ou seja: se não sabia quando era presidente, Lula parece saber agora o que o colega Agnelo fez no verão passado.

A ação de Lula e Dirceu foi catalisada por ameaças feitas por integrantes do PCdoB. Ainda quando tentava se manter no cargo, Orlando Silva afirmou que recebeu o policial militar João Dias a pedido do ex-ministro Agnelo. Dias foi quem contou a VEJA que Orlando Silva recebeu uma caixa com notas de 50 e 100 reais na garagem do ministério, dinheiro amealhado em organizações não governamentais beneficiadas pelo programa Segundo Tempo e que lhe custou o cargo. Publicamente, o deputado Protógenes Queiroz, também do PCdoB, reforçou o coro de ameaças no twitter: "Reconhecemos a queda. Mas preparem-se. Vamos levantar muita poeira ". Levantar poeira, no caso, não seria nada trabalhoso. Agnelo, Orlando, João Dias e outros petistas e comunistas estão juntos no mesmo enredo – e há quem aposte que o escândalo dos desvios ainda fará outras vítimas.

A ameaça ao PT, por isso mesmo, surtiu o efeito desejado pelo PCdoB. Ao retomar da África, a presidente Dilma se reuniu com ministros para tomar pé das denúncias contra Orlando Silva. No dia seguinte, já estava desenhada a demissão dele. Dilma também cogitou tirar do PCdoB o controle do ministério. A ideia era dar à legenda o comando da Cultura. A troca seria uma questão de justiça. O PCdoB, na avaliação da presidente, teria uma bancada parlamentar incompatível – devido ao seu pequeno número de integrantes – com o orçamento e os projetos do Esporte, entre eles a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. A dança de cadeiras não foi realizada devido às ameaças dos comunistas de atacar Agnelo. Depois de viajar com Lula a Manaus na última segunda-feira, a presidente recuou e definiu que o substituto de Orlando Silva seria do PCdoB. A disputa, então, deixou de ser travada entre PT e PCdoB para ser encenada entre os comunistas e o Palácio do Planalto.

Na quarta-feira, logo depois de Orlando Silva pedir demissão, o PCdoB sugeriu o nome do deputado Aldo Rebelo como substituto. Apesar de ele ter sido ministro de Lula e presidente da Câmara, a presidente não gostou da indicação. Dilma acha que Aldo terá dificuldade para punir os camaradas locados no ministério e desmontar o esquema de desvio de verbas. Também pesava contra Aldo o fato de, ao relatar o Código Florestal na Câmara, não ter seguido as recomendações da presidente.

Apesar disso, Dilma aceitou a indicação de Aldo Rebelo. Ela não fez o sucessor que desejava, mas deu fim a mais uma crise política. Já o PCdoB não salvou Orlando Silva, mas manteve o controle do cofre. E o PT não evitou a degola de um aliado, mas calou, pelo menos até a última sexta-feira, os comunistas que se levantavam contra o governador Agnelo Queiroz. Uma saída clássica do atual sistema de governabilidade.

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO - À moda stalinista


À moda stalinista
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA

Pouco antes de jogar a toalha, na semana passada, e entregar a cabeça do ministro do Esporte, Orlando Silva, o PCdoB tentou reinventar seu passado. No programa de propaganda obrigatória que foi ao ar no dia 20, apresentou como emblemas do partido Luís Carlos Prestes, Olga Benario, Jorge Amado, Portinari, Patrícia Galvão (a Pagu), Oscar Niemeyer e Carlos Drummond de Andrade. Era uma fraude similar às operações do programa Segundo Tempo. Dos sete, os seis primeiros pertenceram ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o arquirrival do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O sétimo, o poeta Carlos Drummond de Andrade, não foi nem de um nem de outro. O partido tentava, num programa de TV em que jogava as últimas fichas para safar-se do escândalo no Ministério do Esporte, pegar carona num casal de ícones da história brasileira (Prestes e Olga) e em algumas das mais queridas figuras da cultura do país.

O caso menos grave é o de Oscar Niemeyer, o único vivo do grupo. Apesar de ter sido militante do PCB, já apareceu em programas anteriores do PCdoB, do qual aceita as homenagens. O mais grave é o de Prestes. O PCdoB surge, em 1962, do grupo que, no interior do PCB, discordou da denúncia do stalinismo promovida na União Soviética após a morte do ditador. O PCdoB, com um curioso "do" no meio da sigla, será daí em diante o guardião da pureza stalinista. Os outros são a "camarilha de renegados". E o renegado-mor, claro, é Prestes, o líder do PCB. No verbete "PCdoB" da Wikipédia, escrito num tão característico comunistês que não deixa dúvida quanto à sua procedência oficial, Prestes é tratado de "revisionista" (insulto grave, em comunistês) e acusado de ter "usurpado a direção partidária". Também se diz ali que "abandonado à própria sorte, em idade avançada", Prestes "dependerá de amigos como Oscar Niemeyer para sobreviver". Eis colocadas na mesma cloaca da história (o comunistês é contagiante) duas figuras que agora o PCdoB alça ao altar de seus santos.

Entre os outros casos de usurpação biográfica, a alemã Olga, primeira mulher de Prestes, foi fiel soldado das ordens de Moscou. Morreu muito antes de surgir o desafio do PCdoB, mas é de apostar que essa não seria a sua opção. Portinari e Pagu morreram, no mesmo 1962 do cisma comunista, ele fiel à linha de Moscou, ela convertida ao trotskismo, portanto inimiga do stalinismo. Jorge Amado na década de 60 já tinha o entusiasmo mais despertado pelo cheiro de cravo e pela cor de canela do que pela causa do proletariado. Em todo caso, sua turma era a de Prestes, o "Cavaleiro da Esperança" que cantara num livro com esse título.

O caso mais estapafúrdio é o de Drummond. Nos anos 1930/1940 ele praticou uma poesia de cunho social e filocomunista. Chegou a colaborar com o jornal Tribuna Popular, do PCB. Mas nunca se filiou ao partido. Cultivou a virtude de nunca ser firme ideologicamente. O namoro com o comunismo, dividia-o com a fidelidade ao Estado Novo, ao qual serviu no Ministério da Educação. No pós-guerra, mitigava o comunismo com a sedução pela UDN do amigo e mentor Milton Campos. Em 1945 votou para senador em Luís Carlos Prestes, do PCB, e para presidente em Eduardo Gomes, da UDN. E, em 1964, apoiou o golpe militar. "A minha primeira impressão foi de alívio, de desafogo, porque reinava realmente, no Rio, um ambiente de desordem, de
bagunça, greves gerais, insultos escritos nas paredes contra tudo. Havia uma indisciplina que afetava a segurança, a vida das pessoas", explicou numa entrevista, transcrita em livro recente (Carlos Drummond de Andrade Coleção Encontros). Agora vem o PCdoB dizer que Drummond foi um dos seus!?

Desconcertante história, a desse partido. A defesa do stalinismo levou-o a festejar o grande timoneiro Mao Tsé-tung e, quando o timão do chinês emperrou, buscar inspiração na Albânia do "Supremo Camarada" Enver Hoxha. Arriscou uma aventura guerrilheira nos barrancos do Araguaia. E, em anos recentes, encantou-se pela UNE e pelo monopólio da carteirinha de estudante, declarou ao esporte um amor insuspeitado em quem associava o partido à figura franzina do patrono João Amazonas (1912-2002) e recrutou, para reforço de suas chapas, jogadores de futebol (Ademir da Guia, Muller) e cantores (Netinho de Paula, Martinho da Vila) em quem nunca se suporia inclinação pela causa da foice e do martelo. Se há uma coisa em que manteve a coerência, é no vezo stalinista. Stalin mandava cortar das fotos dirigentes do partido caídos em desgraça. O PCdoB inclui em suas fileiras gente que lhe foi alheia. Pelo avesso, chega ao mesmo fim de falsificar a história.

MAÍLSON DA NÓBREGA - Histórias e males da inflação – Parte 1



Histórias e males da inflação – Parte 1
MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA


A inflação voltou a preocupar. É assunto nas conversas, nas feiras livres e nos supermercados. A imprensa transmite esse sentimento no noticiário de TV, no rádio e nos jornais. Reaparecem charges inspiradas no tema. No mercado financeiro, aumenta a procura por títulos públicos indexados à inflação. Depois da conquista da estabilidade (1994), é a primeira vez que se percebe uma mudança de prioridades na política econômica. Há evidências de que agora se privilegia o crescimento, enquanto a inflação cairia mais por um suposto efeito desinflacionário da crise mundial do que pela ação da política monetária.

Quem tem até 25 anos – uma geração – não viu o caos inflacionário nem dele se lembra. Quem está nesse grupo não havia nascido ou era criança quando o Plano Real venceu a inflação desembestada, após as tentativas fracassadas de 1986, 1987, 1989, 1990 e 1991. É útil, pois, relembrar histórias sobre a inflação e mostrar seus deletérios efeitos.

A Alemanha e o Brasil são casos extremos. Os alemães se tornaram o povo mais intolerante à inflação, enquanto nós aqui construímos uma cultura de tolerância, da qual muitos ainda não conseguiram se livrar.

Nos últimos cinquenta anos, a inflação na Alemanha foi de 309,4%, ou 2,86% ao ano em média. No mesmo período, a brasileira atingiu estonteantes 36 552 126 060 062 700% (trinta e seis quatrilhões, quinhentos e cinquenta e dois trilhões, cento e vinte e seis bilhões, sessenta milhões, sessenta e dois mil e setecentos por cento), com média anual de 95,55%. Lá, a rejeição tem origem no terror da hiperinflação dos anos 1920, na República de Weimar. O ambiente inflacionário teve papel relevante na ascensão do nazismo ao poder. Hitler foi "o filho adotivo da inflação".

O marco alemão perdeu duas das três funções básicas de uma moeda: a de reserva de valor e a de unidade de conta. O dólar era a referência básica de preços de bens e serviços, mas surgiram cerca de 2 000 outros tipos de "moeda", como cigarros e alimentos. A terceira função – a de meio de troca – foi em parte preservada, mas há relatos e fotos de alemães carregando carrinhos de mão cheios de cédulas para comprar pão.

Nossa tolerância à inflação foi em parte fruto da visão desenvolvimentista do pós-guerra. Pensava-se que um pouco de inflação ajudava o crescimento. Seria uma espécie de lubrificante das engrenagens da economia. Celso Furtado dizia que uma inflação anual de até 15% era suportável. Talvez achasse que o baixo desenvolvimento do mercado financeiro justificaria recorrer ao imposto inflacionário para financiar os gastos públicos.

No regime militar, três medidas constituíram o berço da mais entranhada indexação de preços, salários e contratos à inflação passada que o mundo conheceu. A primeira foi a criação da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN), cujo valor variava trimestralmente. Preservava-se o valor real dos recursos investidos em papéis do Tesouro e se incutia confiança nos que os adquiriam.

As duas outras medidas foram os reajustes de tributos em atraso e de cadernetas de poupança, ambos com base na ORTN. Os salários seguiam uma fórmula oficial baseada na inflação futura e na produtividade. Os contratos eram pactuados livremente entre as partes. Boa parte dos preços estava sob o controle do governo. Com o tempo, a correção monetária se espalhou pelos contratos e pelos preços. Em 1979, os salários passaram a ser reajustados também pela inflação passada.

Dois choques do petróleo (1973 e 1979) aceleraram o ritmo da inflação e encurtaram os prazos de indexação. Com o insucesso do Plano Cruzado (1986) e de seus quatro sucessores, os reajustes se tornaram mensais. O valor dos títulos do Tesouro e a taxa de câmbio variavam diariamente. A inflação ficou crônica, depois fugiu do controle e resultou no processo hiperinflacionário de 1987-1994. (Na próxima semana, explico por que a inflação é a queridinha dos ricos e a maior inimiga dos pobres.)

GUILHERME FIUZA - O Brasil vai ao Mundial desfalcado de Orlando Silva



O Brasil vai ao Mundial desfalcado de Orlando Silva
GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA

A presidente Dilma Rousseff avisou que não se pautaria pela mídia. Dessa posição resoluta surgiu a ideia, estratégica, de bancar o ministro Orlando Silva quando ele já estava cheirando a queimado. Em reunião de emergência do estado-maior petista, Lula instruiu Dilma sobre o mais importante a fazer na crise do Ministério do Esporte: não deixar a imprensa demitir mais um ministro. Foi assim que se repetiu, pela quinta vez, o ritual que já é a marca do governo Dilma: ministro prestigiado, ministro elogiado, ministro demitido.

O sonho de consumo do PT é Cristina Kirchner. Ela é um fetiche muito mais eficiente que o do ex-operário no poder, e mesmo que o da "presidenta". Cristina não é uma mulher no poder – é uma viúva trágica, que faz comício mostrando a foto do marido morto. Se o casal Kirchner já estava avançado em sua ligação direta com o povo, com o populismo ao quadrado da viúva é que a imprensa argentina vai ver o que é bom.

O azar de Orlando Silva foi não ser ministro de Cristina Kirchner. É bem verdade que, no Brasil, o sujeito que comanda um ministério responsável pelo desvio de dezenas de milhões de reais em convênios piratas ainda pode, ao sair, apresentar-se como vítima de "linchamento". Por outro lado, Orlando teve a sorte de não ser um ministro japonês. Nesse caso, se fosse descoberto favorecendo ONGs acusadas de fraude, em vez de se queixar contra "essa crise que foi criada", ele poderia estar renunciando à vida.

Na Argentina não haveria nenhum desses problemas. Imprensa que fustiga o governo popular é tratada com mordaça. Até o índice de inflação já é fabricado no quintal da Casa Rosada, para evitar essa praga das notícias ruins. No reino dos Kirchners, o PCdoB poderia exercer à vontade seu comunismo mercantil, sem que jornalistas abelhudos e invejosos se metessem em seus negócios privados com o dinheiro público. Mesmo com a impertinência da imprensa brasileira, porém, o projeto do Ministério do Esporte S.A. está firme para a Copa.

O Brasil vai ao mundial desfalcado de Orlando Silva, mas os desfalques do ministério têm tudo para continuar em campo. Provando que a vida continua, no ato da saída do ministro, Dilma nomeou como interino o secretário executivo da pasta, braço direito de Orlando. A imprensa, que não tem mais o que fazer, logo mostrou que o ministro interino liberara verbas para entidades de fachada. Mas tudo bem, porque a cabeça do ministro rolou e a opinião pública está feliz com a "faxina". Sinal verde para o partido vermelho.

Quase simultaneamente ao anúncio da demissão de Orlando Silva, os depoimentos do PM e do motorista que o denunciaram, marcados para a Câmara dos Deputados, foram cancelados. Eles que são ex-sócios que se entendam. Desse acerto, pelo visto, o Brasil não vai participar. E o escândalo do Esporte seguirá o mesmo rumo das investigações do Dnit, da consultoria de Palocci e demais tramas da faxina de folhetim: das manchetes para o pé de página, e dali para debaixo do tapete, de onde todos sairão reabilitados, provavelmente como consultores.

A culpa é da imprensa, que não prende ninguém. No auge do caso Orlando Silva, com o cipoal de incertezas sobre a Copa do Mundo e a confusão instalada no primeiro escalão do governo, surge a manchete: "Dilma silencia sobre a crise". Mais um erro da mídia. A manchete correta seria: "Afinal, quem é Dilma?".

Essa estadista aclamada por tudo o que não faz e não fala, cuja grande virtude é descansar os ouvidos da nação da verborragia de Lula, poderia dar ao menos uma pista de sua vocação de liderança – um prognóstico, um palpite, uma tirada, ou qualquer coisa além dos discursos de solenidade e frases ensaiadas. Dizem que Dilma está "irritada" com a CBF, "furiosa" com a infraestrutura, "decidida", "encantada", "indignada"... Será que a presidente só existe em off?

O que ela estará achando da tragédia anual do Enem? E dos feriados para compensar o colapso dos transportes nos jogos da Copa? Que projeto, afinal, esse governo tem para o Brasil, além da distribuição de bolsas e cargos? No fim das contas, Dilma poderia parodiar a canção de Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, em agradecimento a quem vem salvando seu mandato do vazio existencial: "Não sou eu quem me governa, quem me governa é a mídia".

ANCELMO GOIS - Xanadu de Xexéo


Xanadu de Xexéo
ANCELMO GOIS
O GLOBO - 31/10/11

O musical “Xanadu”, clássico da Broadway, vai ganhar uma montagem no Rio, na onda atual de grandes musicais.
Estreia dia 5 de janeiro, no Oi Casa Grande, em versão do coleguinha Arthur Xexéo, com direção de Miguel Falabella.

ESTÁ MARCADO para dia 16 agora o início das obras de restauração deste casarão histórico, de estilo renascentista, na Gamboa, Zona Portuária do Rio. A data não é por acaso. Bem na semana da Consciência Negra, o prédio abriga o Centro de Referência da Cultura Afro-Brasileira, o único do gênero na América Latina. Inaugurado por Dom Pedro II como o primeiro colégio público do continente, em 14 de março de 1877, o imóvel deu lugar ao Centro Cultural José Bonifácio. A obra, no valor de R$ 3,205 milhões, tem conclusão prevista no prazo de 300 dias corridos, e correrá sob supervisão da Secretaria municipal de Cultura. Vamos torcer, vamos cobrar

‘Segura esse choro’
Dilma, ex-paciente de quimioterapia, foi quem segurou a onda dos amigos de Lula no governo após a notícia do câncer do ex-presidente. Repetia a ministros e assessores que o tumor “é curável”.
No melhor estilo “segura esse choro”, consolava quem derramava uma lágrima: “Parem com isso. Ele vai superar essa.”

Amém
Ana Maria Braga, a apresentadora, rezava ontem no Santuário de Fátima, em Portugal, agradecendo pela cura do seu câncer.

Retratos da vida
Veja como a vida é indecifrável. Toninho Vaz, autor do livro “Solar da fossa”, foi ao “Programa do Jô”, há dois meses, e Miltinho, da banda do apresentador, disse ter conhecido o velho Solar, pensão carioca onde viveram muitos artistas nos anos 1960.
Toninho reagiu: “E quem te levou foi o músico Jorge Arena.”

Segue...
Sexta agora, o telefone de Toninho tocou. Era uma mulher, perguntando se ele tinha mesmo falado em Jorge Arena no Jô. O escritor confirmou, e ela disse que... era filha de Arena! Havia perdido o contato com o pai, porque a mãe saíra de casa e a levara.
Toninho deu o telefone do amigo e, mais de 20 anos depois, pai e filha, que vive na Baixada Fluminense, vão se rever hoje.

No mais
Hoje, dia D de Drummond, vale refletir sobre um verso do poeta, que faria hoje 109 anos: “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo.”

Filho de Glauber
Eryk Rocha, 33 anos, filho de Glauber, cineasta como o pai, foi convidado pelo Museu do Filme de Düsseldorf para exibir sua obra em dez cidades da Alemanha, de 5 a 19 de novembro.
O rapaz é autor de quatro documentários e da ficção “Transeunte”, melhor filme do Festival de Cinema Latino-Americano de 2011, em São Paulo.

Esperança vã
Ariane Mnouchkine, diretora do Théâtre du Soleil, monta numa ilha de edição na Gávea, no Rio, “Les naufragès du fol espoir” (“O naufrágio da esperança vã”), seu segundo longa.
Filha de Alessandre Mnouchkine, produtor de “Cinema Paradiso”, ela trabalha enquanto é montada a tenda para o Soleil se apresentar na Arena Multiuso.

Laços de família
Uma disputa familiar pôs fim à tradicional agência de propriedade intelectual Momsen & Leonardos, fundada em 1919.
Luiz Leonardos vai abrir outro escritório com Otto Licks e cinco sócios.
Viraram parceiros
Não foi só na Portela que os cartolas mudaram a letra do samba-enredo de 2012.
Os caciques de Beija-Flor, Mocidade, Mangueira, Ilha e Porto da Pedra fizeram a mesma coisa. Fala sério.

Eu acreditei
Cahe Rodrigues, carnavalesco da Grande Rio, pôs o ponto final no livro “Eu acreditei”, sobre os 26 dias de reconstrução do carnaval da escola após o incêndio na Cidade do Samba, em fevereiro de 2011.
Agora, procura editora para lançar antes do carnaval.

Preta na Mangueira
Preta Gil fará um show de préréveillon para 5 mil pessoas na Mangueira, dia 30 de dezembro.
Nossa cantora, que não pisa na quadra da escola desde que foi madrinha de bateria, em 2007, cantará com a bateria.

A pena de Accioly
Alexandre Accioly, o empresário, assinou contrato com a editora Casa da Palavra.
Vai lançar o livro “Sem medo de errar”, em que conta sua trajetória no mundo dos negócios. A ideia é lançar no dia 15 de julho de 2012, data em que faz 50 anos.

Museu da Umbanda
Amanhã, a Comissão de Intolerância Religiosa vai fazer um ato em frente à prefeitura de São Gonçalo, RJ, às 14h, pela criação do Museu da Umbanda no terreno onde a religião surgiu no Brasil, em 1908, com o médium Zélio Fernandino de Moraes.
Saravá!

ZÉLIA DUNCAN, a cantora, recebe, num encontro cheio de alegria, a coleguinha Leilane Neubarth, nos bastidores do show de
lançamento do DVD “Pelo sabor do gesto — em cena”, no Vivo Rio

LETÍCIA SABATELA, a atriz, repete a cena da índia Tuíra, que protestou com um facão contra Belo Monte, numa gravação para o projeto Gota D’Água, campanha que quer discutir a construção da hidrelétrica

FELIZ DA VIDA, Lenine, o cantor pernambucano, festeja o encontro com Ariano Suassun seu conterrâneo e mestre da nossa cultura, em Recife
COM ANA CLÁUDIA GUIMARÃES, DANIEL BRUNET E AYDANO ANDRÉ MOTTA

DENISE ROTHENBURG - O tempo e o PT



O tempo e o PT
DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 31/10/11

Como bem lembram os jornalistas Mathew Cowley e Tom Murphy, do The Wall Street Journal, muito do sucesso de Lula se deve à sua voz. Ninguém fica indiferente quando ele pega um microfone para discursar, especialmente, no improviso

Os petistas estão em estado máximo de alerta. A medida em que vão assimilando a doença de Lula, começam a ficar meio que assustados com seus reflexos dentro do partido. Nenhum dos petistas com quem conversei topou expor em público suas preocupações sobre as eleições de 2012, mas, nos bastidores, essa conversa rola solta. 
A primeira preocupação é com o tempo de recuperação. O câncer de Dilma Rousseff foi diagnosticado no início de 2009. Em abril daquele ano, a então pré-candidata a presidente da República tratou um tumor no sistema linfático. Foram quase seis meses para que ela voltasse à ativa com força total. 
Nesse período, ela lutou bravamente e, às vésperas do carnaval de 2010, o PT apresentava Dilma aos seus militantes como a candidata à sucessão presidencial. Curada, a então ministra da Casa Civil seguiu concluindo seu trabalho, uma bateria de inaugurações e lançamentos de obras. E sempre ciceroneada por Lula. 
No caso do ex-presidente, o câncer na laringe surge no momento em que o PT se prepara para organizar seus palanques rumo a 2012. O partido esperava contar com a voz do seu maior líder e seu poder de sedução na política para atrair aliados. Novembro, que chega amanhã, seria o mês em que Lula se dedicaria a conversar com os partidos, especialmente, em São Paulo, onde Fernando Haddad é pré-candidato. Ja havia inclusive marcado uma conversa com o deputado Gabriel Chalita, do PMDB, para tentar, pela segunda vez, convencê-lo a seguir com o PT na largada da eleição municipal. 
Agora, Lula tem outras prioridades. E nem o PT quer que seja diferente. Afinal, dona Marisa Letícia, que passou oito anos dando bronca nos políticos que queriam discutir trabalho nos fins de semana, avisou que o momento é de dedicação ao tratamento. E nem precisava. Afinal, o Brasil tem plena consciência disso. 

Quem assume?E aí é que fica o vazio e o que mais preocupa o partido: quem exercerá esse papel de coordenador da eleição na ausência de Lula? A pergunta ainda não tem resposta. O presidente do PT, Rui Falcão, surpreendeu positivamente todos dentro do PT, é bem quisto, mas nem de longe tem esse poder todo junto a aliados estratégicos para facilitar a vida eleitoral do PT em várias capitais. 
Ontem, nas minhas conversas, houve quem citasse que talvez José Dirceu pudesse exercer esse papel muito discretamente. Ele atua forte nos bastidores, mas não tem esse charme do convencimento que muitos atribuem a Lula. E, como está com a imagem pra lá de arranhada desde o escândalo do mensalão e responde a processo no Supremo Tribunal Federal, acusado de chefiar uma quadrilha, não tem como desfilar à luz do sol em busca desses acordos. 
Como me contou ontem um político do PT, José Dirceu não tem hoje como chamar o presidente do PSB, Eduardo Campos, e dizer a ele que não lance um candidato em Recife. Muito menos arrancar de Gabriel Chalita uma parceria com o PT na largada da sucessão municipal paulista. O PT não tem outro Lula. 
E, de mais a mais, Lula é emoção. E emoção na voz. Como bem lembram os jornalistas Mathew Cowley e Tom Murphy, do The Wall Street Journal, muito do sucesso de Lula se deve à sua voz. Ninguém fica indiferente quando ele pega um microfone para discursar, especialmente, no improviso. Ele prende a atenção com suas analogias e o jeito sincero e simples de falar sobre todos os temas, desde os mais intrincados temas da geopolítica econômica até a alegria de ver a classe C andando de avião. 
O povo entende Lula, chora com ele, ri com ele. E o PT sempre surfou nessa onda, com um líder pairando acima das disputas das tendências que, volta e meia, travam o processo dentro do partido. Lula sempre soltou a voz nos palanques e nas conversas que valiam a composição do time para tentar chegar à final do campeonato eleitoral. 
Sem a voz de Lula a curto prazo, restará ao PT esperar que a recuperação venha em tempo de o ex-presidente ainda poder discursar nos palanques. Bem, se ele tiver o mesmo destino de Dilma, esse período de tratamento será breve. Por enquanto, resta aos petistas, como a todos os brasileiros, apenas a oração. 

SERGIO LEO - Os escândalos em campo e a Copa do Mundo


Os escândalos em campo e a Copa do Mundo
SERGIO LEO
VALOR ECONÔMICO - 31/10/11
 
Andrew Jennings, o repórter da BBC de Londres que na semana passada foi ao Congresso brasileiro repetir ao Senado as acusações de corrupção que faz contra o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, entre outros figurões ligados à Federação Internacional de Futebol (Fifa), mantém também uma página na Internet dedicada ao tema que já lhe rendeu dois documentários de TV: as irregularidades na Fifa. Entre as denúncias que faz está o alerta para as exigências secretas nos contratos dos países interessados em sediar a Copa do Mundo, que podem incluir custos não revelados à população.
Teixeira processa o jornalista britânico, a quem acusa de danos morais e à honra. Jennings, autor do livro "Jogo Sujo - o Mundo Secreto da Fifa", insiste que os preparativos da Copa podem sofrer um impacto negativo com a abertura de documentos sobre Teixeira na Justiça suíça, em breve. Ele levanta também uma questão importante ao chamar atenção para a maneira como os países se subordinam ao gigantesco esquema comercial montado pela federação esportiva. A excitação geral com a Copa distrai a sociedade em relação aos custos do evento, e à herança duvidosa que pode deixar, em caso de má administração.
É preocupante, por exemplo, o investimento em Brasília para construção de um megaestádio de 70 mil lugares, numa cidade onde nenhum jogo de futebol atrai público desse tamanho, e raros eventos têm essa capacidade. Na África do Sul, a última Copa deixou um legado de estádios subaproveitados, e se fala sobre a possível demolição de pelo menos um deles, pelos custos de manutenção do elefante branco. Na Cidade do Cabo, o administrador privado ameaça devolver o estádio à administração pública, se confirmada a previsão de prejuízo anual em torno de US$ 1 milhão.

Estádios da África do Sul estão hoje subaproveitados
Os estádios sul-africanos teriam de sustentar pelo menos 12 eventos anuais com lotação esgotada e ingressos de pelo menos US$ 30 para se tornarem autossustentáveis. Por outro lado, a antecipação de investimentos previstos em estradas trouxe um visível aumento de eficiência nos transportes do país, além do estímulo ao turismo - ainda que especialistas considerem exageradas as expectativas do governo nesse ponto.
A movimentação financeira e os empregos trazidos pela Copa são bem-vindos, especialmente num momento de incerteza econômica. Na África do Sul, a coincidência entre a crise financeira internacional e os preparativos e os jogos da Copa ajudou a minimizar no país os efeitos da desaceleração global. Mas os benefícios podem ser passageiros. Apesar de criar 130 mil empregos na construção civil com as obras de infraestrutura, os sul-africanos não conseguiram evitar a alta em suas obscenas taxas de desemprego, de quase 25% da população em busca de trabalho, 50% entre os jovens.
Com o custo estimado em torno de US$ 1,5 bilhão para a construção de estádios, a geração de 66 mil empregos nessas obras foi comparada por um centro de estudos a programa de criação de postos de trabalho incrivelmente caro. Também é limitado o efeito líquido sobre a economia. Estudo do Instituto Sul-Africano de Relações Internacionais cita avaliações que apontam um acréscimo no Produto Interno Bruto (PIB) do país entre 02% a 0,3, bem abaixo das estimativas oficiais iniciais, de 1,9% do PIB.
Inquestionável é o ganho da Fifa, que concluiu a Copa com mais de US$ 3,5 bilhões em receita livre de impostos (uma das exigências), segundo estudo do Instituto para Democracia na África (Idasa).
Orlando Silva, o ministro demitido após sucessivas denúncias de desvio de dinheiro do Ministério do Esportes para organizações não-governamentais ligadas a seu partido, o PCdoB, teve sua queda saudada pela Fifa, mas não pela faxina que provocou a demissão. O demitido era visto como um dos principais opositores ao cumprimento de condicionalidades conhecidas publicamente, como a exigência de eliminação da lei de meia entrada, a concessão de superpoderes para a CBF e a Fifa e dispositivos de marketing contrários à legislação.
Não foi pela resistência a ceder ao draconiano manual de regras da Fifa que caiu o ministro. Mas seu substituto, Aldo Rebelo, terá a incumbência de apoiar a presidente Dilma Rousseff nas duras negociações com os cartolas. Uma avaliação menos edulcorada dos reais benefícios e custos da realização da Copa do Mundo pode ajudar nessa tarefa.
Um subproduto já conhecido das Copas é seu efeito em matéria de relações públicas e imagem, para o país e para o governo. Se Dilma não conseguir manter os personagens-chave do evento fora das páginas dedicadas a irregularidades e denúncias, o efeito gerado poderá ser o oposto do que esperavam as autoridades, ao firmar com a Fifa o contrato para trazer ao Brasil um dos mais acompanhados eventos esportivos do mundo.

CAROLINA BAHIA - A estrela de Lula


A estrela de Lula
CAROLINA BAHIA 
ZERO HORA -  31/10/11

Um dos principais personagens das eleições municipais de 2012 já é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mestre na articulação política, de seu escritório em São Paulo, vinha dando ordens e monitorando o tabuleiro eleitoral das capitais, inclusive de Porto Alegre. Fã de alianças estratégicas, trabalhava a favor do namoro com o PDT e até com o PTB. A notícia do câncer mobiliza e preocupa de aliados a opositores, e ainda deixa protegidos políticos, como Fernando Haddad – preferido do ex-presidente na disputa pela capital paulista – na insegurança. Os mais pragmáticos chegaram a questionar: será que o tratamento não o afastaria de vez das costuras de bastidores? Quem o conhece de perto aposta que não. Mesmo concentrado na recuperação, longe da exposição e sem uma participação tão ativa nas negociações, é Lula quem tem o PT nas mãos.

Foguetório
O governo Tarso quer fazer estardalhaço para comemorar a eliminação da última escola de lata do Estado, o que deve ocorrer no dia 20 de novembro.

Sem graça
Aldo Rebelo (foto) perderá a credibilidade se não promover mudanças profundas no Ministério do Esporte. Orlando Silva caiu, mas as denúncias envolvendo o PC do B continuam. A posse de Aldo é hoje, no dia em que sai a decisão do Planalto suspendendo convênios com ONGs. O clima será de constrangimento.

Umbigo
A votação da divisão dos royalties do petróleo na Câmara será empurrada para o final do mês de novembro, alimentando a guerra entre os Estados. Para os gaúchos, por exemplo, os repasses poderão até dobrar. Mas a prioridade de Dilma Rousseff é outra: a definição da Desvinculação das Receitas da União (DRU) – mecanismo que permite ao governo reservar 20% do orçamento para gastar livremente.

Sacudida
Relator na Câmara da lei que acaba com o sigilo eterno de documentos, o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro Filho, não só comemorou a aprovação no Senado, como telefonou para o Planalto sugerindo que Dilma Rousseff badale a conquista. Mergulhado em mais uma crise, o governo não se deu conta, mas essa é a tal pauta positiva.

PAULO BROSSARD - Capitanias hereditárias no século 21



Capitanias hereditárias no século 21
 PAULO BROSSARD
ZERO HORA - 31/10/11

A senhora presidente está se revelando não uma faxineira, mas uma espécie de enfermeira incomum, especializada em ministros ainda mais inéditos. A especialidade é tamanha, que não tem designação específica, contudo, é capaz de proporcionar-lhes instantes tranquilos quando o fim inexorável se aproxima. Basta dizer que, em apenas 10 meses, cinco entregaram sua alma ao criador, peleando é verdade, mas sob a influência de doces devaneios no sentido de permanecer com as rendosas vantagens terrenas, sem embargo das melifluidades imateriais de mundos desconhecidos, onde inexiste a praga de jornais e revistas, invejosos dos êxitos alheios. Pois a senhora presidente aprendeu, não sei em que escola, a fazer do peculato, por exemplo, alguma coisa semelhante aos inesquecíveis pastéis-de-santa-clara.

O certo é que, salvo um, os quatro restantes que eram portadores de males terríveis, em relação aos quais a farmacopeia está atrasada, em lugar de penetrarem no corredor da morte, passearam entre louros e ciprestes, aspirando o perfume virginal espargido por anjos; não lhes tardaria o dia fatal.

É curioso que de 50 em 50 dias, cadaverizou um após outro. Talvez seja preferível, em vez de cadaverizar, falar de sua mágica, que hipnotiza primeiro e depois, de maneira indolor, celebra as exéquias com as cerimônias de embalsamamento. A versão me parece plausível, pois os mais autorizados meios de comunicação informam que há candidatos à mumificação presidencial.

Mudando de assunto, sem sair dele, o que importa é coisa mais relevante. Extraído o quinto ministro que durante cinco anos dirigiu a pasta, com a divulgação de uma série de atos pouco recomendáveis, porque sua permanência comprometeria o bom nome do país no Exterior, seu sucessor é do mesmo grupo partidário, o PC do B. Eu não sei se o novo ministro possui outros critérios de ação distintos dos adotados pelo sucedido. O que ouvi dizer é que, com as chaves do ministério, simbolicamente, ao seu arbítrio, recebeu o potreiro de porteira fechada. Pelo jeito, a relação da administração caracterizada pela vinculação dos bens concedidos a uma finalidade pública, passa a ser quase de natureza patrimonial, como uma espécie de pecúlio castrense. Seria transferência de parcelas do poder público quando ele é indisponível; enquanto seu concessionário recebe o lote com poderes supremos. Lembraria até as capitanias hereditárias, aliás, malsucedidas e cedo extintas. No entanto, a senhora presidente, renunciando seu poder, não se desligaria de sua responsabilidade constitucional.

Por derradeiro, ocorre-me apontar dois aspectos: Se é certo que os ministros demitidos, menos um, vêm do passado, no caso, do "maior e melhor governo de todos os tempos", nas palavras do ex-presidente, só se pode entender que a manutenção deles no atual teria sido por supostos méritos, a ponto de justificar a distinção que outros não receberam. Destarte é imperioso reconhecer que a ulceração oficial não começou agora.

Outrossim, é inafastável consignar que os "agraciados" com a dispensa continuam liberados de qualquer tipo de apuração; sem pretender ao menor deslize processual, impõe-se a correta apuração dos fatos e a justa responsabilização de cada agente. A omissão da senhora presidente que tem o dever de zelar pela limpeza da administração federal, configuraria crime de responsabilidade, Constituição, art. 85. V. Para não ser longo, lembro o Padre Vieira: "A omissão é um pecado que se faz não fazendo".

PAULO GUEDES - Esperando em vão


Esperando em vão
PAULO GUEDES
O GLOBO - 31/10/11

Um sinal de maturidade de um povo e de suas lideranças é o fato de atribuírem a si mesmos a construção de seus destinos. Pode ser que haja sorte ou pode mesmo haver dose de azar. Pode levar mais tempo e ser necessário maior esforço. Mas um povo maduro acredita trilhar o caminho de sua própria escolha.

Isso também vale para o desempenho futuro da economia brasileira. Cansamos de ouvir, no passado, histórias para boi dormir. A inflação brasileira já foi culpa de São Pedro, dos sheiks árabes, dos banqueiros internacionais, dos especuladores e até mesmo do chuchu. Curiosamente, desapareceram todos esses fantasmas quando ao Banco Central do Brasil atribuiu-se a tarefa de manter a taxa de inflação em um sistema de metas preestabelecidas.

É claro que a tarefa do BC seria facilitada por uma melhor coordenação entre a política monetária e a política fiscal, com o Ministério da Fazenda exercendo maior controle sobre os gastos públicos. O Banco Central poderia trabalhar com juros mais baixos, ainda buscando atingir as mesmas metas inflacionárias. E é claro também que uma conjuntura internacional de desaquecimento econômico, esfriando temporariamente a demanda global e os preços das commodities, pode reduzir as taxas de inflação a curto prazo, facilitando também o trabalho do BC.

Mas seria temerário e um sintoma de imaturidade atribuir a trajetória futura da inflação brasileira às circunstâncias da conjuntura econômica internacional. Mais do que a política de reflação de demanda por crédito farto e dinheiro barato nas economias anglo-saxãs, e mais do que a dinâmica deflacionária do euro, atuante na Europa continental, a inflação brasileira em 2013-2014 depende essencialmente do que estamos fazendo em 2011 e do que faremos em 2012, ano eleitoral com substanciais pressões inflacionárias já contratadas.

Essa espera de uma ajuda externa à desinflação brasileira será frustrante. Pois a recente desaceleração econômica mundial veio acompanhada de uma inflação ascendente, refletindo pressões de custos de insumos, o cost-push que trouxe mais inflação e menos crescimento, como alertei seguidamente. E mais, em uma economia de dimensão continental como a brasileira, o processo inflacionário depende fundamentalmente dos mercados de bens e serviços domésticos, e não da inflação "importada", cujos efeitos serão sempre transitórios. Esperamos em vão.

RENATO JANINE RIBEIRO - O primeiro grande erro de Dilma



O primeiro grande erro de Dilma
RENATO JANINE RIBEIRO
VALOR ECONÔMICO - 31/10/11

Nomeando ministro do Esporte o deputado Aldo Rebelo, artífice da maior derrota do seu governo no Congresso, a presidente Dilma Rousseff comete seu primeiro grande erro. Ela premia a indisciplina, pois deixara clara sua discordância do projeto pró-ruralista do Código Florestal, redigido justamente por Rebelo. Mas primeiro precisamos analisar melhor como a presidente vem lidando com os problemas ministeriais.
Com a troca no ministério dos Esportes, chegam a seis os ministros que Dilma substituiu, em poucos meses. Isso não é anormal. Demora, para um governante articular seus ministros. Fiquei sabendo que a presidente, ao nomeá-los, lhes explicou que este ano, devido aos cortes orçamentários que afetaram todas as Pastas, não cobraria performance. Em 2011, só sairia "quem fizesse bobagem". Mas em 2012 ela exigiria desempenho.
Assim tem sido. As críticas estridentes dos artistas à ministra da Cultura não a derrubaram. Mas, se um ministro não responde bem à conjuntura difícil, ele sai. Dilma não deixa aumentar o desgaste. Ele pode sair por indisciplina, como Nelson Jobim, ou por não esclarecer denúncias de corrupção. Não sabemos se é culpado. Sabemos que ficou insustentável sua permanência no poder.

Nomeando Aldo, Dilma premia a indisciplina
Até aí, está certo. Mas há um dado adicional. Nenhuma substituição surpreendeu a nação por seu impacto. Entrou só um peso pesado, Celso Amorim, mas no lugar de outro peso pesado, Jobim. Nos outros casos, entraram pessoas com menor destaque que o substituído - Gleisi Hoffmann é menos conhecida do que Antonio Palocci. Isso ainda é aceitável. A discrição pode ser uma virtude. Aliás, aqui Aldo Rebelo é exceção. Seu perfil é bem superior ao de Orlando Silva. Ele é o maior nome do PCdoB.
Mas o problema começa agora: pelo menos no Turismo e nos Esportes, ficou claro que a Pasta pertence ao partido. Há ministérios que são feudos. Sai o denunciado, mas a agremiação conserva a vaga. Pior: quando o novo ministro do Turismo decidiu nomear uma pessoa competente para uma secretaria, seu próprio partido exigiu uma indicação política. Ou seja, o partido não se responsabiliza pelos erros, talvez graves, cometidos numa Pasta que ele ocupa. O Executivo arca com o ônus de fazer a máquina funcionar. O partido, só com os bônus. Pois tem a garantia de que, por pior que seja o nome indicado, só terá de substituí-lo por outro, que lhe conserve cargos e convênios.
Isso enfraquece a presidência da República. O PCdoB, partido que viceja graças ao PT, impôs a Dilma o nome de Aldo Rebelo. É um político capaz. Presidiu a CPI da CGF. Também presidiu a Câmara. Foi um bom ministro. Conseguiu, pertencendo a uma legenda outrora radical, negociar com todo o espectro político - tanto que foi cogitado, no governo Lula, para o ministério da Defesa, sem que isso incomodasse os militares. Não recearam que Aldo mandasse investigar as mortes de seus correligionários na guerrilha do Araguaia. Em suma, mostrou-se hábil, moderado e até conservador.
Tão conservador que seu partido agora ocupa a secretaria de Esporte do prefeito de S. Paulo, aliado de José Serra; tão conservador que foi Aldo Rebelo quem montou a versão pró-ruralista do Código Florestal... Conseguiu que praticamente a Câmara inteira votasse contra os ambientalistas. Quem perdeu na ocasião foram o PV, mas também o PT e a presidente Dilma. (O PSDB votou com os ruralistas, apesar de ter querido namorar Marina Silva no segundo turno presidencial, em 2010). Trazer Aldo para o governo é esquecer tudo isso, o que não condiz com a imagem exigente e severa da chefe de Estado.
Isso torna ainda mais vulnerável o ministério do Meio Ambiente, um dos menos prestigiados pelos governos petistas. Não são poucas as dificuldades que a atual ministra tem enfrentado, embora conte com o apoio dos ambientalistas. A primeira titular petista da Pasta, a Senadora Marina, acabou rompendo com Lula e, em 2010, teve uma votação impressionante. Portanto, se os verdes têm pouca bala na agulha no plano institucional, se agora Marina e o PV se digladiam, se desde a eleição ela e eles foram esquecidos e quando se fala em oposição se pensa apenas na mais tradicional, o PSDB, nem por isso eles carecem de poder de fogo. Podem mobilizar a opinião, nacional e internacional. Um projeto consistente e empolgante para o futuro do Brasil passará, necessariamente, pela questão ambiental. Os ambientalistas, estejam no Meio Ambiente, na Ciência e Tecnologia, em ONGs ou na oposição, desempenharão um papel importante em nosso futuro próximo.
O que fará Aldo Rebelo, no ministério, ao se tornar colega de pessoas que enfrentou, em decidida oposição a nosso futuro? Político capaz, possivelmente será um gentleman com a colega do Meio Ambiente. Evitará confrontá-la no que disser respeito ao Código Florestal, até porque sua missão agora é outra. Mas tudo isso está longe de ser uma boa saída.
Há uma saída que poderia reduzir os danos. Ela é improvável. Mas consistiria em Aldo, por iniciativa própria ou por determinação presidencial, aproveitar o enorme cabedal de simpatias que construiu junto aos ruralistas para convencê-los a recuar, a ceder. Até o momento, quem perdeu foram os ambientalistas. Se o novo ministro agir no plano politico para desfazer parte pelo menos do que ajudou a montar, em termos de descaso com o meio ambiente, pode ser que neutralize vários aspectos negativos que apontei. Mas continuam valendo minhas outras críticas. Dilma premiou a indisciplina, garantiu a um minipartido seu feudo ministerial e não responsabiliza os parlamentares pelos erros de seus indicados. Ela devia ter sido firme. Não foi.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

COLUM LYNCH - E se a população mundial encolher?



E se a população mundial encolher?

COLUM LYNCH
O Estado de S. Paulo - 31/10/2011

ONU estima que o número de habitantes da Terra se estabilize em 10,1 bilhões na metade do século; previsões não consideram risco de um grande cataclismo ou epidemia


Em algum momento por volta do Halloween, hoje, a Organização das Nações Unidas celebrará o nascimento do 7.º bilionésimo bebê do mundo. Como disse o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a líderes mundiais em Nova York, no mês passado, o 7.º bilionésimo bebê provavelmente será pobre e habitará uma terra maltratada pelos estragos de aquecimento global, desertificação e escassez de alimentos.

Caramba! Com esse tipo de retórica apocalíptica, não surpreende que boa parte do foco da mídia tenha sido na tensão de um planeta superlotado onde mais de 79 milhões de pessoas são adicionadas a cada ano à família humana, sobrecarregando cidades já superlotadas, disputando um reservatório de recursos naturais em constante diminuição.

Mas e se a população mundial encolher? Embora a população global tenha triplicado desde a criação da ONU, em 1945, as taxas de fertilidade globais nos últimos cem anos declinaram consistentemente, de um pico de 6 filhos por família na aurora do século 20 a 5 em 1950 e 2,5 hoje.

A ONU calcula que uma taxa de reposição de 2,1 filhos por família será alcançada após 2100. A organização internacional produziu diversos cenários mostrando a população crescendo para quase 10 bilhões ao longo do próximo século - ou mesmo até quase 27 bilhões, se a taxa atual de crescimento populacional persistir (é dispensável dizer que muitos demógrafos consideram insustentável esse desfecho).

O mais provável, segundo estatísticos da ONU, é que a população aumente de forma gradual até 8 bilhões em 2025, 9 bilhões em 2043, atinja 10,1 bilhões na metade do século, e, daí, se estabilize. A chamada projeção de "variação média" supõe que países com taxas de fertilidade elevadas como Níger (7,37 bebês por mulher) e aqueles com taxas de fertilidade baixas, como a Coreia do Sul, onde as mulheres têm uma média de 1,2 filho, acabarão convergindo.

Essa suposição, como a maioria das outras, é apenas uma suposição e não leva em conta eventos cataclísmicos potenciais, como um asteroide colidindo com a terra ou, talvez, um cenário mais plausível em que multidões de pessoas morram por doenças infecciosas. A epidemia de aids desacelerou temporariamente as taxas de crescimento populacional na África, impedindo que o continente africano superasse a população combinada da Europa e das Américas em 2025.

"Demografia não é destino. De certa maneira, o pressuposto mais implausível é a ideia de que o todo o mundo vai começar a ter 2,1 filhos. Não há nenhuma razão para acreditar que isso vai acontecer", disse Matthew Connelly, um professor de história da Universidade Columbia e autor de Fatal Misconception: The Struggle to Control World Population (Equívoco fatal: a luta para controlar a população mundial, em tradução livre do inglês). "Não me surpreenderia se tivermos mais surpresas à frente." Aliás, prever crescimento ou contração de população é, em geral, um jogo de perdedores.

Previsões erradas. Os demógrafos não previram algumas das mudanças demográficas mais importantes do último século, incluindo o primeiro declínio na taxa de fertilidade americana durante a Grande Depressão, o "baby boom" logo depois da 2.ª Guerra e a explosão da migração humana nos anos 1970.

Joel E. Cohen, um pesquisador da Universidade Rockefeller que estuda tendências populacionais, concordou que os demógrafos têm se mostrado fracos em previsões. "Eu vejo as projeções além de 2050 como cenários de "E se...". Não os vejo como declarações do que ocorrerá", disse ele. "Não previmos o "baby boom" e não previmos o "baby bust" (colapso) que se seguiu. Nossa capacidade de prever mesmo para as pessoas que estão vivas é limitada", disse.

Por exemplo, a queda vertiginosa da taxa de fertilidade do Irã, de 6,9 em 1960 para 1,6 hoje, pegou o mundo de surpresa - boa parte da diminuição ocorreu após a Revolução Islâmica. "Ninguém em 1980 poderia ter previsto que a taxa de fertilidade total do Irã estaria hoje muito abaixo da taxa de reposição." Cohen observou também que as previsões tenebrosas de que populações em declínio prejudicarão o crescimento econômico não comportam um confronto com a realidade econômica.

Muitos dos países mais ricos do mundo que têm experimentado declínios nas suas taxas de fertilidade prosperaram, enquanto muitos dos países mais pobres do mundo passam por dificuldades econômicas. "Tome o exemplo de Alemanha e Japão, dois dos países mais prósperos do mundo: eles têm uma população em declínio e, por enquanto, são dínamos econômicos. Não há uma relação necessária entre prosperidade e crescimento populacional." Mesmo no cenário mais provável da ONU, que prevê a população mundial na casa dos 10 bilhões até o fim do século, muitos países se contrairão, exercendo uma enorme pressão sobre seus governos para assegurar o progresso econômico e a estabilidade social - com força de trabalho e mercado em declínio e um suprimento cada vez menor de jovens para cuidar de uma população cada vez mais idosa.

Pelo menos 80 países já caíram abaixo do nível de reposição de 2,1 filhos, entre os quais Alemanha, Itália, Japão, Rússia, Coreia do Sul e Espanha, onde as taxas de fertilidade caíram para 1,5 filho por mulher, ou menos.

Para refletir a incerteza, a ONU publica também variações sobre sua projeção para a taxa de fertilidade global futura. Dois modelos da entidade supõem que a população se aproximará ou de uma taxa de fertilidade de 2,5 ou de 1,5 - as variantes baixa e alta da ONU -, o que impelirá a população para cima até 15,8 bilhões ou para baixo até 6,2 bilhões, em 2100, a última representando um declínio de cerca de 800 milhões de pessoas em relação à população atual.

Uma população menor poderia aliviar a pressão sobre a natureza, assegurando uma exploração mais sustentável do meio ambiente. Mas o futuro desses Estados minguantes - definidos por uma combinação de uma grande quantidade de idosos aposentados e uma pequena quantidade de jovens trabalhando - poderia ser sombrio, particularmente se eles não conseguirem absorver migrantes jovens.

A Europa (incluindo a Rússia) que atingiu uma pico de população de 731 milhões em 2005, está projetada para ver seu primeiro declínio populacional da história, caindo para 664 milhões na metade do século. Estimativas da ONU projetam que a população da Rússia, hoje em 143 milhões, poderia perder quase 35 milhões, segundo a projeção mais provável - se a taxa de declínio se mantiver. Essa queda incentivou alguns países europeus, incluindo França e Macedônia, a oferecer incentivos econômicos, como dinheiro ou atendimento subsidiado às crianças, para encorajar mães a ter mais filhos.

China e Índia, os dois países mais populosos do mundo, tentaram conter o crescimento demográfico nas últimas quatro décadas com uma série de medidas compulsórias não raramente draconianas - incluindo a política de um filho e programas de esterilização em larga escala na China. Mas o custo tem sido alto em termos humanos, particularmente na China, onde 20% dos meninos nascidos nos anos 90 possivelmente não conseguirão encontrar um par, segundo Connelly.

O descompasso na juventude chinesa provavelmente será seguido por uma população cada vez mais idosa, aumentando a tensão sobre a nova geração chinesa, que terá de amparar os numerosos avós. Em meados do século, 30% da população da China terá mais de 65 anos. E estará em piores condições de saúde que os habitantes do Ocidente, dadas as taxas crescentes de tabagismo e o alto índice de envenenamento por chumbo - e outros males ambientais - entre os chineses.

Connelly suspeita que a população global deixará de crescer em torno da metade deste século. China e Índia podem servir de modelos de como países trabalharão no futuro para controlar o crescimento populacional. "Temo um retorno de medidas mais coercitivas", disse ele.

Os EUA evitaram em grande parte o destino de muitos outros países em desenvolvimento por causa de sua grande população de imigrantes. Apesar de seus benefícios demográficos, a imigração ficou sobre crescente ataque político nos EUA, que anunciaram ter deportado mais de 400 mil estrangeiros no ano passado, mais do que em qualquer outra época da história americana.

Mas será isso realmente algo para Washington alardear? "Não temos um modelo de país com população em declínio que esteja experimentando um crescimento econômico", disse Joseph Chamie, o ex-diretor da Divisão de População da ONU e atual diretor de pesquisa no Center for Migration Studies. Segundo ele, o crescimento econômico mundial dependeu de uma população em expansão desde a Revolução Industrial. Chamie contrastou o destino de duas cidades americanas: Detroit, que sofreu uma queda de população de 25% na última década, caiu de joelhos; Nova York, que teve um aumento de 400 mil pessoas no mesmo período, prosperou.

"Uma população em declínio traz benefícios como um desgaste ambiental menor e menos consumo, mas terá também menos trabalhadores para cada aposentado. Isso pode se tornar um fardo financeiro muito grande para os jovens", disse ele. "Não sabemos exatamente como proceder se a população começar a cair como vimos na Rússia, Japão e outros lugares. Navegamos hoje em águas desconhecidas."/ TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK 

Eles bebem. Você paga! - REVISTA VEJA



Eles bebem. Você paga! 
REVISTA VEJA

O Tribunal de Contas da União investiga repasses de dinheiro do governo à União Nacional dos Estudantes. Já descobriu que parte dos recursos foi usada irregularmente em festas e na compra de uísque, vodca, cerveja ...


GUSTAVO RIBEIRO

Fundada em1937, a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi protagonista de inúmeros episódios de luta por ideais republicanos. Na década de 40, combateu a influência do fascismo europeu no Brasil. Durante os anos mais trevosos do regime militar, seus principais líderes empunharam armas para reivindicar democracia. Essa gloriosa história pertence ao passado. A moçada agora quer sombra, uísque, gelo e água fresca grátis em troca de servidão automática ao governo. Contestação é coisa de otário. Os líderes da principal entidade estudantil brasileira dissipam sua náusea burguesa com garrafas de vodca, uísque, gelo e caixas de cerveja pagos com nosso dinheiro. Compram tênis e bolsas Puma, Nike ou Adidas, símbolos do "imperialismo", e mandam a conta para os proletários brasileiros que trabalham e pagam impostos.
A atuação pelega da UNE de hoje envergonha seus heróis do passado. Dominada por parasitas do PCdoB desde os primórdios, a entidade perdeu a força, a voz – e o pudor. Desde 2003, recebeu 42 milhões de reais de dinheiro tomado pelo governo dos proletários brasileiros e entregue aos pequeno burgueses que fingem estudar. O Tribunal de Contas da União (TCU) resolveu esmiuçar a aplicação desses recursos e deparou com gravíssimos indícios de irregularidades. Despesas injustificáveis, descritas em notas fiscais suspeitas, amontoam-se nas prestações de contas investigadas. Somente em um convescote da UNE de 2008, apelidado de Caravana Estudantil da Saúde, o TCU suspeita que mais de 500 000 reais tenham sido roubados. Essa foi a quantidade de dinheiro que sobrou depois que todas as despesas previstas foram pagas. A UNE devolveu os recursos? Não. Como todo militante adulto da corrupção, a entidade dos jovens mandou avisar que gastou o dinheiro do povo com "assessorias". "Não tenho conhecimento de irregularidades. Se houver e formos notificados pelo TCU, vamos corrigi-las", diz Daniel Iliescu, presidente da UNE, que assumiu há quatro meses. Notas fiscais analisadas pelo tribunal mostram que a "revolução pela garrafa" é a nova palavra de ordem da UNE. Sob a fachada de promover Atividades de Cultura e Arte da UNE, em 2007, os pequenos-burgueses da UNE beberam caixas e caixas de cerveja, garrafas de uísque escocês e de vodca. Diz o procurador do TCU Marinus Marsico: "É evidente o descaso da UNE com o patrimônio público. Fico estarrecido de ver tanto dinheiro do povo usado sem obediência aos princípios da moralidade". Continuem assim, jovens revolucionários da garrafa, um ministério os espera.

Reação ao aparelhamento
Pela primeira vez em quase cinquenta anos de história, o Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília deixou a órbita dos partidos de esquerda. Na semana passada, os alunos da UnB escolheram como seu representante um grupo sem ligações partidárias, comprometido apenas em melhorar as condições de ensino e não em promover determinada ideologia. A chapa Aliança pela Liberdade venceu as eleições por uma margem de apenas 188 votos, pequena, é verdade, mas que pode estabelecer um paradigma no movimento estudantil oposto ao peleguismo vergonhoso da UNE. Os integrantes do novo DCE iniciam nesta semana seu mandato de um ano, destoando do matiz ideológico predominante no movimento estudantil. A Aliança pela liberdade defende o investimento privado no Campus Universitário como a melhor forma de promover as pesquisas. "Temos de abrir a UnB para o capital privado. Foi graças a ele, afinal, que a Unicamp se tornou um centro de excelência", afirma Pedro Ivo Santana, aluno de engenharia civil e um dos coordenadores da nova direção.
O grupo se elegeu na semana passada ao cabo de uma iniciativa do estudante de direito André Maia. Sem se sentir representado pelos grupos de esquerda que se alternavam no poder da universidade desde a sua criação, ele decidiu convocar os amigos. "Não queremos discutir questões como o conflito árabe-israelense. Nossa preocupação são temas de ordem prática que terão efeito positivo na qualidade do nosso ensino", explica Maia. A vitória é creditada ao pragmatismo das propostas e ao caráter apartidário da chapa. Hoje, nenhum dos sessenta membros do movimento tem ligação formal com legendas políticas. Integrantes da Aliança que decidirem se filiar a partidos perderão automaticamente postos de direção no DCE. A reitoria petista da UnB fez questão de registrar seu espanto com a nova realidade. Em seu portal oficial, publicou uma reportagem classificando a chapa vitoriosa de "despolitizada" e, sob o covarde manto do anonimato, diz que houve "perda de representatividade dos alunos". É sempre assim com certa esquerda. A democracia e o voto só são bons quando a favorecem. Para o historiador da Universidade Federal de São Carlos Marco Antonio Villa, a alternância de poder na direção dos estudantes da UnB é, em si, um fato positivo: "Esse episódio sinaliza o cansaço com as velhas lideranças e pode ser o início de representações estudantis que se preocupem realmente com as necessidades concretas das universidades – e não com a formação de quadros partidários". Quem sabe, finalmente, a UnB chegue ao século XXI.

RUY CASTRO - Aprender a esperar



Aprender a esperar
RUY CASTRO 
FOLHA DE SP - 31/10/11

RIO DE JANEIRO - Durante oito anos, Luiz Inácio Lula da Silva não abriu uma porta de carro. Também não precisou se curvar para amarrar os cadarços, não deu um nó na gravata e nem precisou ir pessoalmente ao filtro se servir de água. Como presidente da República, tinha gente para ajudá-lo em todas as instâncias. E, assim que puxava uma cigarrilha, os isqueiros se atropelavam na sua direção.
Lula conheceu o poder absoluto. A frase de que nele nada pegava foi desafiada inúmeras vezes -denúncias e escândalos em série, companheiros caindo à sua volta, alianças com os piores nomes da política-, e ele continuou invicto. Não seria anormal que lhe passasse pela mente a sensação de onipotência.
O câncer de laringe que o destino colocou à sua frente é um duro golpe nessa sensação. Mesmo os que nunca fizeram juízo tão alto de si mesmos se perguntaram ao ouvir diagnóstico semelhante: "Por que eu?".
Embora a pergunta tenha uma resposta técnica (no caso, a combinação de tabaco e álcool), há sempre uma secreta sensação de culpa, de que fomos finalmente apanhados por algum malfeito. Descobrimos que não éramos tão onipotentes assim.
Um tratamento de câncer exige grande humildade do paciente, no sentido de submeter-se aos médicos, observar estrita disciplina e enfrentar a brutalidade da medicação. Não há espaço nem tempo para depressões. A doença é muito veloz e se aproveita de tudo para evoluir.
Lula teve sorte de seu tumor ter sido percebido cedo e de poder atacar logo o tratamento. Seu problema acontece uma semana depois das denúncias de que o tempo médio para um brasileiro comum, diagnosticado com câncer, começar a ser atendido pelo SUS é de 76 dias para a quimioterapia e de 113 para a radioterapia. O câncer dos brasileiros tem de aprender a esperar.