segunda-feira, outubro 31, 2011

RUY CASTRO - Aprender a esperar



Aprender a esperar
RUY CASTRO 
FOLHA DE SP - 31/10/11

RIO DE JANEIRO - Durante oito anos, Luiz Inácio Lula da Silva não abriu uma porta de carro. Também não precisou se curvar para amarrar os cadarços, não deu um nó na gravata e nem precisou ir pessoalmente ao filtro se servir de água. Como presidente da República, tinha gente para ajudá-lo em todas as instâncias. E, assim que puxava uma cigarrilha, os isqueiros se atropelavam na sua direção.
Lula conheceu o poder absoluto. A frase de que nele nada pegava foi desafiada inúmeras vezes -denúncias e escândalos em série, companheiros caindo à sua volta, alianças com os piores nomes da política-, e ele continuou invicto. Não seria anormal que lhe passasse pela mente a sensação de onipotência.
O câncer de laringe que o destino colocou à sua frente é um duro golpe nessa sensação. Mesmo os que nunca fizeram juízo tão alto de si mesmos se perguntaram ao ouvir diagnóstico semelhante: "Por que eu?".
Embora a pergunta tenha uma resposta técnica (no caso, a combinação de tabaco e álcool), há sempre uma secreta sensação de culpa, de que fomos finalmente apanhados por algum malfeito. Descobrimos que não éramos tão onipotentes assim.
Um tratamento de câncer exige grande humildade do paciente, no sentido de submeter-se aos médicos, observar estrita disciplina e enfrentar a brutalidade da medicação. Não há espaço nem tempo para depressões. A doença é muito veloz e se aproveita de tudo para evoluir.
Lula teve sorte de seu tumor ter sido percebido cedo e de poder atacar logo o tratamento. Seu problema acontece uma semana depois das denúncias de que o tempo médio para um brasileiro comum, diagnosticado com câncer, começar a ser atendido pelo SUS é de 76 dias para a quimioterapia e de 113 para a radioterapia. O câncer dos brasileiros tem de aprender a esperar.

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