sábado, abril 16, 2011

RUTH DE AQUINO - Por que condeno a lei contra a burca


Por que condeno a lei contra a burca
RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA



Época
RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br
Vi uma mulher de burca pela primeira vez no metrô de Londres, no verão de 1977. Eu tinha 22 anos, e senti pena, repulsa e impotência. Fazia calor nos vagões. Os homens que a acompanhavam falavam alto, ignorando-a. Eu tentava ver os olhos da mulher por trás da tela negra. Seria jovem, idosa? Seu olhar seria resignado ou um pedido mudo de socorro? Conseguiria respirar? Culpei os homens e o fanatismo islâmico. Ali estava uma mulher condenada à ausência de desejos.
Hoje, eu me vejo condenando a nova lei na França. O governo de Nicolas Sarkozy decidiu multar em € 150 toda mulher que, num espaço público, se cobrir com dois tipos de véus muçulmanos: a burca e o niqab, que só insinuam ou mostram os olhos. Dirigir, ir a locais de culto e trabalhar com esses véus pode. Mas caminhar, ir a parques, museus, hospitais etc., não. A lei permite o xador e o hijab, que deixam a face exposta, e não cita o islamismo ou credos religiosos. Proíbe apenas “a dissimulação do rosto”. O slogan é: “A República se vive com o rosto descoberto”.
O que a França consegue com isso? Transformar um símbolo de opressão num símbolo de autodeterminação religiosa e até feminina. Muitos se rebelam contra a arrogância do Estado que decide determinar como a mulher deve se vestir. Chrystelle Khedouche, francesa de 36 anos que se converteu ao islã, disse: “Decidi não usar o véu islâmico... agora, me obrigar a não usar é suprimir minha liberdade”.
Antes que o fundamentalismo católico, ateu ou feminista desabe sobre mim, vamos aos fatos, despidos de preconceitos. Há 5 milhões de muçulmanos na França. Menos de 2 mil mulheres usam burca ou niqab. Em Paris, não passam de 800. Elas se concentram em bairros de imigração árabe. Pela lei, policiais podem pedir que a mulher retire o véu para se identificar, mas não podem forçá-la a nada. Caso ela se recuse, eles a levarão à delegacia, e ela será multada. Essa minoria de muçulmanas já disse não se opor a mostrar o rosto ao pegar filhos na escola, ou à entrada de um banco ou museu. Mas se nega a abrir mão do véu.
Por trás da letra da lei, existe hipocrisia. Sarkozy precisa de medidas populares para melhorar suas chances de reeleição. A maioria dos franceses apoia o veto aos véus. Cita valores laicos e de liberdade da República francesa. São argumentos que soam legítimos. O véu integral, que não é pré-requisito no Alcorão, fere a dignidade da mulher por subtraí-la da sociedade. Muçulmanas obrigadas pelo marido a se cobrir estariam, enfim, livres para mostrar o rosto. É verdade. Mas e as que não abrem mão de se vestir assim? A França estaria violando seus direitos humanos.
Detesto a burca, mas a nova lei francesa – que multa e prende quem usar o traje – só acirra a intolerância
Há quem fique chocado com as mulheres nuas de pernas abertas, deitadas ou de quatro, nas bancas de revistas. Ou com as prostitutas semidespidas que se oferecem a clientes nas ruas. Serão todos multados e detidos em nome da República? O que determina a dignidade feminina se elas se despem ou se cobrem por vontade própria, por fé ou dinheiro, e não por submissão?
Um argumento hipócrita é o da segurança. Pessoas só com os olhos de fora podem ser terroristas disfarçados. Como se pessoas bombas, assassinos em série ou mártires fanáticos precisassem de burca para matar e morrer. Quando eu estava em Nova York em meio à nevasca, fui uma involuntária ameaça à segurança. Usava chapéu, sobretudo até os pés e echarpes em torno do pescoço e da face para evitar o vento cortante. Minha visão escapava ao agasalho, mas usei óculos de sol para não lacrimejar. O argumento da segurança não é racional. E os franceses se orgulham de ser racionais.
Motociclistas de capacete, cristãos carnavalescos ou mascarados em procissões religiosas, todos podem ocultar o rosto. Isso leva a nova lei a parecer xenófoba. Sarkozy talvez personifique o sentimento nacional de aversão à imigração e aos diferentes. Alguns franceses dizem: “Quer usar a burca? Então volte para seu país, volte ao lugar de onde veio”. Para muitas delas, esse lugar é a França.
Destesto a burca e o niqab. Mas uma lei que multa e prende só acirra a intolerância. Para usar uma palavra que os franceses adoram, é “ridicule”.

GUILHERME FIUZA - Os fantasmas de Realengo


Os fantasmas de Realengo
GUILHERME FIUZA

O GLOBO - 16/04/11

No Brasil é assim: quando o culpado morre, alguém tem que ser posto rapidamente no seu lugar, para o ritual da malhação do Judas. Algum alvo fácil e visível, que permita aos justiceiros ao menos uma bordoada com estilo, no meio da praça.

A chacina de Realengo desnorteou os justiceiros, confundiu os explicadores. O assassino, que se matou, não representa significativamente nada, nem ninguém. Não era terrorista, nem traficante, nem pitboy. Também não era um excluído da sociedade de consumo. Era só um pobre coitado, alucinado por seu próprio sofrimento e desordem mental. E agora? A quem metralhar?

Sobrou para os brasileiros que votaram contra a proibição da venda de armas. Dentre os Judas de ocasião, esses foram os preferidos para expiar o pecado sanguinário de Wellington Menezes de Oliveira. Os 64% que disseram "não" no referendo de 2005 estão sendo chamados agora, pelas vozes da razão, a examinar suas consciências diante de 12 crianças inocentes mortas. Barra pesada.

Pesada e obtusa. A equação que liga o resultado do referendo aos disparos na escola de Realengo é tortuosa como a mente do assassino. Parte do princípio de que aqueles 64% votaram contra o desarmamento. Um princípio que é o fim. Difícil acreditar que mais de cinco anos não foram suficientes para a compreensão desta nuance. Aliás, os plantonistas do bem detestam nuances. Dividem o mundo entre bandidos e mocinhos, passam fogo no inimigo imaginário e correm para o abraço.

A ideia de proibir o comércio de armas de fogo está no hall daquelas boas intenções que abarrotam o inferno. É o pacifismo, mais uma vez, saindo pela culatra. Enquanto houver fabricação de armas e demanda por elas - e haverá, até o fim dos tempos -, a proibição da venda terá um efeito principal: o formidável crescimento do mercado negro, vitaminando traficantes, atravessadores e varejistas piratas como os que armaram Wellington.

Considerando que o atirador de Realengo não faz o tipo que compra revólver em loja e exige nota fiscal, o "sim" no referendo seria uma ótima notícia para os candidatos a serial killer. A oferta dos brinquedinhos de matar certamente explodiria nesse camelódromo subterrâneo. Talvez até com serviço de delivery, munição de brinde e venda a crédito (no paralelo, o SPC é a vala. Muito mais eficiente).

A patrulha pacifista não está nem aí para os efeitos colaterais da sua bondade. Prefere ficar repetindo anos a fio - como se vê volta e meia nos jornais, na TV e no rádio - que o voto contra a proibição da venda de armas foi um voto contra o desarmamento. Não perca tempo explicando que são coisas diferentes. Os que apertaram o "não" são 60 milhões de Rambos em potencial, e ponto final. E ajudaram Wellington a apertar o gatilho. Se você é um desses, fique na sua. Daqui a pouco o Michael Moore aparece por aí para botar o dedo na sua cara.

Enquanto o justiceiro americano não vem, José Sarney vai fazendo a sua parte. Como se sabe, justiça é com ele mesmo. (Que o diga o "Estadão", há quase dois anos sob censura judicial, impedido de publicar notícias sobre a investigação da família Sarney por tráfico de influência.) Rápido no gatilho, o presidente do Senado entrou no duelo das manchetes: municiado pela comoção geral com o massacre de Realengo, propôs um plebiscito para rever o referendo de 2005. Generoso, Sarney decidiu dar à sociedade a chance de corrigir seu erro e votar direito. Afinal, se ela fosse boa nisso, talvez ele não estivesse onde está.

Sarney fazendo campanha pela proibição da venda de armas é a melhor foto desse Sábado de Aleluia antecipado. Entre bofetadas no bom senso, pontapés de oportunismo e cusparadas de diagnósticos levianos, o que importa é tirar sua casquinha do Judas enquanto é tempo. A tragédia já está escorregando para os pés de página, daqui a pouco não tem mais graça.

Curiosamente, há uma corrente de opinião defendendo exatamente um freio no noticiário sobre Realengo - pelo menos quanto às mensagens deixadas pelo atirador. Um doido covarde não pode se apresentar como vítima da covardia, encerram os virtuosos. É um "animal", concluiu o governador do Rio. Talvez esse Brasil voluntarista, que quer fuzilar a violência proibindo a venda de armas, ache que pode também proibir os Wellingtons. Basta bombardear as razões do facínora, e enterrá-las com ele para evitar contágio.

Doce ilusão. Desprezar a mente e o contexto do assassino, desclassificando-o como um aborto da natureza, é o maior dos riscos. Wellington não é uma assombração, não basta acender a luz para fazê-lo desaparecer. É preciso investigar meticulosamente a sua caixa-preta. Esse é o único caminho para se tentar, talvez, identificar e prevenir o aparecimento de outros.

É indigesto prolongar esse show de horrores. Mas é melhor do que ficar discutindo referendos e outros fantasmas da boa-fé.

TUTTY VASQUES - Sandy Winehouse


Sandy Winehouse
TUTTY VASQUES

O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/04/11

Amigos da pá-virada de Amy Winehouse estão grilados. Também, pudera! A autora e intérprete do hit Rehab anda vendendo saúde em Londres: toda coradinha e bem comportada, prepara-se para lançar um CD. Não vomita há um tempão, esqueceu de vez aquele ex-marido doido de pedra, está louca para procriar... Não à toa, o jornal sensacionalista britânico The Sun vem dando à transformação da artista status de escândalo. Mal comparando, trata-se de uma devassa mostrando que também tem um lado Sandy!
O desejo pela maternidade tem sido interpretado pela publicação como crise de abstinência: "Amy Winehouse está desesperada para ter filhos!" Outro tabloide, o Daily Mail, exibiu em tom de denúncia de vida saudável um princípio de gordurinha flagrado no abdômen esculpido pelas drogas pesadas que, tanto quanto a voz marcante, projetaram a cantora mundo afora.
Parece que parou de beber, de falar palavrão, de cuspir e de, sem mais nem menos, dar na cara de uns e outros de vez em quando. Na contramão da Sandy, tudo que Amy quer daqui pra frente é ter um pai como o Xororó, um irmão feito o Júnior e um marido da Família Lima.

Acredite se quiser!
Basta!


A imprensa esportiva - ô, raça! - insiste na possibilidade de Paulo Henrique Ganso se transferir para o Corinthians. Nada a ver! Quando Muricy Ramalho saiu do Fluminense os jornais também diziam que ele iria para o Santos.

Na vaga do Baixinho
O ministro Gilmar Mendes, do STF, está na Espanha para um congresso de juristas na Universidade de Granada. Nada o impede de dar pulinho em Barcelona para assistir ao clássico contra o Real Madrid com o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, que, como se sabe, ficou sem companhia para ir ao estádio.

Antimarketing
Se José Sarney é contra o comércio de armas de fogo, quem haverá de ser a favor?! Pelas contas dos fabricantes de revólver, o negócio deles seria hoje aprovado em plebiscito pela grande maioria dos brasileiros!

Arroladíssimo
Arrolado como testemunha de Jair Bolsonaro em processo por racismo e homofobia, José Dirceu declinou da citação, alegando que já está suficientemente arrolado com aquela
coisa toda.

É por aí!
Em menos de duas semanas, a polícia do Rio rastreou a origem dos dois revólveres
utilizados no massacre da escola de Realengo, e prendeu quem os vendeu ao
assassino das crianças. Se fosse sempre tão eficiente, o comércio de armas não necessitaria de plebiscito para ser inibido.

Carreira promissora
Os shows do U2 em São Paulo criaram um novo patamar de flanelinha no Brasil! Com vagas a R$ 140, francamente, precisa ser muito burro para querer ser médico no Brasil, né não? 

A. P. QUARTIM DE MORAES - Tocando o bumbo



Tocando o bumbo

A. P. QUARTIM DE MORAES
O Estado de S.Paulo - 16/04/11

Perdoem-me os leitores a insistência com que volto ao tema, objeto talvez de nove a cada dez artigos que escrevo para esta página, mas alguém tem de tocar o bumbo enquanto os fundamentalistas do mercado continuarem desmoralizando o ofício de publicar livros no Brasil. Meu mais recente ataque de indignação foi provocado por um episódio aparentemente banal, mas claramente revelador da degradação que contamina a gestão do negócio do livro, considerado como uma atividade empresarial diferenciada pela natureza do produto com que trabalha e da responsabilidade cultural, portanto, social, que isso implica.

Procurou-me uma headhunter a serviço de uma casa publicadora importante, atrás da indicação de um profissional para substituir o diretor editorial, que, fiquei sabendo depois, estava de saída por ter atingido a idade-limite para trabalhar na corporação. Enviou-me por e-mail, cumprindo o que acredito que seja um procedimento rotineiro, um "perfil da vaga", com uma extensa discriminação das "atribuições do cargo". A primeira dessas atribuições, no topo da lista: "Direcionar a equipe na seleção de títulos com bom potencial de venda (o grifo é meu), que proporcionem prestígio à marca e que reforcem o catálogo". Quer dizer, essa editora só se interessa por livros que possam vir a vender bem e acredita que seja isso, a publicação de best-sellers, que dará "prestígio à marca". Pode haver confissão mais explícita de rendição à "razão de mercado" em detrimento da missão civilizadora do livro?

É claro que uma editora comercial - como o próprio nome está dizendo - é uma empresa, um negócio, que como tal precisa se tornar viável, dar lucro. E para isso precisa que seus produtos, os livros, vendam. Nada contra. Mas, para começar, as editoras de livros não são empresas como outras quaisquer, que podem alegar tranquilamente que responsabilidade social é assunto que não lhes diz respeito. As editoras têm, sim, a responsabilidade irrecusável de retribuir de alguma maneira à sociedade o subsídio que ela lhe concede na forma de renúncia fiscal. Livro, no Brasil, não paga imposto. Muitos editores jamais se deram ao trabalho de parar para pensar sobre as razões desse privilégio.

De qualquer modo, também por essa razão é condenável dar prioridade ao potencial de venda em prejuízo da qualidade de conteúdo. Esse procedimento é o resultado da associação de dois atributos incompatíveis com a responsabilidade social do editor: ganância e ignorância. O indispensável lucro deve ser o resultado de um trabalho muito mais difícil e desafiador do que o de farejar originais que se possam transformar em best-sellers. O que verdadeiramente dá prestígio à marca de uma casa publicadora é a competência para, primeiro, descobrir bons conteúdos; depois, transformá-los em livros que vendam bem.

Seguindo, porém, até com algum atraso, uma tendência que é universal, mas nem por isso auspiciosa, o segmento do mercado editorial brasileiro chamado de trade, aquele dedicado à produção de livros para venda no varejo, está hoje quase totalmente dominado pela obsessão do best-seller, que desconsidera a importância do conteúdo em benefício do desempenho de vendas.

Algumas maravilhosas exceções ainda podem ser encontradas, por conta do idealismo de um punhado de editores-amantes-de-livros, entre as publicadoras de médio e de pequeno portes. Entre as grandes, pouquíssimas são capazes ou estão dispostas a perseguir o equilíbrio entre conteúdo e potencial de vendas. O que lhes importa é exclusivamente a perspectiva de lucro, não para o conjunto do catálogo, mas para cada título individualmente considerado. E esse critério é demolidor, por exemplo, para as possibilidades de publicação de autores novos. Para o futuro da literatura brasileira.

A alarmante decadência dos conteúdos hoje disponíveis nas estantes das livrarias e a crescente escassez de títulos, ficcionais ou não, voltados para a realidade brasileira estão longe de ser levadas a sério pela maior parte dos profissionais envolvidos na produção de livros, pela mídia e até mesmo - especialmente lamentável - pelas entidades representativas do universo livreiro. Em contrapartida, muito se fala, ou melhor, se conjectura, sobre os efeitos da revolução digital na produção de livros, sobre quanto tempo o papel sobreviverá como suporte básico, sobre qual novo tablet vai fazer sucesso no próximo verão. Ou seja, tudo sobre as peripécias de quem está envolvido com a forma dos livros. Nada sobre o que num livro verdadeiramente importa: o conteúdo.

Não me refiro à cobertura midiática. O suplemento Sabático do Estado é um bom exemplo de como literatura e literatos podem e devem ser tratados. O que ninguém parece disposto a discutir é a questão do conteúdo do ponto de vista da política editorial que define os rumos de cada uma das casas publicadoras e do conjunto da indústria do livro no Brasil. Essa é uma discussão necessária, especialmente no momento em que o País avança pelo terceiro milênio com ambição de se tornar potência mundial. Os livros têm um papel a cumprir nisso.

Os empresários do setor editorial, é claro, têm todo o direito de continuar publicando exatamente o que acham que devem, apesar de se beneficiarem de uma isenção tributária concedida a partir do pressuposto de que um editor de livros não pensa só em ganhar dinheiro. Ah, sim! Existe o Instituto Pró-Livro, mantido por editoras com a missão de "contribuir para o desenvolvimento de ações voltadas a transformar o Brasil em um país leitor". Maravilhoso! É realmente importantíssimo estimular o surgimento de novos leitores. Mas não menos importante é pensar na qualidade dos conteúdos a serem oferecidos a eles. É disso que estamos falando.

JORNALISTA E EDITOR.

ANCELMO GÓIS - Tempo de tensão


Tempo de tensão
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 16/04/11

O massacre na escola de Realengo, meu Deus, criou um clima de tensão. Esta semana, uma menina de 10 anos do 5o- ano da Escola Garriga de Menezes, em Jacarepaguá, teria sido ameaçada por um coleguinha com uma faca de cozinha em plena sala de aula. 

Segue...
O menino teria puxado a faca e perguntado: “Duvida que eu te mate agora?” O aluno foi suspenso. Tomara que tudo não tenha passado de uma brincadeira de mau gosto. 

Efeito Realengo

Quarta, por volta de 19h, a aula corria normalmente numa sala da Facha, a faculdade carioca, quando uma mulher escancarou a porta e entrou sem bater, assustando professor e alunos. Era, acredite, uma... oficial de Justiça, que queria notificar o mestre. Ufa... 

pH é da Abril
Uma reunião ontem num hotel do Rio selou a venda da rede pH de ensino para o grupo Abril Educação. O negócio gira em torno de R$ 300 milhões. Este mesmo grupo comprou, ano passado, o Sistema Anglo de Ensino, de São Paulo. Ambos são referências nos vestibulares.

Chorões na China

Dia 21 agora será inaugurada a nova sede do Clube do Choro de Brasília, projeto de Niemeyer que recebeu R$ 740 mil do Ministério da Cultura. O choro nasceu no Rio. Mas cresce tanto em Brasília que chorões do clube foram à China com Dilma. 

Tríptico de Adriana

Veja como a obra de Adriana Varejão está cada vez mais valorizada. Um tríptico (três pinturas apresentadas juntas) da grande artista plástica carioca foi arrematado num leilão, quinta, em São Paulo, por R$ 2,15 milhões.

Diário de Justiça

O STJ decidiu que, em caso de suicídio nos dois primeiros anos de contrato de um seguro de vida, a seguradora só estará isenta do pagamento se comprovar que o ato foi premeditado. Segundo a tese vencedora, do ministro Luiz Felipe Salomão, “o novo Código Civil presume a boa-fé, e a má-fé é que deve ser comprovada, ônus que cabe à seguradora”. 

Segue...
No caso em julgamento no STJ, o segurado tinha menos de dois anos de contrato. A seguradora não provou que o suicídio fora premeditado antes da contratação do seguro e teve de indenizar a família. 

Chegou a grana
O ator Antônio Grassi, presidente da Funarte, conseguiu liberar cerca de R$ 19 milhões para pagar dívidas do passado com o pessoal do teatro, do circo, da dança e da música.

Sozinha de novo
Isabela Capeto entrou em acordo com a InBrands, a empresa que andou comprando várias marcas de moda, e retomou o negócio com seu nome. A InBrands terá apenas um acordo de licenciamento da grife pelos próximos dois anos. 

Bzzzzzzzzz...
O lago do Palácio do Itamaraty, no Rio, foi tomado pelos mosquitos da dengue, que invadiram a cabine de tradução simultânea da Casa. Três tradutores estão no hospital. 

Mãos ao alto!
Uma senhorinha foi agredida e roubada por uma ladra, acredite, dentro da loja Marisa do Méier, no Rio. A larápia derrubou a tia e levou
sua bolsa. O segurança disse que seu papel é “garantir o patrimônio da loja”. A vítima registrou queixa na DP do Méier. 

Bombeiros

Ontem, por volta de 10h30m, na Rua Barão do Bom Retiro 739, no Engenho Novo, no Rio, três bombeiros uniformizados faziam uma mudança. Usavam um carro de passeio (LNV 8805) e uma Kombi oficiais (LWV 5805). 

Dá a notinha? 

Saiu o resultado do primeiro sorteio da promoção Nota Carioca, da prefeitura do Rio, em que o contribuinte pede o cupom fiscal e concorre a prêmios de R$ 20 mil. Um ganhador é do Maranhão e nunca veio ao Rio. Conseguiu sua notinha numa compra pela internet

ZONA FRANCA

 O psicanalista Ary Marinho organiza o encontro “Sexualidade e agressividade em nossos tempos e em nossas culturas”, de 20 a 24
de abril, em Moçambique.
 Taryn Szpilman e a Rio Jazz Orchestra fazem show beneficente com Milton Nascimento, Ivan Lins e Nnenna Freelon, segunda, no Vivo Rio. 
 A Clínica São Vicente faz hoje curso intensivo de gestão para médicos.
 Victor Loureiro lança “Perímetro humano”, dia 28, na Travessa/Ipanema.
 Valéria Homem dá palestra no 5o- Congresso Brasileiro de Oftalmologia da Soblec, em Curitiba. 
 Hoje, a Galeria de Arte Plano B faz coquetel com exposição em homenagem a São Jorge, às 10h.
● Hoje, na quadra do Império Serrano, haverá a Feijoada Imperial.

JORGE WILHEIM - Planejamento e metrópole



Planejamento e metrópole
JORGE WILHEIM

O Estado de S.Paulo - 16/04/11

Nota editorial do Estadão (1.º/4, A3) saúda, com toda a razão, a decisão do governo do Estado de restabelecer planejamento e autoridade de amplitude metropolitana em São Paulo. Recorda o que ocorreu, nesse sentido, durante a gestão do governador Paulo Egydio Martins (1975-1979): a criação da Emplasa, órgão de planejamento metropolitano que substituiu o Gegran, autor do plano de 1970, do Codegran (órgão deliberativo), do Consulti (órgão consultivo composto pelos prefeitos), do Fumefi (órgão de financiamento) e da EMTU (empresa metropolitana de transporte).

Caberia ainda relembrar que, dentro do espírito de "abertura lenta e gradual" do presidente Geisel (1974-1979), que, a meu ver, poderia ter sido menos lenta e sem os percalços da invenção dos senadores biônicos, e paralelamente ao movimento de democratização da sociedade, o planejamento adquiria importância. Não é por acaso - e me orgulho de ter disso participado - que o governo Paulo Egydio se iniciou após estabelecer uma estratégia pela qual, por meio de programas e projetos, atacava de forma consistente os problemas emergentes diagnosticados em 1974, por equipe de consultores que coordenei.

Outras realizações inseridas no planejamento de então: a criação de um balcão de empregos; a Terrafoto, que por vez primeira substituía um cartel no levantamento aerofotogramétrico de todo o Estado; o Procon; a discussão das alternativas de desenvolvimento, um desafio ao establishment ainda vigente, com ênfase no meio ambiente e seus produtos exemplares - o início do Proálcool, quando todas as viaturas oficiais passaram a usar a atual mistura de gasolina e álcool. E mais: as regras para a progressiva modernização automotiva, a instalação de coletores solares em hospitais universitários e a elaboração dos planos de desenvolvimento de cada uma das regiões administrativas do Estado, com a implantação de seus conselhos mistos de desenvolvimento.

Por que tudo isso desmoronou, já nos primeiros meses do governo seguinte (Paulo Maluf, 1979-1982), sem resistência da sociedade nem da mídia, e é retomado, parcialmente, 22 anos depois? O primeiro Plano Metropolitano viria a ser substituído por outro, em 1994, quando tive a oportunidade de dirigir aquela empresa estatal, já bastante fragilizada. Boa parte do que hoje é retomado, incluídos sua real dimensão e os desafios locais da globalização, já estava diagnosticada, com propostas de ação. Mas nem o governo de então (Luiz Antônio Fleury Filho, 1991-1994) nem os seguintes deram importância a esse plano, em que a metrópole já era descrita como uma região urbanizada, de Campinas a Santos, de Sorocaba a São José dos Campos, com São Paulo no núcleo.

Em meu décimo livro, recentemente editado, São Paulo: uma Interpretação, ao discorrer sobre as raízes e características dos protagonistas que atuam sobre o palco de São Paulo, menciono a natureza "pessoal" do exercício da política. Relaciono-a a duas características entranhadas em nossa cultura: a relação pessoas/território, que gerou uma cultura migrante, cujos atores sempre agem como "conquistadores", sem grande respeito pelas leis e pela ética, mas com iniciativa, criatividade e confiança em si próprios; e a porosidade social, que facilita o acesso à categoria de classe dominante a qualquer pessoa com garra e dinheiro (no Rio do século 19 vários traficantes negreiros dela faziam parte...).

Não é, por isso, de estranhar que o mundo político, com exceções, se caracterize mais pelo individualismo dos seus protagonistas, preocupados com a carreira pessoal, do que pela ideologia, deles ou de seu partido. E que nele ousadia e sucesso valham mais do que ética e solidariedade. A ausência de uma visão mais generosa e, por isso, mais adequada ao nosso desenvolvimento é comum em nosso mundo político. Houve, contudo, exceções. Entre estas, em minha apreciação, a de alguns prefeitos de São Paulo: Fábio Prado, Toledo Piza, Faria Lima, Olavo Setubal, Marta Suplicy; e a de alguns poucos governadores, como Paulo Egydio e Franco Montoro.

Na questão metropolitana sempre houve resistência de deputados estaduais e partidos a um planejamento e a uma autoridade neste território, ciosos de sua posição de representantes autônomos deste ou daquele município ou região, angariando créditos políticos por tudo de bom que lá ocorresse. Por outro lado, muitos cidadãos continuam buscando contatos pessoais com políticos a fim de resolver problemas pessoais, embora já seja impressionante quanto a sociedade se organizou em torno de causas coletivas. Um bom exemplo da movimentação da sociedade civil foi a criação da Rede Nossa São Paulo, que, no âmbito da Prefeitura, conseguiu resultados práticos importantes. Para superar essa situação de atraso na política, porém, uma reforma política ajudaria: com voto distrital, sem financiamento público, mas com a permissão de contribuições de pessoas físicas.

A perspectiva hoje é boa: nas mais diversas regiões do mundo um novo pacto social está sendo construído, com articulação do Estado, do mercado, da sociedade organizada e dos trabalhadores. A dimensão ambiental está, aos poucos, tomando sua posição no centro do planejamento do desenvolvimento. Entre nós, o combate à desigualdade está assumindo sua posição central no desenvolvimento. Já existe consciência das vantagens da previsão, do projeto, do sonho... Isto é, do planejamento.

E, finalmente, alguns políticos estadistas com visão generosa, humana e moderna, como os que já existiram, poderão ainda surgir. Por tudo isso, Geraldo Alckmin merece ser saudado com entusiasmo por sua mencionada iniciativa, embora não se possa esquecer que ela poderia ter sido tomada antes, pois ele e seu partido têm governado o Estado desde 1995... No campo do planejamento metropolitano são 16 anos de atraso a recuperar.

ARQUITETO E URBANISTA

JORGE BASTOS MORENO - Ao “mercado”


Ao “mercado”
JORGE BASTOS MORENO

Coluna Nhenhenhém

O GLOBO - 16/04/11


 Prestem muita atenção na reunião do “Conselhão”, marcada para o dia 26 de abril. Guido Mantega, da Fazenda, e Alexandre Tombini, do Banco Central, falarão sobre o momento econômico. Dilma ainda pensa em chamar gente de fora para participar dessa reunião.

À Praça
 Desisto de intrigar o governador Sérgio Cabral com o prefeito Eduardo Paes. Ali é caso de paixão. Paixão danada. O que não os impede de continuarem a falar mal um do outro. Vou investir agora na falsa amizade de Palocci com Guido Mantega.

Sem dias
 O balanço dos cem dias de Lula fora do poder é mil vezes superior aos primeiros cem dias dele no governo: dez viagens ao exterior. Sem contar a grana das palestras.

Nova profissão
 Bobos são os outros “ex”. FH e Lula transformaram o ócio na atividade mais produtiva e rentável do país. Os dois comercializam udo. Até autógrafos. Até por esse “bate-boca” de agora querem cobrar.

Desova 

 Lula é muito esperto. Lembram do Luiz Dulci, cuja única missão era escrever discurso para um presidente que falava de improviso?
Descobriu-se agora que, durante oito anos, Lula não jogava seus textos no lixo. Guardava-os. São mais de oito mil discursos que só agora Lula começou a ler. Como palestras.

Agenda
 De Lula para um amigo: — Essa mídia não sabe de nada. De 15 em 15 dias eu janto com a Dilma no Alvorada ou almoço com ela em São Paulo. Portanto, intrigas têm valor zero entre nós!

Pajelança do PMDB em pleno velório
 Aviso logo: é absolutamente verdadeira a história que vou contar. Não sou desses repórteres que, quando os fatos acabam, mesmo assim continuam escrevendo. Já fui. No caso em questão, como diz Ancelmo, há testemunhas. Por isso, darei nomes aos bois. No velório de Zé Alencar, Renan e Jucá sequestraram Palocci e o levaram para o gabinete do vice, onde já se encontrava Sarney.
Foram rezar pelas almas desempregadas do PMDB. Velas, terços e lista dos cargos nas mãos, começaram a viasacra pelo Dnit. Debruçado sobre o mapa do fisiologismo, Renan descobriu:
— Êpa! Achei uma vaga! Olha este cara aqui. Está lá desde os tempos do DNER. Deve estar desanimado com a rotina. E Sarney, que nunca nomeia ninguém:
— Como é o nome do cidadão? Renan diz e informa que o sujeito era do tempo de Afonso Camargo, ministro dos Transportes. Sarney pondera:
— Não façam isso! Esse funcionário é a alma do Dnit. Sem ele, o Dnit para. Ele praticamente criou o Dnit. Querem trazer problemas para a presidente?
(A história prossegue no próximo bloco)

Memória
 Palocci concorda e o funcionário é mantido. Jucá, de sua parte, puxa o mapa do Ministério da Agricultura. Temer, dono da pasta, se
estremece todo. Cargos lotados e duplicados. Volta-se ao critério de tempo de serviço. Descobriram uma funcionária nomeada quando Pedro Simon era ministro da pasta. Novamente, Sarney apela:
— Essa senhora é a memória viva do ministério. Tem a agenda das safras agrícolas na cabeça. Tirá-la de lá é o fim das commodities e a volta da inflação. Antes de irem para o próximo mapa, Palocci sugere:
— Vamos parar por aqui. Refaçam a lista e marquem os cargos do “projeto memória” do governo. São “imexíveis”. Realmente, Renan e Jucá são muito gulosos. Devem ter deixado Sarney constrangidíssimo. A sorte do Sarney é que ele não nomeia ninguém. Ainda bem.

Problema à vista 
 Durante audiência com o ministro Haddad, Marta Suplicy confirmou sua candidatura à prefeitura de São Paulo. Há um acordo informal de que, se o senador Suplicy quiser ser o candidato, os outros postulantes, que não são poucos, retirarão seus nomes. É crer para ver.

Santíssima Trindade 
 Eleito pelas funcionárias do Senado como o mais bonito parlamentar da casa, Lindberg Farias foi modesto:
— Eu, lindo? Lindas são Carolina Dieckmann, Renata Vasconcellos e a Mariana Ximenes. Falou para me agradar. Elas nem são tão bonitas assim.

Partidão
 Serra e Dilma estão mandando seus amigos todos para o novo partido do prefeito Kassab. Nada mais coerente. O nome do partido é PSD
— Partido do Serra e da Dilma.

SÉRGIO TELLES - Alô, alô Realengo, um triste abraço



Alô, alô Realengo, um triste abraço
SÉRGIO TELLES

O Estado de S.Paulo 16/04/11

O trauma é um acontecimento de tal intensidade que desorganiza o psiquismo, sendo necessário um longo e paciente trabalho para integrá-lo e neutralizar sua força desagregadora que paralisa o pensamento, impedindo o exame adequado de suas consequências.

Uma das formas de elaborar o trauma é colocá-lo em palavras, representá-lo, simbolizá-lo, o que permite não só a expressão dos afetos por ele despertados, como também a produção de respostas possíveis a seus desorganizadores desdobramentos. O acontecimento traumático pode ser incontrolável e imprevisível, como é o caso dos grandes desastres naturais (tsunamis, por exemplo), contra os quais nada podemos fazer a não ser tentar reparar os estragos ocorridos. Mas quando o trauma é provocado pela mão do homem, podemos e devemos elaborar hipóteses para compreender as circunstâncias e motivações subjacentes ao ato, para assim prevenir ou controlar novas possíveis manifestações do mesmo.

A matança de Realengo é um trauma não só para as famílias que perderam de modo brutal suas crianças, mas para toda a sociedade. Muito já foi falado sobre a patologia do assassino Wellington Menezes de Oliveira. Seja qual for o diagnóstico que se lhe atribua - psicose ou transtorno de personalidade -, não se pode negar que o fato de ter sofrido bullying tenha alguma importância na evolução do quadro.

Os assassinatos ocorreram no momento festivo do aniversário de 40 anos da escola, que, por este motivo, estava convidando ex-alunos bem-sucedidos para ali fazerem palestras. Ao chegar à escola com o intuito de matar as crianças, Wellington disse que estava ali para fazer uma palestra. Explicitava assim seu desejo de ser reconhecido e valorizado, e sua macabra "palestra" poderia ser entendida assim: "Não tenho motivo nenhum para festejar nesta escola onde tanto sofri e penei; agora todos vão sofrer e penar como eu".

A carta que deixou é reveladora. Nela, a sexualidade ocupa posição central. Os "impuros", "fornicadores" e "adúlteros" não poderão tocar seu corpo "virgem", declarações que talvez ecoassem o que ouviu durante anos ao acompanhar a mãe adotiva ao culto das Testemunhas de Jeová. O fato de ter matado preferencialmente meninas aponta uma dificuldade especial com o gênero feminino - algo que remeteria à forte ambivalência frente às mães, tanto a biológica - uma psicótica impossibilitada de exercer a função materna -, quanto a adotiva - falecida em outubro passado e ao lado de quem desejava ser enterrado. Chama também a atenção o fato de ter deixado sua casa para os "animais abandonados", que são "seres muito desprezados e precisam muito mais de proteção e carinho do que os seres humanos que possuem a vantagem de poder se comunicar". Estaria ele - uma criança adotada - identificado com tais animais abandonados? Estaria também declarando sua incapacidade de expressar seus sentimentos mais profundos, que só puderam aparecer de forma disruptiva e violenta nos assassinatos?

Colegas e familiares declararam que Wellington era continuamente vítima de ataques por parte dos outros alunos, coisa que ele mesmo confirmou nos vídeos divulgados esta semana. Tinha um único companheiro ("fanho") e os dois eram chamados de "retardados", especialmente pelas meninas. É também significativo o fato de ter poupado um aluno para quem disse "Não vou te matar, gordinho", talvez por acreditar que o menino, como ele próprio, fora objeto de bullying por parte dos demais.

O psicanalista Guillermo Bigliani, coautor do livro Humilhação e Vergonha - Um Diálogo entre Enfoques Sistêmicos e Psicanalíticos (Editora Zagadoni, a ser lançado em maio), diz que o bullying marca aqueles que dele sofreram, impondo-lhes duas saídas - a de "vítima privilegiada", na qual o sujeito, tomado por um profundo rancor, fica fixado numa crônica melancolia, ou a de "vingador", na qual o sujeito oscila entre a depressão e as atuações psicopáticas antissociais, o que, podemos pensar, teria acontecido com Wellington.

Mas afinal, o que é o bullying? É o nome novo para uma antiga realidade - o mecanismo de psicologia grupal que acontece nas escolas no qual uma criança é escolhida como saco de pancadas pelo grupo, que nela projeta tudo que não tolera em si mesmo. Habitualmente isso ocorre com as crianças mais frágeis, que não conseguem se defender, sofrendo passivamente as maiores agressões.

Ao se observar com mais atenção, logo entendemos que o bullying não acontece apenas entre as crianças. Existe em todos os grupos humanos e em todas as faixas etárias, sendo responsável pela formação dos "bodes expiatórios", pessoas usadas pelos grupos para nelas descarregarem seus sentimentos negativos. Mais ainda, é a base de todo e qualquer preconceito contra pessoas e minorias, e não seria exagero dizer que sua manifestação social macroscópica mais radical é a guerra. Estamos falando da destrutividade e das múltiplas formas pelas quais ela se manifesta nos atos humanos.

Assim, a necessária luta contra o bullying nas escolas é parte de um esforço maior que visa a conscientização dos aspectos violentos e agressivos existentes em todos nós, decorrentes daquilo que Freud chamou de "pulsão de morte".

"Nada do que é humano me é estranho." Só percebemos a profundidade desse aforisma de Terêncio em circunstâncias-limite como essa da matança de Realengo. É fácil dizer que foi um "monstro" quem a realizou. É mais complicado reconhecer que foi um homem o autor desse gesto monstruoso, que os homens fazem gestos monstruosos. Alguém pode garantir que não agiria da mesma forma que ele, se tivesse vivido em condições de vida semelhantes às dele e contasse com os mesmos recursos genéticos, intelectuais e emocionais dos quais ele dispunha?

Freud cita Platão que dizia que o homem virtuoso se contenta em sonhar o que o homem perverso executa. É claro que há uma diferença fundamental entre as duas posições. Mas temos de reconhecer que a distância entre o homem virtuoso e o perverso não é tão definitiva quanto gostaríamos que fosse.

ILIMAR FRANCO - Bomba-relógio


Bomba-relógio 
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 16/04/11

O governo tem 15 dias para resolver o problema dos restos a pagar que, segundo decreto do ex-presidente Lula, serão cancelados em 30 de abril. O ministro Luiz Sérgio (Relações Institucionais) recebeu cerca de cem parlamentares nos últimos 30 dias, todos com essa preocupação. Em jantar com o PT, no mês passado, o ministro Guido Mantega (Fazenda) disse que as obras em andamento e os convênios já firmados seriam preservados. Falta a presidente Dilma bater o martelo.

Mudanças nos bancos regionais 
Não é só a presidência do Banco do Nordeste que a presidente Dilma Rousseff quer trocar. Ela também pretende mudar a orientação do BNB, assim como a do Banco da Amazônia. Para Dilma, esses bancos devem parar de financiar grandes empreendimentos e focar no desenvolvimento regional. “O BNB não é para isso. Querem financiar grandes empreendimentos? Para isso tem o BNDES. Ele tem que financiar o desenvolvimento regional”, disse ela, em reunião recente. O ministro Guido Mantega (Fazenda) escolheu Miguel Terra Lima, funcionário de carreira do Banco do Brasil, para assumir a presidência do BNB, contrariando o governador Cid Gomes e a bancada do Ceará.

"A política econômica não é do Mantega nem do Palocci. É da Dilma. Não podemos esquecer que a presidente é economista” — Luiz Sérgio, ministro

DUELO. O presidente do STF, Cezar Peluso, e o expresidente do tribunal Gilmar Mendes estão disputando a
indicação do próximo integrante do Conselho Nacional de Justiça. Peluso, crítico dos “exageros” do CNJ, quer a nomeação do consultor legislativo do Senado Bruno Dantas, apadrinhado do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). Já Mendes trabalha por Marcelo Nobre.

Painel econômico
O ministro Guido Mantega e o presidente do BC, Alexandre Tombini, falarão sobre a situação da economia no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, dia 26. Será a primeira reunião do Conselhão no governo Dilma Rousseff.

À sua altura
Para resolver uma das últimas pendências com o PMDB, o governo avalia oferecer a presidência da Codevasf ao ex-governador José Maranhão (PB). Ele não aceitou a Embratur, por considerar que a função não estava à sua altura.

Paes diz que veta mudanças na APO

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, disse que vetará, na segunda-feira, as ressalvas incluídas pela Câmara de Vereadores na lei que ratificou a criação da Autoridade Pública Olímpica. A garantia foi dada ao futuro presidente da APO, Henrique Meirelles. A lei foi sancionada por Paes, com as ressalvas, e publicada no Diário Oficial do Município, anteontem. Entre outras coisas, foi criada a Autoridade Olímpica Municipal.

Compadres
Candidato a suplente de senador de Jefferson Praia (PDTAM), que não conseguiu se reeleger, Wilson Wolter Filho (PTdoB- AM) foi nomeado assessor especial do ministro Alfredo Nascimento (Transportes), que é do PR do Amazonas.

Consolo
Claudio Cava Corrêa, do PMDB do Rio Grande do Sul, foi nomeado chefe da assessoria parlamentar do ministro peemedebista Wagner Rossi (Agricultura). Corrêa disputou, sem sucesso, uma vaga de deputado estadual em 2006.
 POVÃO. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) deve participar da festa do 1o- de maio, organizada pela Força Sindical, em São Paulo.
 O GOVERNO está morrendo de medo do senador Roberto Requião (PMDB-PR). Por isso, ainda não saiu a nomeação do ex-governador Orlando Pessutti para o Conselho de Administração de Itaipu.
● PRESIDENTE da ONU Mulher, a ex-presidente do Chile Michele Bachelet vem ao Brasil em junho. O governo federal vai oferecer o IBGE e o Ipea para a elaboração de pesquisas, em troca da assinatura de convênios.

CORA RÓNAI - Atrix, o super smartphone


Atrix, o super smartphone 
CORA RÓNAI

O GLOBO - 16/04/11

MOTOROLA ATRIX: convergência de tecnologias levada ao extremo e praticidade 


SANJAY JHA: "Não soubemos fazer a transição do 2G para o 3G. Temos que ficar alertas"
Processador dual-core de 1GHz; 1GB de RAM; display qHD de alta resolução, Gorilla Glass, com cores 24 bits; porta HDMI; leitor biométrico de impressões digitais para segurança do aparelho. Configuração de netbook? Não, configuração do Atrix, o novo smartphone da Motorola - que, além de tudo isso, é lindo e bom de pegada, e tem uma série de acessórios inédita no mercado. O Atrix é um Android 2.2 com promessa de upgrade para 2.3 e 16GB de capacidade interna, expansíveis via cartão.
Confesso que, pela primeira vez, acho que estou diante de um substituto à altura do meu já folclórico Nokia N95. Digo isso porque os únicos defeitos que consigo apontar na máquina depois de três dias de uso são a falta de um disparador para a câmera, e a posição do liga/desliga, que fica justamente por trás do leitor biométrico. Este segundo defeito não chega a me incomodar muito, porque não sou animal com ilusões de privacidade, e já tive bastante convívio com leitores biométricos para saber que me dou melhor com senhas.
Outros Androids que vêm por aí têm características similares, mas os acessórios do Atrix o tornam um ser realmente à parte. O pacote básico já anunciado pela Vivo traz uma base multimídia que pode conectar o celular às TVs HDMI e que, ainda por cima, tem três portas USB. Bom: basta dizer que, no outro dia mesmo, comprei um player de Blu-Ray - não porque pretenda trocar todos os meus dois mil DVDs por Blu-Rays, mas porque o player tem uma porta USB fundamental para que eu possa ver o conteúdo dos meus pen drives na tela grande...
O Atrix tem também uma inteligentíssima casca chamada Lapdock, que consiste no seguinte: um netbook perfeito, do qual ele é a CPU. Entenderam? Todas as peças que vêm dentro de um netbook e o fazem funcionar como tal estão, agora, no celular. Basta acoplá-lo à traseira da Lapdock, e voilà! As vantagens de um sistema desses são inúmeras, sendo a mais óbvia a, digamos, concentração da mobilidade. Está tudo junto, num pacote só. Nada de carregar notebook para cá e para lá, pendrives e outras extensões da nossa já tão sobrecarregada memória. Deixa-se a Lapdock no escritório, por exemplo, e anda-se por aí com o Atrix - que, em casa, pode ser conectado ao notebook ou ao desktop para eventuais atualizações. É a convergência de tecnologias levada a um grau de materialização radical.
Se isso vai funcionar como esperado, não posso garantir, porque não tive tempo suficiente para destrinchar tudo. Mas vi o conjunto funcionando lindamente em São Paulo, por ocasião do seu lançamento, e pretendo que ele repita a performance aqui em casa. De qualquer forma, vocês ainda vão me ouvir falar um bocado desse aparelhinho, cujas possibilidades estou longe de esgotar - assim como do seu primo parrudo, o Xoom (pronuncia-se Zoom), tablet apresentado na mesma ocasião.
É óbvio que a Motorola de hoje não tem nada a ver com a Motorola de uns anos atrás. A empresa, aliás, tem a curiosa capacidade de reinventar-se periodicamente, e de renascer das próprias cinzas, como uma Fênix tecnológica. Quando os primeiros celulares de fato portáteis chegaram ao mercado, o primeiro a cair nas graças do público foi o Startac. Durante um bom tempo a Motorola surfou sozinha na onda, até que a Nokia tomou conta do mercado, e a Motorola submergiu com modelos pouco atraentes, devoradores de bateria. Algum tempo depois, relançou-se como Moto, e apresentou ao mundo o V3, o famoso Razr, um dos celulares mais vendidos da História - e copiado por todas as empresas, mais ou menos como, anos depois, aconteceria com o iPhone. Passada a onda do Razr, a Motorola novamente desapareceu do mapa dos produtos espertos, até renascer com o Android. O Droid (ou Milestone) é o ícone do início desses novos tempos. A empresa agora tem um ramo especialmente dedicado à mobilidade, a Motorola Mobility, e seu CEO, o indiano Sanjay Jha, esteve no Brasil para fazer as honras da casa.
Perguntei-lhe o que causou esses ups e downs da Motorola, e como ele pode garantir um up de longo prazo. Jha foi muito sincero:
- Nós não soubemos fazer a transição do 2G para o 3G, e chegamos muito atrasados ao mercado de câmeras. Não podemos ser arrogantes e achar que o sucesso está garantido. Temos também que ficar alertas, para não perder o momento certo da transição.
Sob este aspecto, a lição foi aprendida. O Atrix é um 4G, prontinho para o futuro. 

CLÓVIS ROSSI - Negócios, o negócio de Dilma


Negócios, o negócio de Dilma
CLÓVIS ROSSI 
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/04/11

Diplomacia de Dilma tem como foco a economia; questões políticas foram no máximo tangenciadas

A PRESIDENTE Dilma Rousseff completou 100 dias de governo tendo já lidado diretamente com os líderes das duas maiores potências econômicas do planeta, Estados Unidos e China.
Dilma parece sinalizar a intenção de ter como eixo de sua diplomacia aquilo que muitos analistas chamam de G2, países que talvez não tenham peso suficiente para resolver todos os problemas do nosso planeta, mas sem os quais eles jamais serão resolvidos.
A característica central de ambos os contatos foram negócios. Com Barack Obama, a presidente, ainda que gentilmente, não deixou de criticar as barreiras que os Estados Unidos adotam e que prejudicam produtores brasileiros.
Ela mencionou igualmente a política monetária frouxa, que leva a uma inundação de dinheiro no planeta, que toma a direção de países como o Brasil.
A consequência inescapável é a apreciação da moeda e dificuldades para as exportações.
Na China, Dilma adotou idêntica atitude, também gentilmente. Fez ver aos chineses que o Brasil não pode continuar a ser apenas exportador de produtos primários. Obteve a promessa de que os chineses estimularão suas empresas a importar produtos de mais valor do Brasil.
A diferença entre os dois países é espantosa, nas contas do ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia): o preço médio da tonelada exportada pela China supera os US$ 3.000, ao passo que a do Brasil fica em magros US$ 163.
O problema com a queixa do Brasil é a de que o próprio empresariado admite que não dá para exportar mais manufaturas. Talvez por isso, o foco da viagem passou a ser atrair o "ouro de Pequim", a fantástica pilha de dinheiro que os chineses têm para aplicar no exterior.
Embora não tenha sido resultado direto da visita, já funcionou: a Foxconn anunciou espetaculares US$ 12 bilhões em seis anos para, entre outras coisas, construir uma "cidade inteligente" em local já escolhido mas ainda não anunciado. Serão 100 mil "habitantes" (trabalhadores), dos quais 20 mil engenheiros.
É o tipo de investimento que cria valor agregado como quer o governo -e, de resto, como é necessário.
Que o foco da diplomacia com Dilma é negócios, fica também evidente nos discursos que ela fez na China. Iguais praticamente aos que fazia ao lado de seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva em inúmeros seminários empresariais mundo afora. Lula até se orgulhava de ser um "mascate" vendendo o Brasil por aí.
Esse tipo de diplomacia -agora rebatizada para diplomacia de resultados- está longe de ser novidade. A atividade dos governantes é, em grande medida, servir de ponta de lança para negócios. O resultado, no entanto, será tanto melhor quanto maior for a capacidade empresarial de de fato realizar negócios.
O único senão do foco até aqui prioritário para Dilma é que acaba colocando no assento traseiro o empenho, muito forte nos dois últimos anos de Lula, de envolver-se ativamente em temas políticos (Irã, Oriente Médio, por exemplo).
Dilma, em todas as suas falas até agora no máximo tangenciou questões políticas, concentrando-se na economia e nos negócios. Suspeito que ganhará aplausos dos que criticaram o voluntarismo do governo anterior, mas, se você quer a minha opinião, acho que uma coisa não deveria excluir a outra.

WALTER CENEVIVA - A quantificação da advocacia


A quantificação da advocacia
 WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SÃO PAULO - 16/04/11

Na OAB, com milhares de inscritos em todo o país, a variação do saber vai de quase zero a quase infinito


SE O LEITOR NÃO TIVER relação próxima com a advocacia, dificilmente terá ideia do número de candidatos a se inscreverem na OAB, na casa das dezenas de milhares.
Saberá, porém, dada a ampla divulgação, que muitos resultados do exame da Ordem são contestados em ações judiciais pelo Brasil afora. Surgem até decisões de juízes impondo aumento de certas notas, segundo "critérios" diversificados, geralmente não jurídicos.
Há argumentos, providos de uma certa lógica, contra a seleção dos profissionais pela OAB. O mais frequente: se o aluno conseguiu chegar a bacharel em ciências jurídicas, após curso regular, não cabe à OAB examiná-los novamente, proibi-los de exercer a profissão para a qual estudaram.
Parecer lógico não se confunde com ser melhor. Os exames da Ordem mostram que o nível cultural e jurídico da maioria dos formados, pelas centenas de cursos disponíveis, é baixo.
Sem a seleção por meio do exame, a defesa sofrerá com as insuficiências do defensor. Basta esse argumento para afastar a crítica.
Cabem outros exemplos. O Estado de São Paulo, o mais populoso, tem o maior número de candidatos ao exame da Ordem. Na última prova passaram de 25 mil, sendo quase 10 mil na capital.
Apesar da seleção severa da OAB-SP, o mercado de trabalho não acolherá a metade dos aprovados para as profissões do direito.
O exame se explica pelas mesmas razões que levam o pretendente a um cargo público a enfrentar, em concursos de ingresso, temas que exigem preparo cuidadoso, acima do termo médio proporcionado pela maioria das universidades.
O mesmo se diga para o Ministério Público, a Defensoria Pública, a advocacia do Estado e, óbvio, a magistratura. Afinal, trata-se de profissionais que lidam com as comunidades, o patrimônio, a liberdade, a vida, a honra, o interesse dos envolvidos na Justiça brasileira.
A necessidade ideal da estrita capacitação profissional não é satisfeita, pelo recém-formado, com os padrões atuais de exigência. O leitor perguntará: como se comprova a deficiência do padrão?
A resposta é fácil. Nos concursos públicos para a atividade jurídica, do juiz ao advogado público, o número dos rejeitados é estarrecedor, mesmo quando acolhidos em provas sem exageros para limitar aprovações. Na OAB, com milhares de advogados no território nacional, a heterogeneidade do conhecimento vai do quase zero ao quase infinito.
O leitor tem direito a, pelo menos, mais uma pergunta, questionando-me se fiz o exame da Ordem. Não, não fiz, porque quando me formei essa exigência não existia.
Um dado ajuda a dramatizar a mudança: as inscrições livres na OAB-SP começaram nos anos 30 do século passado.
Vinte anos depois, atingiram o número de 10 mil inscritos.Entre 1960 e a passagem do milênio decuplicaram e hoje devem andar próximos dos 300 mil, gerados pelo absurdo conjunto de novas escolas abertas.
O número dos últimos inscritos não retrata a quantidade de advogados atuantes. Os claros casos de inscrição a mais, por falecimento ou cancelamento, não são descontados, mas a quantificação, desacompanhada da qualidade, tornou imprescindível o exame da OAB.
A experiência ao longo dos anos, confirmada pelo Estatuto da Advocacia, em 1994, mostrou a necessidade da aprovação profissional pela entidade.

CELSO MING - Uma questão política


Uma questão política
CELSO MING

O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/04/11

Compra e venda de recebíveis é prática centenária e corriqueira no mercado financeiro. Recebível é a conta que, por contrato, será paga no futuro. Uma empresa que atende a uma encomenda de outra, por exemplo, emite uma duplicata, que é a conta a ser paga no dia combinado - um, dois ou três meses a partir da entrega da mercadoria. A qualquer dia antes desse prazo, essa duplicata pode ser descontada em um banco. O desconto é calculado segundo uma série de variáveis: juros na data do desconto, inflação ou qualidade do pagador.
O Banco Central negocia todos os dias no mercado financeiro a compra ou venda de títulos públicos com vencimento futuro ou contratos a termo de compra ou venda de dólares. Durante a crise, o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) e o Banco Central Europeu compraram títulos privados (hipotecas, debêntures, bônus, etc), também com vencimento futuro.
Portanto, desse ponto de vista, é normal que uma prefeitura queira receber à vista (queira descontar) um conjunto de créditos a receber (recebíveis). E é relativamente fácil calcular o valor presente de um ativo que só vai ser pago lá na frente. A Prefeitura tem mil motivos para usar já esses recursos no interesse do munícipe em vez de ficar esperando anos para gastá-los.
O que pode ser discutido é outra coisa: é se está correto uma autoridade receber no presente um valor que deve ser entrar no caixa das administrações seguintes. Dependendo do caso, poderia caracterizar jogada destinada a enfraquecer um governo futuro.
No entanto, algo parecido já ocorre no presente, sem contestação. Qualquer autoridade pode contratar prestação de serviços e execução de projetos de obras públicas que podem levar anos e anos de construção. Essa conta é repassada às administrações seguintes. Pode acontecer com a construção do metrô, de hidrelétrica, de aeroporto ou no pagamento de conta de precatórios.
Leis regem uso do dinheiro público e tribunais de contas definem os procedimentos em cada caso. Mas, em última análise, autorização para que uma Prefeitura negocie ou não recebíveis não é questão técnica. É puramente política. 

DOM EUGENIO SALES - Beleza rara


Beleza rara 
DOM EUGENIO SALES

O GLOBO - 16/04/11

Neste domingo iniciaremos com o Domingo de Ramos a grande semana da Quaresma, a Semana Santa. A Quaresma, segundo o Santo Padre Bento XVI na sua mensagem anual para este período, é um caminho que conduz à Páscoa. Nele somos chamados a uma "transformação pela ação do Espírito Santo; a orientar com decisão a nossa existência segundo a vontade de Deus e a libertar-nos de nosso egoísmo, abrindo-nos à caridade de Cristo".
No Domingo de Ramos iniciamos as comemorações da vitória de Jesus em Jerusalém, aclamado pela população, e o anúncio da Morte, com a leitura da paixão. As palmas, guardadas, lembram o triunfo definitivo do Salvador, e, com Ele, de todos nós. Na Quinta-Feira Santa, pela manhã, o bispo celebra a Missa do Crisma com seu presbitério.
À tarde, começa o Tríduo Pascal, ao reviver a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, o cume de todo o ano litúrgico. Celebra-se a memória da Ceia do Senhor. A seguir vem a adoração ao Santíssimo Sacramento, como oportunidade de manifestar nossa fidelidade ao Mestre e de poder participar de seu sofrimento como esperança de vitória sobre o mal.
Na Sexta-Feira Santa, quando "Cristo, nossa Páscoa, foi imolado" (1 Cor 5,7), segue-se a veneração da Cruz, que se impõe diante de nós, influenciando todo o nosso comportamento. A importância da penitência na vida do cristão é ininteligível num ambiente dessacralizado. A chamada adoração da Cruz marca uma linha divisória com esse mundo que busca o prazer como meta preferencial.
Antigamente, o caráter festivo da Ressurreição era antecipado para a manhã do sábado. Com a renovação litúrgica, todo esse dia, até ao pôr do sol, é reservado ao silêncio e à meditação. O túmulo continua fechado. "O percurso quaresmal encontra seu cumprimento (...) na Grande Vigília da Noite Santa. Renovando as promessas batismais, reafirmamos que Cristo é o Senhor da nossa vida (...) e reconfirmamos o nosso compromisso em corresponder à ação da Graça" (nº 2).
A participação assídua aos ofícios litúrgicos nos enriquece espiritualmente. Eles são de uma beleza espiritual rara. Integram o tempo penitencial e, para quem se encontra isolado, sem igreja nas proximidades, a leitura dos textos litúrgicos, que acompanham os ritos celebrados nos templos, deve servir para avivar sua piedade.
Somos convidados, através da liturgia, a conhecermos mais os mistérios divinos que celebramos e entrarmos neles com redobrado empenho.