terça-feira, dezembro 27, 2011
Privilégio - LUIZ GARCIA
O GLOBO - 27/12/11
Em princípio, faz parte das obrigações de um sistema judiciário considerar que todos os cidadãos merecem ser tratados segundo os mesmos critérios. Pode ser que mereça discussão, portanto, uma decisão recente do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso.
Ele mandou apagar dos registros do STF uma quantidade de ações em que os réus eram autoridades públicas. Não foi pouca coisa: desapareceram 89 processos de um total de 330, obedecendo a três circunstâncias: casos que terminaram em absolvição dos acusados, ações que prescreveram por falta de agilidade do sistema judiciário e aquelas que foram passadas para outros tribunais porque os réus perderam o direito ao foro privilegiado do STF. Parecem ser critérios razoáveis - mas por que só existem para quem trabalha para o Estado?
Um observador leigo pode reconhecer que cidadãos absolvidos têm óbvio direito ao sigilo. É mais difícil entender que o anonimato se limite a ocupantes de função pública. Ou que o privilégio exista apenas na última instância do Judiciário. Também por decisão do ministro Peluso, todas as pessoas investigadas em inquéritos do STF têm direito ao anonimato. Pode-se compreender essa proteção - mas é difícil entender que só exista na última instância do Judiciário. Onde é que fica o princípio de que a Justiça deve ser igual para todos? Ele não significa também que os direitos dos réus devem ser iguais em todas as instâncias?
O STF, quando presidido pela ministra Ellen Gracie, adotou o princípio de que pessoas absolvidas ou condenadas apenas ao pagamento de multa têm direito a uma certidão de "nada consta" do tribunal. A iniciativa do ministro Peluso amplia esse privilégio - e parece ser pelo menos discutível incluir no rol dos inocentes quem foi punido com multa. A pena, mesmo que suave, é prova de que foi reconhecida a existência de algum delito, mesmo que de pequena gravidade. Se há multa, alguma coisa foi constatada contra o cidadão que tem de pagá-la.
Seja como for, o que pode ser realmente discutível na decisão de agora do presidente do STF é a criação de um privilégio destinado unicamente a proteger a imagem de autoridades. Ou o exercício de função pública não exige, por sua própria natureza, que todos os cidadãos conheçam direitinho quem toma decisões por eles?
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