domingo, janeiro 09, 2011

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Lula de cuecão na varanda! 
José Simão
FOLHA DE SÃO PAULO - 09/01/11

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E um amigo passou o fim de ano em Fortaleza e teve uma vida sexual super agitada: comeu três caranguejos! E uma outra foi alugar casa na praia e perguntou: "Tem rede?". "Tem, se a senhora trouxer." E aquela biba tava tão alucinada no Réveillon que a amiga gritou: "Volta pro pão, carne louca".
E não existe nada mais mineiro que esse cartaz num boteco em Paraguaçu: "É proibido falar bobagem!"
E em Campinas tem um proctologista chamado doutor Dédalo. Já imaginou: "Ah, hoje eu vou fazer exame de próstata no doutor Dédalo". DÉDALO DE OURO! Rarará!
E o Lula? Vai virar sindico em São Bernardo. E lançar mais um PAC: Programa de Ajuste do Condomínio! E será que a dona Marisa vai aguentar o Lula de cuecão e regata de metalúrgico? O Lula tá com síndrome de abstinência: fica brincando de reunião ministerial com os netos.
E o chargista Pelicano mostra o Lula num boteco tomando umas quando o celular toca: "Deve ser a Dilma". Que nada! Era a voz da dona Marisa: "Quer fazer o favor de vir jantar?". Rarará!
E o caso Battisti? Por que o Lula não extradita o Sarney? Pra ver se o Berlusconi aguenta. Berlusconi, não. Berluscome. Berluscome todas! E eu troco esse Battisti por dois sapatênis da Prada!
E o site Comentando revela a biografia da Paquita do Temer: "Ela disputou o Miss Paulínia, o Miss Campinas, o Miss São Paulo, mas ganhou o MISSchel Temer". Rarará.
Casar com uma miss loira 43 anos mais nova é uma TEMERIDADE! Rarará! A Dilma toma posse, o Lula toma cachaça e o Temer toma Viagra! E eu já tô com o meu ingresso pro show da Amy WineWhiskyVodkaHouse! Rarará!
O brasileiro é cordial! A volta do Gervásio! Mais um cartaz na empresa em São Bernardo: "Aqui não é circo pra ficar de brincadeira e risadinha, se eu pegar alguém aqui com palhaçada, vou amarrar o hiena mole e passar pena de pomba no pé até sair ferida. Conto com todos. Assinado: Gervásio".
Já imaginou se o Lula encontra com o Gervásio em São Bernardo? "Se eu pegar o Lula de cuecão fazendo discurso na varanda do prédio, vou costurar a boca do sapo barbudo até ele engolir a língua toda". Rarará. Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

CELSO MING

Pouco progresso
Celso Ming 
O Estado de S.Paulo - 09/01/11


Há mais a levar em conta na evolução da economia dos Estados Unidos do que apenas a trajetória do índice de desemprego. E os Estados Unidos ainda são a principal locomotiva da economia global.

Sexta-feira, o Departamento do Trabalho americano anunciou o que, em princípio, poderiam ser boas notícias: a criação de 103 mil postos de trabalho em dezembro e o mergulho do índice de desemprego de 9,8% em novembro para 9,4% em dezembro.

No entanto, uma leitura mais atenta dos levantamentos mostrou duas coisas. Primeira, que as novas contratações ficaram aquém do esperado, abaixo de 150 mil vagas. E, segunda, houve uma forte redução da força de trabalho, aparentemente por fatores também negativos.

É preciso explicar melhor esse segundo ponto. Para que alguém integre as estatísticas de desemprego precisa estar à procura de emprego. E, nos últimos meses nos Estados Unidos, um enorme contingente da população ativa desistiu de procurar trabalho. Não há levantamentos que mostrem o que está acontecendo, mas dá para imaginar: muitos se aposentaram, outros mais estão vivendo de reservas pessoais e sabe-se lá quantos estão vivendo ao deus-dará.

Uma hora depois do anúncio feito pelo Departamento de Trabalho, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, em depoimento no Comitê Orçamentário do Senado, lamentou o ritmo tartaruga da criação de empregos. "A essa velocidade, podem ser necessários cinco anos para normalizar o mercado de trabalho", disse. E, no entanto, outros indicadores demonstram que há uma expressiva recuperação da atividade econômica dos Estados Unidos.

Reforça-se, assim, a hipótese de que a produção nos países ricos será retomada sem contrapartida de criação de empregos. Ou seja, há um forte aumento da produtividade do trabalho ou porque, por medo do desemprego, o empregado está trabalhando mais com o mesmo salário; ou porque cresceu a utilização de tecnologia da informação, que é poupadora de mão de obra.

Do ponto de vista imediato, de grande interesse para o Brasil, define-se que o Fed não terá nenhuma razão especial para adiar ou rever o chamado afrouxamento quantitativo. Trata-se do compromisso de recomprar US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro, a um ritmo de US$ 75 bilhões por mês, com simples emissão de moeda, para estimular o crédito e irrigar a economia americana.

É uma operação que vai contribuir para desvalorizar ainda mais o dólar nos mercados de câmbio e para inundar com mais recursos os países emergentes, entre os quais o Brasil. O resultado será a valorização do real e a perda de competitividade do setor produtivo nacional. Enfim, reforçam-se as condições para a guerra cambial que vem sendo denunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Como essa operação monetária acontecerá em clima de recuperação da economia americana, não dá para desprezar outro efeito: elevação da demanda por matérias-primas, petróleo e alimentos. Esse aumento da procura mais a desvalorização do dólar estão montando um cenário de novas escaladas de preços das commodities. De um lado, reforçarão as exportações do Brasil; de outro, contribuirão para a esticada da inflação.

Advertências

Sexta-feira, os presidentes dos dois mais importantes bancos centrais do mundo fizeram dramáticas cobranças de disciplina fiscal.

Olhem o rombo

Ben Bernanke, o presidente do Fed (banco central dos Estados Unidos), advertiu no Senado que "as autoridades americanas não podem ignorar os elevados déficits dos Estados Unidos e seus efeitos negativos sobre a economia no futuro. (...) Quanto mais esperarmos para agir, maiores os riscos e mais dolorosa será a inevitável mudança no orçamento".

Não cubro irresponsabilidade

Pouco antes, Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE), avisou as autoridades dos países da área do euro que "a responsabilidade na política monetária não pode ser substituto para a irresponsabilidade dos governos". Como alguns países estão fazendo reformas e outros estão atrasados, Trichet observou que as diferenças de competitividade entre países da área do euro estão se ampliando.

SUELY CALDAS

Dilma e Lula em paralelo
 Suely Caldas
O ESTADO DE S. PAULO 09/01/11

Os últimos atos de Lula foram livrar o ativista italiano Cesare Battisti da extradição e a ex-ministra Erenice Guerra de penalidades em sindicância que a absolveu. O primeiro de Dilma Rousseff foi demitir apadrinhados do PMDB de cargos cobiçados no Ministério da Saúde e na direção dos Correios. Diferenças? De estilo, sem dúvida - os dois têm perfis opostos. Mas não só.
Sobressaem nesses primeiros dias de gestão o empenho da presidente em provar ao País que não é um poste - do que foi acusada - e que tem a personalidade forte de uma mulher que não chegou ao poder para ornamentá-lo, tampouco esquentar a cadeira para Lula. Dilma tenta mostrar que tem convicções e determinação para concretizá-las. Para acertar ou errar? O futuro dirá.
Depende de seu programa de governo, ainda nebuloso e cheio de incertezas, e de enfrentar com habilidade, e também coragem, os que fingem ser aliados para se dar bem e fazem da chantagem instrumento de barganha para conseguir o que querem.
Com eles Lula foi complacente, generoso até. Passou oito anos acariciando cabeças de corruptos, culpando a imprensa por divulgar fraudes, distribuindo cargos técnicos a políticos sabendo que ali estavam para tirar lascas de poder para seus partidos e comprometendo a qualidade de uma gestão que deveria focar o bem público.
Em seus dois discursos mais relevantes (na vitória eleitoral e no ato de posse), em que definiu mais linhas de conduta do que o conteúdo de um programa de governo, Dilma Rousseff avisou: "Serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente, e os órgãos de controle e investigação terão todo o meu respaldo para atuarem com firmeza e autonomia." O País torce para ela cumprir o prometido, combater e punir a corrupção e não fazer de seu discurso uma banal peça de retórica que logo será esquecida. Nos primeiros dias de governo, em 2003, Lula levou o ministério inteiro ao município mais pobre do País, para "conhecerem de perto a miséria". Em pouco tempo os ministros esqueceram o que viram, mas com este ato, Lula marcava sua linha de percurso dos próximos oito anos: a paixão pela viagem e pelo monólogo em discurso e a aversão pela gestão cotidiana do País.
Tratou de comprar o "aerolula" e saiu pelo Brasil afora e por todos os continentes do mundo. Só para o exterior ele viajou 252 vezes. Em oito anos de governo operou como um animador de programa de auditório, que faz rir, busca popularidade e aplausos, fala o que quer e o que a plateia quer ouvir - inclusive inverdades. Para tocar o cotidiano do País de Brasília ele tinha José Dirceu e Antonio Palocci, num primeiro momento, e depois a própria Dilma e Paulo Bernardo.
Nessa primeira semana Dilma se recolheu ao gabinete, não deu entrevistas, não apareceu em público e tratou de começar a organizar e sistematizar o governo. Combinou linhas de ação com ministros, reuniu o conselho político para tentar acalmar PT e PMDB, às turras pela disputa de cargos de segundo escalão (cumprirá a nomeação de técnicos ou cederá ao fisiologismo?).
Chamou raposas do Congresso para conversar, preocupada com a eleição de um petista para a presidência da Câmara e com a votação do salário mínimo. Ao contrário de Lula, ficou longe dos holofotes.
Mas Dilma continua devendo ao País seu programa de governo. Se ela fala de austeridade fiscal e privatização de aeroportos, certamente não será mera continuidade do governo Lula. Embora seja tema de consenso no governo, o Banco Central parece ter tido plena liberdade para decidir medidas de efeito cambial na última quinta-feira, sem interferência, como ela prometeu ao assumir.
Ela teve mais de dois meses para preparar as primeiras propostas de governo, aquelas que precisam ser divulgadas no calor das urnas para ganhar apoio popular. Não há uma só definição sobre as reformas (política, tributária, previdenciária, trabalhista e as microrreformas). Não fazê-las foi enorme falha de Lula, um decepcionante atraso de oito anos. Dilma não pode repetir o erro.
Jornalista e professora de Comunicação da PUC-Rio

FERREIRA GULLAR

Quando dois e dois são cinco
Ferreira Gullar
FOLHA DE S. PAULO - 09/01/11

Olho para ela e pergunto: essa senhora é a presidente do Brasil ou se trata de personagem de novela?


Faz tempo que não toco, aqui, em assuntos políticos e, se volto ao tema hoje, é para refletir, junto com você, leitor, sobre um fato para mim inusitado. Certamente nem todos concordarão comigo ou simplesmente preferirão desconsiderar esse tipo de perplexidade. De qualquer modo, se eu estiver equivocado, peço-lhe desculpas, mas, sinceramente, neste caso, não opino, constato e com espanto. Constato o seguinte: a eleição de Dilma Rousseff à Presidência da República não me parece real.

Talvez não seja eu o único a pensar assim e que não só a mim a eleição dela pareça inusitada. Tendo a admitir que não. Pode ter ocorrido que, na tropelia da disputa política, meses de propaganda, declarações, acusações, desmentidos, as pessoas se deixaram levar pela paixão e não pararam para refletir sobre o que acontecia. Disputa seja na política seja no futebol, tende a nos cegar, a nos impedir de refletir e ponderar.

Não me excluo disso, tanto que só depois que a coisa se consumou, que os discursos cessaram, os debates acabaram e a Justiça Eleitoral a proclamou presidente eleita do Brasil é que me dei conta de quão surpreendente era tudo aquilo -isto é, de quão surpreendente é termos Dilma Rousseff como presidente do Brasil e que irá nos governar pelos próximos quatro anos.

Se quiser entender meu espanto, siga este raciocínio: Dilma Rousseff nunca pretendeu candidatar-se a nenhum cargo eletivo. Embora tenha entrado para a política muito jovem, na época da ditadura, e continuado sua militância após a volta da democracia, jamais disputou eleição alguma.

Isso não teria importância em alguém que sempre se manteve à margem da política, o que não é o caso dela; daí a conclusão de que, se nunca se candidatou, foi porque essa não era a sua praia. Em vez disso, estudou economia e se contentou em ocupar cargos oficiais na área de sua especialização, chegando a ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República.

Mas, de repente, essa pessoa que nunca disputou eleição nem para vereadora é lançada candidata à presidência da República. Acredita você que foi por vontade dela? Que um dia acordou e disse a si mesma: "Sabe de uma coisa, vou me candidatar a presidente do Brasil!". Você não acredita nisso, claro, nem eu tampouco. O que aconteceu então?

Todo mundo sabe o que aconteceu: foi Lula quem decidiu isso e impôs a ela a decisão. Como acha você que terá reagido Dilma, ao ouvir de Lula a ideia de candidatar-se ao mais alto cargo eletivo do país, ela, que nunca se candidatou a cargo algum? Estou certo de que pediu um tempo para pensar e mal conseguiu dormir aquela noite. "Lula pirou", terá dito ela a si mesma, imóvel na cama, olhando para o teto. "Eu, presidente do Brasil? É maluquice!"

Claro, estava perplexa, mas, certamente, fascinada pela ideia, como Cinderela ao ver que o sapato da princesa buscada poderia caber em seu pé. Mas tinha dúvida: "Caberá mesmo?". Aquilo mais parecia sonho que realidade.

O mesmo espanto senti eu e muita gente mais quando a coisa se revelou. Lula veio a público dizer que Dilma seria a candidata sua e do PT à Presidência da República. Não dava para acreditar. O PT também reagiu, tentou convencer Lula de que aquilo era um disparate, mas não conseguiu. Como sempre, prevaleceu a vontade do líder absoluto e incontestável.

Tudo isso se sabe, claro, mas pretendo é que avalie bem o que ocorreu. Vamos adiante: porque nunca disputara eleições, era natural que não tivesse eleitores, muito menos para ganhar um pleito presidencial -ou seja, conquistar os votos de mais da metade de 130 milhões de eleitores. E chegou lá graças a Lula, que, para elegê-la, usou toda a máquina estatal e desconsiderou a lei eleitoral.

O resultado é que temos, diante de nós, agora, uma presidente da República que é uma surpresa até para si mesma. Eleita sem ter votos! É quase como um suplente de senador.

Olho para ela e me pergunto: essa senhora é de fato a presidente do Brasil ou se trata de uma personagem de novela? Acredito até que ela, às vezes, se belisca para ver se é mesmo verdade. O que não significa que fatalmente fará um mau governo, já que tudo é possível neste mundo surrealista latino-americano. Desejo-lhe boa sorte.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Perspectivas para as férias
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O ESTADO DE SÃO PAULO - 09/01/11
Saio de férias hoje e, se tudo correr como previsto, só volto a aparecer por aqui no dia 20 de fevereiro. Ou então nunca mais, se desta feita eu conseguir que Vavá Major me ensine a não fazer nada. Major era peixeiro com banca estabelecida no Mercado, mas, assim que completou o tempo mínimo, requereu aposentadoria, vendeu a banca e voltou para casa, no Alto de Santo Antônio, onde agora se dedica a não fazer nada. A primeira vez em que o vi depois dessa mudança foi numa visita que ele me fez. Não, não era verdade o que diziam, não era verdade que ele não fizesse mais absolutamente nada. Naquela hora mesmo, estava me visitando, isso não era fazer alguma coisa?
- Esse povo daqui fala muito e é descompreendido da filosofia, não aparece um bom filósofo aqui desde que Cuiuba morreu - disse ele. - Eu sinto falta.
- Ah, eu não sabia que tinha filosofia nessa sua situação.
- Mas é claro! Eu posso não ter estudo, mas sempre escutei os antigos. Então minha filosofia não é não fazer nada, isso é intriga dos invejosos. Minha filosofia é sem labuta e sem aporrinhação.
- Esse é seu lema?
- É o meu lema filosófico. Cada coisa que aparece para eu fazer, eu examino e faço duas perguntas. Dá labuta? Dá aporrinhação? Deu labuta ou deu aporrinhação, não é comigo, estou aposentado. Quem quiser que vá labutar e se aporrinhar, eu não.
- Mas, Major, me disseram que você não topa nem jogar dominó.
- Dá aporrinhação! Você quer mais aporrinhação do que esses jogadores que ficam contando lorota depois que ganharam na sorte? E perder também aporrinha, estou fora.
Confessei-me seduzido pela filosofia dele e pela competência com que ele a aplica. Não é coisa simples, observou ele, requer muito descortino e atenção, porque a todo momento aparecem labuta ou aporrinhação, onde menos se espera. Na dúvida, o melhor é não topar atividade nenhuma sem cuidadoso exame e muito tempo para ponderar, além de olho vivo onde quer que se ande. Não tive como não concordar e perguntei a ele se não era possível me passar sua experiência, me dar algumas aulas, por assim dizer. Negativo, disse ele, para se despedir afavelmente logo em seguida. A amizade continua firme, mas esse negócio de aula dá labuta.
Este ano não vou insistir em que ele me dê as aulas, mas vou ver se consigo permissão para acompanhar sua performance enquanto ele não faz nada. Mas talvez ele ache que, mesmo que não dê labuta, pode dar aporrinhação, de maneira que estou jogando com algumas opções. O leque é grande e primeiro me ocorreu saber de Xepa se sua canoa nova já chegou e, caso afirmativo, se vai dar para a gente sair e fazer uma pescariazinha de tatu, como ele garantiu que tem acontecido na ilha. Com esse último, que foi Lozinho de Maroca que fisgou, já são seis tatus somente este ano, me informou ele. Mas não, infelizmente ele não podia me levar para pescar uns tatus com ele, agora o IBAMA já está alerta e quem ferrar tatu vai preso, esse IBAMA vive atrasando o progresso.
O IBAMA, porém, não se mete nas múltiplas atividades de Zecamunista, que, neste momento, está começando a pôr em prática seus planos de valorização da terceira idade. Admito que, de início, desconfiei disso, em vista do rumoroso episódio da viúva Gonçalves. A viúva Gonçalves, bem madura herdeira de um próspero comendador, foi durante muito tempo cortejada por Zeca, que alegava estar fazendo um trabalho de conscientização com ela, destinado a convertê-la, segundo palavras dele, em mais uma burguesa progressista. Esse trabalho de conscientização, segundo contam, se realizava basicamente à noite, na casa da viúva e, aparentemente, era empresa muito esforçada, porque dizem que, nas horas das lições, o silêncio em torno se enchia de ais, uis e gemidos variados, certamente oriundos da contundência com que Zeca expunha suas ideias. Há quem afirme maldosamente que ela financiava as expedições de pôquer dele, mas não se tem confirmação, cala-te, boca, não adianta revolver o passado, nada nele desmerece as iniciativas de Zeca para a terceira idade. Aliás, a designação que ele usa é outra.
- Terceira idade, não! - bradou ele no bar de Espanha. - Não admito essa frescura, isso é deboche!
- Mas todo mundo usa essa expressão.
- Todo mundo é a massa alienada pela propaganda capitalista! Terceira idade, não! Pior ainda, melhor idade! E a pior de todas: feliz idade! Eu passo a foice e o martelo no primeiro que me disser que eu estou na feliz idade! Se não querem dizer velhice, usem o adjetivo certo, quem já entrou nessa idade sabe qual é.
- Eu não sei.
- Bote a mão na consciência, só pode ser indigna idade! Aí eu aceito, é a expressão da verdade e qualquer velho coroca jura pelo seu fraldão que é o certo. Indigna idade, isso é o que ela é, tem que reconhecer a realidade e eu estou promovendo esse reconhecimento. Amanhã mesmo chega um ônibus cheio de mulher-dama, proletárias do amor que eu contratei em Salvador. É para a Primeira Semana pela Defesa da Indigna Idade. A única maneira de encarar a indigna idade é cometer indignidades. Você é casado, mas eu não tenho nada com as instituições burguesas, sou pelo amor livre. Vai querer aí um vale-rapariga?
- Não, obrigado - disse eu. - Dá labuta.
JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Primus inter pares
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 09/01/11

Luis Inácio Lula da Silva não precisou nem de uma semana para demonstrar ao país e ao mundo que, apesar de alardear ser uma pessoa de origem humilde, um homem do povo igual a todo mundo, julga-se, na verdade, no mínimo, um legítimo primus inter pares, o primeiro entre iguais, merecedor, portanto, de privilégios e regalias especiais. O ex-presidente está realmente convencido, do alto de seus oitenta e tanto por cento de aprovação popular, de que conquistou a condição incontrastável de líder supremo dos brasileiros. Alguém que tudo pode, a quem tudo é permitido.

Qualquer homem público com algum sentido de decoro, com alguma noção de limites de comportamento, com algum pudor no trato com o bem comum, jamais se teria permitido dar os maus exemplos protagonizados por Lula na sua penosa transição para a condição de ex: o uso de dependências das Forças Armadas para gozar, com a família, de alguns dias de lazer à beira-mar e a concessão a dois filhos seus, pelo Itamaraty, nos últimos dias de dezembro, de passaportes diplomáticos válidos por quatro anos.

Dois ou três dias depois de ter passado a faixa presidencial a sua sucessora, Lula e família desembarcaram no aprazível recanto do Forte dos Andradas, dependência do Exército situada numa das pontas da praia do Tombo, no Guarujá. Como presidente, ele já havia estado lá um par de vezes, para curtos períodos de descanso. A reação geral foi imediata: um ex-presidente tem direito a essa regalia? Consultado o Ministério da Defesa, o ministro Nelson Jobim mandou dizer que Lula estava no Forte dos Andradas como seu convidado. Então, é isso.

Mais ou menos ao mesmo tempo vazou a notícia de que, ao apagar das luzes de 2010, e do mandato de Lula, seus filhos Marcos Cláudio, 39, e Luiz Cláudio, 25, e ainda um neto, foram contemplados pelo Itamaraty com a concessão de passaportes diplomáticos. Esse é um privilégio a que têm direito algumas altas autoridades públicas e seus dependentes, desde que tenham até 21 anos de idade, ou sejam portadores de algum tipo de deficiência. Como nenhum dos dois filhos do ex-presidente se enquadra nessas condições, questionado pelos jornalistas o Itamaraty explicou que a concessão foi autorizada pelo ex-chanceler Celso Amorim "em caráter excepcional", atendendo a "interesse do país". Ninguém se deu ao trabalho de explicar que "interesse" seria esse, mas fontes da Chancelaria revelaram que o pedido dos passaportes fora feito pelo então presidente diretamente ao ministro, poucos dias antes.

Por que não? Que há de mal nisso? Afinal, Lula não pode? Que pode, pode. Está visto. Mas não deve. E quem não entende por que, não tem o direito de reclamar da lassidão ética que corrompe a atividade política em todos os níveis de governo e dos enormes prejuízos que isso acaba significando para a cidadania. O comportamento de Lula é um péssimo exemplo para o país por pelo menos uma boa razão, além da óbvia questão ética: eterno defensor e protetor dos fracos e oprimidos, o combate aos privilégios dos poderosos sempre foi bandeira política de Lula e do PT. É difícil de justificar, portanto, que o ex-metalúrgico, que hoje tem condições financeiras para pagar do próprio bolso uma semana de férias para toda a família em qualquer resort elegante do Brasil ou do mundo, inclusive nas condições de segurança e privacidade a que, estas sim, ele e seus familiares têm todo o direito - se valha dos privilégios inerentes à Presidência da Republica depois de deixar o cargo. Só mesmo um desvio de conduta explica a tranquilidade com que, no caso das férias no forte, Lula botou na conta da viúva o custo do auto-outorgado privilégio.

O novo chanceler, Antonio Patriota, evitou diplomaticamente comentar a questão dos passaportes. Já o assessor para assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia - uma das incômodas heranças que Lula deixou para Dilma -, com o habitual sarcasmo, e à falta de melhor argumento, classificou o assunto como "de uma irrelevância absoluta".

Se esse é o saldo de uma semana de Lula sem a faixa presidencial, não é difícil imaginar o que ainda está por vir.

DORA KRAMER

Questão de estilo
Dora Kramer
O ESTADO DE S. PAULO - 09/01/11

"O que vocês estão achando?" Por "vocês" entenda-se a imprensa como sujeito da indagação recorrente de ministros do governo Dilma Rousseff e que traduz a preocupação com a receptividade à presidente nestes primeiros dias.

Há entre eles uma evidente expectativa quanto à distensão do ambiente animoso que permeava as relações do antecessor com os meios de comunicação, notadamente os mais críticos, e uma inquietação a respeito do tempo de duração daquilo que auxiliares de Dilma chamam de "lua de mel".

Constatam que a presidente tem provocado boa impressão e reconhecem que isso decorre dos excessos verbais do ex-presidente Luiz Inácio da Silva. Em público, Lula só recebe elogios da equipe da nova presidente, como se pôde constatar em todos os discursos de posse (incluído o de Dilma) dedicados, com raras exceções, a celebrar a figura do antecessor.

Reservadamente, porém, revela-se a avaliação interna de que, a despeito de todas as vitórias conquistadas, o estilo do ex-presidente cansou. "Ninguém aguentava mais", admitem dois novos frequentadores do Palácio do Planalto.

Note-se que isso não significa que Lula seja deixado de lado. Ele continua a ser personagem central do projeto de poder do PT e a atuação dele é considerada imprescindível no embate político com a oposição, especialmente em épocas de disputas eleitorais. Seja como candidato, articulador ou animador.

Mas para o bom andamento dos trabalhos governamentais considera-se essencial que o ex-presidente prolongue ao máximo a quarentena. A presença de Lula no noticiário atrapalha Dilma.

Prova é a notícia da concessão de passaportes diplomáticos a dois filhos e a um neto do ex-presidente, sob a alegação de que isso atende aos "interesses do País", obrigando o governo a começar sob a égide da improbidade cometida pelo antecessor.

Obviamente interessa apenas à família da Silva, mas, assim como vários outros episódios demonstraram ao longo de oito anos, é do estilo de Lula considerar irrelevante o preceito da impessoalidade consagrado na Constituição como exigência para o exercício das funções públicas.

Dizem os auxiliares que com Dilma não há risco desse tipo. Até porque há a consciência de que, diferentemente de Lula, ela não conta com o anteparo da trajetória histórica, da capacidade de mobilizar emoções e da habilidade em usar a origem humilde para transformar as críticas aos seus atos em "preconceito", para sair sempre ilesa das situações difíceis.

Sendo assim, será muito mais cobrada por resultados, não poderá mascarar a falta deles com lances de natureza emocional. Inclusive por uma questão de personalidade.

Entre suas características sua equipe inclui a discrição pessoal, formalidade, disciplina, racionalidade, pontualidade, vocação para detalhes, gosto por assuntos administrativos e cobrança de metas.

O oposto do antecessor. Na primeira semana, por exemplo, a agenda presidencial divulgada foi cumprida à risca e os compromissos todos mantidos nos horários.
No quesito aparições externas, dizem os auxiliares que Dilma fará discursos apenas quando for necessário e nunca de improviso. Suas falas serão elaboradas sob a supervisão do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci.

Entrevistas coletivas, só raramente. A presidente pretende estreitar suas relações com a imprensa por meio de encontros com grupos de jornalistas e até conversas informais em que as declarações não necessariamente são utilizadas de maneira oficial.

A relação com os partidos também será mais "litúrgica". Do chamado varejo (as demandas de parlamentares) cuida o ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio. Da "grande política", Palocci.

Uma peculiaridade: o argumento partidário não sensibiliza a presidente. Isso inclui PT e aliados. Traduzindo: Lula às vezes não gostava de algum ministro, estava insatisfeito com o desempenho ou mesmo aborrecido com condutas erráticas, mas relevava por causa de conveniência partidária.

Com Dilma Rousseff, asseguram assessores, prevalece a qualidade do serviço, e por isso é que se diz que o atual ministério é "datado" em um ano de tolerância.
A conferir.

MÍRIAM LEITÃO

O tempo e a hora
Míriam Leitão
 O GLOBO - 09/01/11

Na primeira semana da presidente Dilma, o cenário político ficou confuso, a economia mandou sinais de prudência e ajuste, alguns ministros tiveram ideias e fizeram escolhas animadoras, a presidente marcou seu estilo. O país se viu poupado de ouvir declarações torrenciais diárias do chefe da nação. O tom diferente mostra as vantagens dos rituais democráticos, como a alternância do poder.

A posse da presidente Dilma significou um ineditismo: pela primeira vez desde 1930 três presidentes eleitos tomaram posse sucessivamente, sem interrupções e anormalidades. Tudo foi como tem que ser. É, enfim, a normalidade numa república tão cheia de sustos e sobressaltos.

Na área política, o governo pareceu à deriva, impotente diante das quedas de braço entre os dois grandes partidos da coalizão, na guerra pelos cargos do segundo escalão, que a prudência mandaria ter mais técnicos do que indicados pelos partidos. Ajudaria se o PT não tivesse se mostrado tão voraz na ocupação de ministérios e postos; ajudaria se o PMDB entendesse a proposta da presidente de ter técnicos em posições-chave. A repetição do padrão da repartição, envolvendo as mesmas pessoas, a mesma estranha lógica, fez o governo parecer velho logo nas primeiras horas. Os impasses criados pela incapacidade do ministro cuja função é fazer a articulação política passaram uma mensagem de fraqueza num momento em que o governo deveria estar no auge da sua força, logo nos primeiros dias. É uma luz amarela acesa no painel. Pode ser superado, mas produziu na largada uma assustadora paralisia e exibiu feios sinais da luta intestina pelo poder.

A inflação fechada do ano não deixa dúvidas de que ela continuará sendo um ponto de desconforto e limites neste começo de governo. Vai incomodar um pouco mais. Há incertezas que continuarão também presentes tornando a conjuntura mais difícil de manejar até pelos descuidos fiscais do ano passado. O governo anunciou possíveis cortes no orçamento. Será preciso saber onde será cortado porque a ministra do Planejamento acha que não se pode "demonizar" o gasto de custeio, a ministra do Desenvolvimento Social vai gastar mais com o Bolsa Família, a briga política pode resultar num gasto previdenciário maior com o salário mínimo, e algumas boas ideias que surgiram elevam gastos.

Na educação, a boa ideia é ampliar o ensino médio para um turno integral que some o ensino das disciplinas tradicionais desse período escolar com aulas de cursos profissionalizantes. Isso seria o ideal: uma educação universalista e ao mesmo tempo incluindo uma qualificação técnica. Não se disse como fazer, nem quanto custa, mas mais tempo na escola só pode ser bom para jovens no momento mais decisivo da formação. Ainda não se sabe como resolver o elementar no ensino médio que é combater a evasão.

A ministra Maria do Rosário tocou de novo na velha ferida da necessidade de o Brasil buscar as informações sobre os desaparecidos. A reação do general José Elito, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, foi um espanto. Disse que a ditadura teve seus prós e contras e, como a guerra do Paraguai, é parte da História. Faltou explicar qual é o "pró" de uma ditadura e por que não se divulgam os dados, documentos, fatos, principalmente relacionados aos mortos. Não faz sentido algum que o Brasil seja o único país incapaz de olhar seu passado com sinceridade e sem vetos dos militares. O país acaba de passar pelo vexame de ser condenado pela OEA por não ter feito isso. As Forças Armadas são uma instituição da República, não são aquilo que alguns fizeram em seu nome. Hoje, democráticas e respeitosas dos limites institucionais, não podem encobrir os crimes cometidos em seu nome e nas suas dependências. Se o fizerem, confirmam hoje os erros de ontem. Se o general acha que os desaparecidos são parte da História, que os brasileiros tenham os registros dessa História. É isso que a ministra Maria do Rosário está pedindo. A presidente Dilma não gostou das declarações do general, cobrou, e ele disse que foi mal interpretado. É, pode ser. Mas as declarações do general pareceram claríssimas. Em uma de suas frases, ele disse que as Forças Armadas não têm do que se envergonhar nem do que se vangloriar. Isso é só 50% verdade: não têm mesmo do que se vangloriar naqueles episódios.

Os novos ministros apresentaram algumas boas ideias, ou bons movimentos. Nomeações do ministro Aluizio Mercadante foram animadoras, como a do cientista Carlos Nobre. O anúncio da ministra Tereza Campelo de que o Bolsa Família terá metas, métodos de gestão, prestação de contas é indicação de que se busca o caminho da manutenção da política, com atualização e correção de rumo. Mas se o modelo de gestão é o mesmo do PAC, melhor ter um pé atrás: no PAC, quando uma meta não era atingida, adiava-se a meta para maquiar a prestação de contas. Se for assim, esquece. A preocupação do ministro Paulo Bernardo de que haja mais informatização, internet disseminada está também na direção certa, mas não basta acusar empresas quando se tem, como já disse aqui, fundos cheios de recursos e o poder da regulação.

Mas o velho permanece presente no novo governo: o BNDES estuda a possibilidade de conceder garantias fracas para empréstimos à petrolífera de Hugo Chávez; no governo persiste a ideia de ocupar a presidência da Vale com indicação política; o irrelevante secretário internacional Marco Aurélio Garcia continua com suas declarações fora de propósito. Alguns dos ministros conseguem ficar no governo, mas renovar-se; outros, no entanto, dos que foram herdados da administração anterior, já assumiram com a validade vencida.

PEDRO S. MALAN

O correr da vida...
PEDRO S. MALAN 
O Estado de S.Paulo 09/01/11

Não pude assistir, mas li com atenção o importante discurso de posse de nossa nova presidente. Importante porque foi o primeiro desde o discurso lido na noite de sua vitória nas urnas. Importante porque a presidente assumiu compromissos para os próximos quatro anos. Importante porque a presidente disse ali coisas que não dissera tão explicitamente durante a campanha eleitoral.

Acho que o discurso deve ser levado a sério. Afinal, não é mais um dos milhares de improvisos, "sueltos y salidas" do ex-presidente, que nos acostumamos a ouvir com talvez excessiva condescendência e bonomia ao longo dos últimos oito anos. A nova presidente apresentou-se não como chefe de facção política (afinal, cerca de 50 milhões de pessoas ou nela não votaram, ou votaram em branco, ou anularam seus votos), mas como presidente de todos os brasileiros.

E anunciou compromissos firmes para o futuro, alguns dos quais merecem ser lidos, relidos e cobrados, ao longo dos próximos quatro anos (alguns mencionados abaixo). E há alguns parágrafos importantes explicitando algo que não poderia ser dito dessa forma na campanha e de profundas implicações para nosso futuro. Disse a presidente: ''O Brasil optou, ao longo de sua História, por construir um Estado provedor de serviços básicos e de Previdência Social pública. Isso significa custos elevados para toda a sociedade.'' Preço a pagar pela ''garantia do alento da aposentadoria para todos e de serviços de saúde e educação universais''.

A propósito, vale a pena acompanhar mais de perto a crucial discussão do momento em muitos países europeus. Como notou Ken Rogoff: ''Nenhum fator de risco é mais perigoso para uma moeda do que a recusa a enfrentar a realidades fiscais.'' A nossa presidente dá a entender que não pretende recusar-se a enfrentar as nossas flagrantes realidades e irrealidades fiscais ao falar em fazer mais - e melhor - com os recursos existentes, controlar a velocidade de crescimento dos gastos governamentais e mudar sua composição em favor do investimento.

Desejo boa sorte à nossa presidente ao lidar com a voracidade de sua "base de sustentação política" - tanto no Congresso como na sociedade, à luz das expectativas geradas desde o início de 2006, quando teria ocorrido uma inflexão "histórica" na direção do "novo desenvolvimentismo". O que um importante ministro de Estado à época (hoje governador) chamou publicamente de ''o fim da era Palocci na economia''. O ex-presidente Lula pediu-lhe que maneirasse, mas o fato é que essa é a visão de parte importante do seu partido, que acha que a atual presidente recebeu das urnas um mandato para dar continuidade à política econômica pós-2006 na área fiscal e no papel de um "Estado provedor" redefinido. (Ver o interessante artigo de Amir Khair Mudanças na política econômica, publicado neste jornal em 28/11/2010.)

Mas a presidente eleita não deixou margem a nenhuma dúvida em seu discurso de posse: "Já faz parte de nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que esta prática volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres."

Implícito nesse parágrafo está o reconhecimento de que a "nossa cultura recente" é uma cultura que só foi possível graças ao Real. Um programa de estabilização, vale lembrar (quando se lê um parágrafo como o acima), ao qual o PT se opôs à época, considerando-o um pesadelo, algo que não duraria mais que alguns meses, uma simples tentativa de "estelionato eleitoral".

Pois bem, em 1.º de março de 2011 teremos 17 anos de inflação sob controle. Tem razão, pois, a nossa presidente ao afirmar ainda em seu discurso de posse: "Um governo se alicerça no acúmulo de conquistas realizadas ao longo da História. Ele sempre será, ao seu tempo, mudança e continuidade. Por isso, ao saudar os extraordinários avanços recentes, é justo lembrar que muitos, a seu tempo e a seu modo, deram grandes contribuições às conquistas do Brasil de hoje."

Um reconhecimento que seu antecessor no cargo nunca teve a generosidade política de fazer, ao contrário, preferindo sempre a ladainha do "nunca antes" - de um país que teria começado a ser construído a partir de 2003, com sua chegada ao poder. Na verdade, Lula jamais reconheceu tampouco o fato irretorquível de que o Brasil, durante os anos de seu governo, se beneficiou enormemente de uma situação econômica internacional que, para nós, foi extraordinariamente favorável, exceto por um breve período de fins de 2008-início de 2009.

A nossa presidente, pelo menos, reconhece que fatos não deixam de existir porque são ignorados, ou que é muito difícil a um político, porque popular, reescrever a História de um país complexo como o Brasil à luz de seus interesse eleitorais: "É importante lembrar que o destino de um país não se resume à ação de seu governo."

Mas o que importa agora é o olhar à frente. O discurso de posse da nova presidente - se levado à sério, como, obviamente, deve ser - contém compromissos importantes a serem cobrados. Menciono dois, em particular: "Eu e meu vice Michel Temer fomos eleitos por uma ampla coligação partidária. Estamos construindo com eles um governo onde capacidade profissional, liderança e a disposição de servir ao País serão os critérios fundamentais." E "serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente, e os órgãos de controle e investigação terão todo o meu respaldo para aturem com firmeza e autonomia".

Mas, como escreveu mestre Guimarães Rosa no início da belíssima citação com a qual a nova presidente conclui seu discurso: "O correr da vida embrulha tudo..."

ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

ILIMAR FRANCO

Novo momento
ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 09/01/11 

Os governadores de São Paulo e Minas se recusaram, nos últimos oito anos, a cooperar com o governo federal na segurança pública. O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) acredita que o clima mudou: “Com a Copa de 2014, ou trabalhamos juntos ou todos se arrebentam.” Na quinta-feira, Cardozo se reúne com o governador Sérgio Cabral (RJ) e, na semana seguinte, com Geraldo Alckmin (SP) e Antonio Anastasia (MG) para debater as bases de uma ação conjunta e coordenada. 

A melhor hora de dividir o bolo 

Ministros do governo Dilma estão defendendo novo adiamento das nomeações para os cargos de segundo escalão. Elas estão sustadas até a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado. Mas, diante da rebelião de parcela da base aliada no debate do salário mínimo, há quem defenda que o governo espere por essa votação para ver quem é quem na base aliada. Resume um ministro: “É preferível uma base menor do que uma base ampla com a qual não dá para contar.”

Ruído
 

A relação do governo Dilma com os movimentos sociais começou com um ruído. João Pedro Stédile, fundador do MST, não foi convidado para a posse. O cerimonial do Planalto cometeu outros erros e levou um puxão de orelhas. 

A aliança PT-PMDB é estratégica e de longo prazo. Não é um mero toma lá dá cá de cargos” — Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento 

BUSCANDO fortalecer a integração regional, o Ministério do Trabalho lançou, em conjunto com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, a cartilha “Como trabalhar nos países do Mercosul”. 

CANDIDATO. Leonardo Quintão (PMDB-MG) está em campanha para ser o novo líder do partido na Câmara. Quer desbancar Henrique Alves (PMDB-RN). 

CONHECIDO por sua tagarelice, o senador Mão Santa (PSC-PI), ao se despedir do Senado, pediu desculpas a Paulo Paim (PT-RS) por ter interrompido seus discursos 105 vezes. Ao todo, foram 1.630 apartes. 

Dois governos: o de Lula e o de Dilma
Os integrantes da base aliada que defendem um reajuste do salário mínimo superior aos R$540 sustentam que a presidente Dilma Rousseff deveria revisar a proposta do ex-presidente Lula. Eles argumentam que a nova presidente poderia reavaliar a questão do mínimo, a exemplo do que está fazendo no caso da compra dos caças para a FAB e do projeto de lei de regulação da mídia. 

Barrado no baile 


O presidente do PSC, pastor Everaldo, não foi convidado para a posse da presidente Dilma Rousseff. Esse não é o único motivo de sua irritação. Na semana passada, ele se reuniu com o ministro Luiz Sérgio (Relações Institucionais) para discutir a participação do partido no governo. “Foi que nem velório de recém-nascido. Ninguém falou nada”, disse ele a aliados. O partido acha que está sendo enrolado. O PSC chegou a propor a criação de uma Secretaria Especial de Prevenção e Segurança no Trânsito e também quer a presidência da Cobra Tecnologia, subsidiária do Banco do Brasil. O partido elegeu 17 deputados e um senador. 

WikiLeaks 


Temendo a radicalização da política externa brasileira no segundo mandato de Lula, o embaixador Clifford Sobel sugeriu a Thomas Shannon, então secretário de Estado adjunto para o Ocidente, cooperação na área de biocombustíveis.

MERVAL PEREIRA

Gambiarra jurídica
 Merval Pereira
O GLOBO - 09/01/11

O caso da extradição do ex-terrorista italiano Cesare Battisti, que foi um dos chefes da organização de extrema-esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) e é condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos, pode gerar uma crise institucional entre o Judiciário e o Executivo, mas também colocar o Supremo Tribunal Federal, mais uma vez, em situação de desmoralização diante da opinião pública, pois existe a possibilidade de haver novamente um empate entre seus membros.

O julgamento da extradição, no fim de 2009, terminou com um placar de cinco a quatro, com o Supremo acatando o pedido do governo italiano, aceitando a tese de que Battisti deveria ser extraditado porque fora condenado por crimes comuns, e não políticos.

Mas, também por cinco votos a quatro, os ministros decidiram que caberia ao presidente da República a decisão final, embora a discricionariedade de seu ato tivesse que se restringir aos termos do tratado de extradição existente entre Brasil e Itália.

Dos cinco ministros que votaram assim, Eros Grau se aposentou recentemente, restando em plenário os ministros Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello.

Se nenhum deles mudar de posição, e do mesmo modo agirem os outro quatro ministros que votaram entendendo que a decisão do Supremo era terminativa, teremos novamente um empate, como aconteceu com relação à Lei da Ficha Limpa.

Os ministros Dias Toffoli e Celso de Mello se consideraram impedidos de participar do julgamento, e o 11ºmembro da Corte ainda não foi nomeado pelo presidente e dificilmente o será até que o caso seja julgado, a partir da volta do recesso, em 1 de fevereiro.

Será, sem dúvida, uma situação caricata, que tornará ainda mais confuso o quadro atual, onde o Executivo faz todo tipo de manobra para tentar manter o ex-terrorista protegido pelas leis brasileiras.

Depois que o presidente Lula autorizou a permanência no país de Battisti, utilizando-se de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, indeferiu o requerimento da defesa do italiano para a expedição de alvará de soltura. O processo foi remetido ao relator ministro Gilmar Mendes, que oficialmente só tomará conhecimento dele em fevereiro, ao fim do recesso.

O caso é mais complexo porque o Supremo já declarara nulo o ato do Ministério da Justiça dando refúgio a Battisti. Foi aprovado o voto do relator Cezar Peluso, que considerou o refúgio ilegal, por entender que os crimes atribuídos a Battisti são "comuns, hediondos e não políticos".

O fato é que o governo agora, ao negar a extradição, acabou renovando os argumentos do refúgio, alegando a possibilidade de perseguição política que o Supremo não reconheceu no primeiro julgamento.

Baseando-se no tratado de extradição, como determinou o Supremo, a AGU utilizou, para sustentar a decisão de manter Battisti no país, o seu artigo 3º, que diz que é suficiente o presidente ter "razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados".

Resta ainda a discussão de fundo: se a decisão do Supremo tem caráter terminativo ou não.

Sem dúvida, é contraditório que uma Suprema Corte seja consultada sobre uma extradição, faça o exame do assunto de maneira aprofundada, e depois decida que o ato é meramente autorizativo.

Além do mais, não se pode desqualificar o refúgio, dizer que não havia perseguição política nem outra justificativa para sua concessão, e depois deferi-lo nos termos do tratado, que foi como Presidência da República interpretou a decisão do Supremo.

Se o Executivo tiver que assumir uma posição meramente política, deve fazê-lo quando encaminha (ou não) o pedido de extradição.

A polêmica começou logo no dia seguinte à votação, quando o relator, o mesmo Cezar Peluso, disse que não tinha condições intelectuais para redigir a ementa com a decisão do Supremo, ressaltando, com ironia, o que considerava incongruência da decisão de extraditar o italiano, mas permitir que o presidente da República não cumpra os acordos internacionais firmados pelo país.

A palavra-chave na votação foi "discricionário". Os ministros que votaram a favor de que cabia ao presidente da República a decisão final sobre a extradição consideraram que ele tinha poderes "discricionários" para decidir, e o ministro Eros Grau se recusou, na ocasião, mesmo instado pelo presidente do Supremo, Gilmar Mendes, a incluir em seu voto a decisão de que o presidente deveria seguir o tratado de extradição firmado com o governo italiano.

Dias depois, questionado pelo governo italiano por uma questão de ordem, Eros Grau admitiu que seu voto não dava poderes "discricionários" ao presidente da República, mas limitava sua decisão ao tratado de extradição existente.

Tudo indica que há um consenso na Itália sobre as medidas adotadas durante o período de combate ao terrorismo, dentro de um sistema democrático que o terrorismo queria destruir - medidas aprovadas pelo Congresso.

Como já escrevi aqui, não corresponde à "soberania brasileira" avaliar decisões do Poder Judiciário de um país democrático.

Que simbolismo há por trás desse personagem para que o governo tente fazer uma gambiarra jurídica, deixando para o último dia do mandato a decisão, e legando para a sucessora um rastro de crise institucional?

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Remoto controle
SONIA RACY

O ESTADO DE SÃO PAULO - 09/01/11

Está quente a disputa pela gerência da TV Câmara de São Paulo. Um grupo de vereadores e funcionários da emissora têm trabalhado para jogar areia nos planos de Netinho de Paula de assumir a gerência do canal.

Em meados de dezembro, eles enviaram para o então presidente da Casa, Antonio Carlos Rodrigues, dossiê com provas de má gestão do vereador em sua TV da Gente no Nordeste. Incluíram também as denúncias de agressões físicas e até a falência da choperia que o vereador tinha em Santana.

Amanhã, a Associação Brasileira de Imprensa deve enviar à Câmara documento rechaçando o nome do vereador.

No futuro

Orlando Silva tem planos concretos de disputar a prefeitura de Campinas. Tem estreitado sua relação na cidade e acaba de comprar terreno, onde construirá uma casa.

Talvez sua nomeação para reassumir o Ministério do Esporte adie o pleito para 2016.

Vida real

Antonio Grassi, presidente da Funarte, não vê problemas em conciliar as carreiras de ator e de político. Ao menos até abril, quando acabam as gravações de Ribeirão do Tempo, da Record. É que as sedes da emissora e da fundação são na mesma cidade: Rio.

Depois que o folhetim terminar, porém, as coisas mudam de figura. Ele só pretender ler textos oficiais. Nada de ficção.

Timão

Se no ano de seu centenário o Corinthians não ganhou títulos, pelo menos deu lucro.

A Nike quase duplicou a venda de camisas oficiais do time: de 641 mil para 1.038.149.

Com a experiência dos anos como modelo, e depois como parceira do estilista Ronaldo Fraga, Petê Marchetti criou há um ano a Pinguino, grife de roupas infantis. Mãe de André, 15 anos, e de João, 13, ela direcionou sua criatividade em peças para garotos de zero a oito anos. "Quando meus filhos eram pequenos não encontrava nada transado para vesti-los. Queria alguma coisa alegre e divertida. E achei que estava aí a chance para abrir o meu espaço", conta ela, que prepara o lançamento de sua terceira coleção.

Responsabilidade social

O Itaú Unibanco fez as contas. Em 2010, mais de 14 mil colaboradores fizeram doações e destinaram mais de R$ 1 milhão do Imposto de Renda devido aos Fundos para a Infância e Adolescência dos municípios. Os recursos vão beneficiar 30 projetos sociais.

O Centro Paula Souza vai oferecer 600 bolsas para professores e alunos estudarem inglês nos EUA. A primeira leva, formada por 50 mestres, desembarcou em San Diego na semana passada. O investimento é de R$ 5,8 milhões.

Regina Duarte será madrinha da campanha Padrinho de Coração, em prol do Solar Meninos de Luz, que atende crianças cariocas das comunidades do Cantagalo e do Pavãozinho.

A produtora Código Solar e o Canal Amazon Sat fecharam parceria. Além de produzirem documentário na Amazônia, neutralizarão o carbono da expedição, que percorrerá 20 mil quilômetros.

O site Mercado Livre resolveu contribuir com o projeto Um Teto Para o Meu País. Por meio da plataforma é possível doar material de construção e até uma moradia de emergência para a ONG. A entidade constrói casas provisórias para desabrigados.

O resort Txai, em Ganchos, Santa Catarina, acabou de fechar com o Senai. Oferecerá cursos profissionalizantes gratuitos de pedreiro, eletricista, dentre outros, para os moradores da cidade.

O HSBC Bank Brasil eliminou a impressão automática de relatórios diários. O que significa uma economia de até 30 milhões de folhas de papel, equivalente a mais de 2 mil árvores por ano.

Detalhes nem tão pequenos...

1. O rosé e o verde água trazem recado alegre: a noite, além de ter sido de lançamento, era de verão.

2. Em dia de arte nas paredes, houve quem apostasse em trabalho artístico no vestuário.

3. Acima de qualquer suspeita, as maçãs deram boas-vindas ao livro A Cidade e a Rosa.

4. O que aconteceu na festa de fim de ano da agência Tudo ficou somente por ali.

5. Toque indiano na plateia de Maria Rita, no Citibank Hall.

6. A cara feia do Magro era pelo atraso do Gordo no Bar Balcão.

ELIANE CANTANHÊDE

A novíssima elite
Eliane Cantanhêde
FOLHA DE SÃO PAULO - 09/01/11


Tem toda a razão Fernanda Torres ao dizer que "ser considerado parte da elite virou ofensa das mais graves" e em seguida perguntar: "Mas quem é a elite?". Os bancos, que nunca lucraram tanto, as empreiteiras, eternamente gratas a Lula, a oligarquia, recheada de ministérios? Ou as levas de petistas em todos os escalões?
Há inclusive a elite enxovalhada por Lula e pelos lulistas radicais sempre que lhes falta explicação para alguma peraltice tipo mensalão. Aí, a elite somos nós, que damos um duro danado, ganhamos a vida honestamente, temos apreço aos princípios e exigimos moralidade e exemplo dos governantes. Hoje, nada encarna melhor a neoelite que o time de Ronaldinhos de Lula -os Lulinhas. Os meninos são uns craques. Entraram pobres em 2003 e saem com seis empresas em 2011, um deles vivendo em apartamento de R$ 12 mil mensais pagos por empresário com contratos, ora, ora, com o governo do pai.
Não se pode discordar de Nelson Jobim quando ele diz que é "ridícula" a crítica a Lula por usar dependências militares para veraneio depois da Presidência. Também não é totalmente absurda a fala de Marco Aurélio Garcia de que um passaportezinho diplomático a mais ou a menos não faz mal a ninguém, referindo-se ao passaporte exclusivo de autoridades que Lulinhas sacaram no último dia do governo.
São, sim, coisas menores. O problema é a cultura, a soma do veraneio, dos passaportes, da Gamecorp, dos padrinhos, dos atos assinados à sombra, das empresas, do aluguel pago pelo amigo. O resultado é que Lula se sente dono do Brasil, acha que os filhos têm de aproveitar a "oportunidade" e desconsidera o exemplo que ele dá à nação como mito, como ídolo que é.
Se o presidente pode, a ministra da Casa Civil pode, o amigão Sarney pode, todo mundo pode. É educativo. Ou melhor, deseducativo.
Nunca antes neste país se viu uma herança tão maldita.

FERNANDA TORRES

Elite
FERNANDA TORRES
FOLHA DE SÃO PAULO - 08/01/11

Há 20 anos, a cultura servia de ponteiro; hoje, ela anda à mercê dos acontecimentos


SER CONSIDERADO parte da elite virou ofensa das mais graves. Um sinônimo daquilo que nas peças de Bertold Brecht é encarnado pelo burguês ganancioso, ameaçado pela ascensão dos mais humildes, cuja riqueza se baseia na exploração dos menos favorecidos.
Mas quem é a elite?
Quem, além dos que enriqueceram roubando, merece a acusação de ter contribuído ou desejado a desigualdade social? A classe A? B? Os profissionais liberais? Os engenheiros? Cientistas? Artistas? Empresários? Políticos? Latifundiários? Todos juntos?
Quem comanda a injustiça atávica, além dos que desviam milhões e lutam pelos votos da ignorância?
É bem verdade que não fomos formados pela mesma tradição protestante que fundou os Estados Unidos. Lá, desde os tempos de George Wa- shington, solidariedade se traduz em doações polpudas das grandes fortunas para instituições de caridade, hospitais, universidades, museus e pesquisa. Temos uma herança extrativista que culminou na lei de Gerson. A filantropia engatinha por aqui.
A recente estabilidade econômica possibilitou o milagre da distribuição de renda. O aumento do poder aquisitivo dos que ganham entre três e dez salários mínimos salvou o Brasil da crise de 2009 e continua prometendo.
Nenhuma revolução heroica deu voz ao povo; foi o crédito e a Bolsa Família. A classe C se transformou no Eldorado das grandes redes de TV, das poderosas agências de propaganda, do comércio varejista, dos bancos e de todas as demais forças geradoras de riqueza. Desvendar os seus anseios é o sonho de qualquer CEO com especialização em Harvard no momento.
O cacife dessa nova classe média multiplicou por sete nos últimos dez anos e, hoje, se equipara ao das classes A e B juntas.
As duas últimas abrigam o pessoal com bala na carteira para sonhar com mercado luxo.
Já é possível, sem sair de São Paulo, fazer fila para adquirir a sua bolsa de R$ 30 mil, vestir alta costura prêt-à-porter, harmonizar o vinho com a refeição e viver em ambientes paginados.
Antunes Filho considera uma tragédia a proliferação dos cadernos de culinária, moda e decoração. Jorge Mautner deu uma boa explicação para o fenômeno: até há pouco tempo, somente a nobreza e os reis tinham direito a tais requintes. A democratização do luxo se transformou na febre dos que têm direito à mais-valia.
Em um mundo que substituiu a ideologia pelo economia, não importa quanto dinheiro você tem no bolso, manda aquele que pode e deseja gastar, seja no crediário miúdo ou nas grandes tacadas dos cartões platinum. O resto é silêncio.
Tanto os que se endividam por um sapato Louboutin quanto os que o fazem pelo primeiro carro ou geladeira geram dividendos, aumentam o PIB e puxam as estatísticas mercadológicas para cima. Ambos alimentam a ciranda produtiva e estão perdoados. Quem se posicionou à margem deste rio de satisfação, arrisco dizer, foi o intelecto. O intelecto e seu imperdoável defeito de não ser consumista.
Lembro-me do choque que levei quando percebi que a primeira página da Ilustrada seria definitivamente ocupada por anúncios de meninas lânguidas e contorcidas em campanhas de estilo. A manchete podia se referir à um artista radical da Sibéria, mas a foto era de uma modelo adolescente de boca carnuda vestindo um jeans rasgado da Chanel.
Algo assim seria impensável na minha adolescência. Há 20 anos, a cultura servia de ponteiro; hoje, ela anda à mercê dos acontecimentos. Somente as manifestações de massa fazem sentido porque se justificam como mercado. Erudição é um crime.
Eu estive na posse de Darcy Ribeiro no Senado no fim da década de oitenta. Darcy fez um discurso belíssimo sobre a importância da educação e declarou que todo aquele que é capaz de ler, no Brasil, é responsável pelo analfabetismo.
Um ano de estudo significa 15% de aumento salarial. Eu espero que haja uma segunda revolução no Brasil, amparada pela reforma econômica, que se concentre não no comércio, mas na educação. Uma revolução que acabe com a ideia de que penso, logo escravizo.

CLÓVIS ROSSI

Sai a fanfarra, entram os fatos
Clovis Rossi

FOLHA DE SÃO PAULO - 09/01/11


 Já no discurso de posse, Dilma Rousseff fizera um risco no exagerado ufanismo de seu antecessor. Ajuda-memória: Lula cansou-se de proclamar que sua missão na vida era pôr três pratos de comida por dia na mesa do brasileiro. E cantou "missão cumprida" ao fim de seu período. Aí, Dilma assume e diz a mesma coisa, ou seja, que não vai descansar "enquanto houver brasileiros sem alimentos na mesa". Significa, como é óbvio, que a missão não foi integralmente cumprida, ainda que tenha havido formidável melhora na vida dos brasileiros, pobres ou não.
Agora, Dilma cria o programa de ataque à miséria absoluta, que, também implicitamente, trinca a propaganda ufanista de que milhões de brasileiros deixaram a pobreza e passaram à classe média. O novo programa começará exatamente por tentar estabelecer o que é pobreza, levando em conta não apenas a renda mas também o acesso a bens públicos como educação, saúde, saneamento.
Se o próprio governo tem a louvável honestidade de admitir que a pobreza no Brasil não está devidamente medida, qualquer afirmação sobre quantos deixaram de ser pobres é no mínimo temerária (chute, mais exatamente).
Se o critério para definir pobreza for o dos Estados Unidos e o de países europeus (é pobre quem ganha menos de x% da renda média do país), ruirá outra propaganda, a da queda da desigualdade.

Por esse metro, haverá fatalmente comparação entre rendas e ficará claro o que tenho escrito reiteradamente nesta Folha e acaba de ser reafirmado por Reinaldo Gonçalves (UFRJ): alterou-se apenas a distribuição de renda na classe trabalhadora (salários, aposentadorias, benefícios), sem alterações substanciais na desproporção entre tais rendas e as do capital (lucro, juro e aluguel).
Bem-vindos, pois, à realidade.

GAUDÊNCIO TORQUATO

Vida nova na gestão pública
GAUDÊNCIO TORQUATO 
O Estado de S.Paulo - 09/01/11

O ciclo da administração pública, que se inaugura sob os comandos da presidente Dilma Rousseff e dos 27 governadores, emite sinais animadores. Os planos anunciados pela nova direção do país abrigam uma coleção de substantivos e verbos que, em tempos idos, podiam ser considerados cartas do baralho da demagogia. Hoje, não são apenas críveis como absolutamente necessários para a vida saudável dos entes federativos e a sobrevivência dos próprios governantes. O escopo é denso: melhorar a qualidade dos serviços; reequilibrar as finanças; cortar despesas de custeio; revisar contratos; extinguir cargos comissionados; aumentar a eficiência do gasto público; promover um salto de desenvolvimento, socialmente equilibrado e ambientalmente equilibrado e por aí vai. É natural que um repertório tão pleno de promessas sérias e boas intenções faça parte da rotina de quem começa a navegar o barco. Mas a saúde financeira dos Estados, de tão debilitada, impõe razoável dose de credibilidade ao discurso dos comandantes que assumem o leme até o final de 2014.

De início, o lembrete de Maquiavel: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas". Quem patrocina um programa reformista, explica o pensador, tem inimigos entre aqueles que lucram com a velha ordem e poucos defensores que teriam vantagens na nova ordem. A resistência se torna mais forte em territórios contaminados pelas mazelas da velha política, entre as quais podemos apontar loteamento da burocracia estatal, descontrole de gastos, ausência de planejamento, improvisação, acomodação e incúria, fatores que descambam na perpetuação do status quo. Para alcançar êxito, o princípio maquiavélico é este: os governantes devem realizar uma blitzkrieg agora, quando iniciam o ciclo administrativo. Entre o meio e o final de governo, será mais complexa a missão de reformar processos. Alguns conhecem a receita por já terem-na aplicada em seus Estados.

Diminuir despesas de custeio é a primeira disposição. A folha de salários tem sido uma área crítica. Nos últimos 10 anos, os gastos com custeio nos Estados saíram do índice de 1,1% para mais de 6% do PIB. A meta de reduzi-lo começa pela exoneração de cargos comissionados, decisão quase consensual entre os governadores. Ocorre que a maior parcela desse contingente está sob a chancela política. Por isso, a prática de corte massivo de comissionados no início da gestão, apesar de gerar impacto, fica amortecida ao longo do tempo. A massa que sai acaba sendo reposta, chegando, ao final do mandato, praticamente do tamanho inicial. Os vazios da largada são preenchidos na chegada. A eliminação desse exército é tarefa impraticável, eis que nele estão fincados os bastiões políticos das forças governistas. Siqueira Campos, do Tocantins, promete, por exemplo, cortar 70% dos gastos com custeio; Ricardo Coutinho, da Paraíba, suspendeu o reajuste de 27,92% no salário dos servidores concedido pelo antecessor; Agnelo Queiroz, do DF, exonerou 15 mil comissionados. Sustentarão eles tais posições até o final?

O loteamento dos cargos, velha prática que alimenta partidos e lideranças, se presta à meta de perpetuar grupos e mandos. A fisionomia administrativa formada por quadros disformes, incapacitados e desmotivados só muda com a profissionalização da máquina e a adoção da meritocracia. São poucos os entes federativos, porém, que se propõem a estabelecer sólidos programas de capacitação de funcionários e racionalização de serviços. O estabelecimento de metas, a administração voltada para resultados e os contratos de gestão são iniciativas ainda em processo de experimentação. Se a politização da gestão é algo com que se deve conviver, por conta da tradição patrimonialista de nossa política, a profissionalização da burocracia- a partir da redefinição e fortalecimento das carreiras de Estado - é a única semente capaz de gerar bons frutos. Exemplo animador vem de São Paulo, onde o governador Geraldo Alckmin acaba de convocar o consultor de gestão Vicente Falconi - o mesmo que orientou o "choque de gestão" no governo Aécio Neves em Minas Gerais - para montar a equação-chave: "como fazer mais e melhor com menos dinheiro".

É evidente que Estados mais poderosos como São Paulo, onde é possível cortar, sem grandes traumas, R$ 1,5 bilhão do Orçamento, dispõem de condições melhores para incorporar à gestão modelos bem sucedidos na iniciativa privada. O que não impede às unidades federativas menos desenvolvidas de buscar qualificar a gestão. O dilema que se apresenta às unidades mais frágeis é o de ajustar, de forma harmônica, os três cinturões da administração: o político, o econômico e o social. O primeiro escuda a trajetória político-eleitoral do governante; o segundo garante o equilíbrio financeiro do Estado, vital para o crescimento; e o terceiro se conecta ao sentimento popular. Reforçar um cinturão quase sempre implica enfraquecer outro. Ainda não se encontrou a fórmula que combine sacrifícios econômicos e recessão com crescimento, aumento de emprego, redistribuição de riquezas e justiça social.

Inexiste, porém, política sem riscos. Mas os atores temem enfrentá-los em função da acirrada competitividade política. Receiam que medidas de contenção de gastos, compressão das massas funcionais e enxugamento de estruturas lhes tirem a capacidade de reverter um processo de desacumulação de forças, fenômeno previsível quando se tomam medidas impopulares. Atente-se, porém, para o estouro da boiada que se viu no último pleito. Romperam-se os limites do bom senso, planilhas de contas a pagar despeitaram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mesmo assim, certos candidatos à reeleição não alcançaram sucesso. O fato revela uma nova disposição social. Medidas demagógicas, com foco exclusivo na salvaguarda do mandatário, nem sempre imprimem força. Sob esse clima saudável, a gestão pública poderá dar um salto de qualidade em 2011.

JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO.