domingo, janeiro 09, 2011

SUELY CALDAS

Dilma e Lula em paralelo
 Suely Caldas
O ESTADO DE S. PAULO 09/01/11

Os últimos atos de Lula foram livrar o ativista italiano Cesare Battisti da extradição e a ex-ministra Erenice Guerra de penalidades em sindicância que a absolveu. O primeiro de Dilma Rousseff foi demitir apadrinhados do PMDB de cargos cobiçados no Ministério da Saúde e na direção dos Correios. Diferenças? De estilo, sem dúvida - os dois têm perfis opostos. Mas não só.
Sobressaem nesses primeiros dias de gestão o empenho da presidente em provar ao País que não é um poste - do que foi acusada - e que tem a personalidade forte de uma mulher que não chegou ao poder para ornamentá-lo, tampouco esquentar a cadeira para Lula. Dilma tenta mostrar que tem convicções e determinação para concretizá-las. Para acertar ou errar? O futuro dirá.
Depende de seu programa de governo, ainda nebuloso e cheio de incertezas, e de enfrentar com habilidade, e também coragem, os que fingem ser aliados para se dar bem e fazem da chantagem instrumento de barganha para conseguir o que querem.
Com eles Lula foi complacente, generoso até. Passou oito anos acariciando cabeças de corruptos, culpando a imprensa por divulgar fraudes, distribuindo cargos técnicos a políticos sabendo que ali estavam para tirar lascas de poder para seus partidos e comprometendo a qualidade de uma gestão que deveria focar o bem público.
Em seus dois discursos mais relevantes (na vitória eleitoral e no ato de posse), em que definiu mais linhas de conduta do que o conteúdo de um programa de governo, Dilma Rousseff avisou: "Serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente, e os órgãos de controle e investigação terão todo o meu respaldo para atuarem com firmeza e autonomia." O País torce para ela cumprir o prometido, combater e punir a corrupção e não fazer de seu discurso uma banal peça de retórica que logo será esquecida. Nos primeiros dias de governo, em 2003, Lula levou o ministério inteiro ao município mais pobre do País, para "conhecerem de perto a miséria". Em pouco tempo os ministros esqueceram o que viram, mas com este ato, Lula marcava sua linha de percurso dos próximos oito anos: a paixão pela viagem e pelo monólogo em discurso e a aversão pela gestão cotidiana do País.
Tratou de comprar o "aerolula" e saiu pelo Brasil afora e por todos os continentes do mundo. Só para o exterior ele viajou 252 vezes. Em oito anos de governo operou como um animador de programa de auditório, que faz rir, busca popularidade e aplausos, fala o que quer e o que a plateia quer ouvir - inclusive inverdades. Para tocar o cotidiano do País de Brasília ele tinha José Dirceu e Antonio Palocci, num primeiro momento, e depois a própria Dilma e Paulo Bernardo.
Nessa primeira semana Dilma se recolheu ao gabinete, não deu entrevistas, não apareceu em público e tratou de começar a organizar e sistematizar o governo. Combinou linhas de ação com ministros, reuniu o conselho político para tentar acalmar PT e PMDB, às turras pela disputa de cargos de segundo escalão (cumprirá a nomeação de técnicos ou cederá ao fisiologismo?).
Chamou raposas do Congresso para conversar, preocupada com a eleição de um petista para a presidência da Câmara e com a votação do salário mínimo. Ao contrário de Lula, ficou longe dos holofotes.
Mas Dilma continua devendo ao País seu programa de governo. Se ela fala de austeridade fiscal e privatização de aeroportos, certamente não será mera continuidade do governo Lula. Embora seja tema de consenso no governo, o Banco Central parece ter tido plena liberdade para decidir medidas de efeito cambial na última quinta-feira, sem interferência, como ela prometeu ao assumir.
Ela teve mais de dois meses para preparar as primeiras propostas de governo, aquelas que precisam ser divulgadas no calor das urnas para ganhar apoio popular. Não há uma só definição sobre as reformas (política, tributária, previdenciária, trabalhista e as microrreformas). Não fazê-las foi enorme falha de Lula, um decepcionante atraso de oito anos. Dilma não pode repetir o erro.
Jornalista e professora de Comunicação da PUC-Rio

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