domingo, dezembro 11, 2011

O óbvio desprezado - MAURICIO CORRÊA



CORREIO BRAZILIENSE - 11/12/11
A crise do Ministério do Trabalho deve ter dado ao governo alguma experiência de como lidar com aproveitadores. Não foi nada sensato querer minimizar as denúncias encampadas pela mídia contra as evidências de ilicitudes de seu ministro. Ainda mais sob a alegação de que estava em curso uma “onda denuncista” que o envolvia. Quanto mais se buscava eliminar o problema, mais ele aumentava de intensidade com os episódios que se sucediam. O governo foi quem mais perdeu com a inércia de providências, que só foram tomadas depois de ter sofrido danos de conduta. O saldo gerado foi de desgaste para quem já começa a ter a credibilidade combalida por negligência com a ética.

Se os prejuízos de avaliação podem ser bem menores entre as categorias sociais de níveis mais baixos, sem dúvida que, entre as mais altas, poderão ser bem maiores, embora incidentes similares, ao longo dos tempos, não tenham produzido quedas de pesquisa. Num confronto eleitoral futuro, entretanto, é difícil supor que não possam trazer riscos a candidatos do governo. De qualquer forma, a postura seguida pode ser registrada como um dos maiores equívocos de procedimento e de falta de percepção de tema tão sério para um país ávido de que as ações governamentais sejam limpas.

Se tudo o que se apurou com as ocorrências em referência já era mais do que suficiente para a demissão do acusado, o pior foi consultar a Comissão de Ética Pública da Presidência da República para saber que destino dar às denúncias recebidas. De fato, encaminhado o feito à relatora, não tardou para que proferisse voto pela sua demissão, que foi acompanhado pelos demais membros do órgão. Mais grave ainda foi a recusa em não acolher as sugestões alinhadas, até mesmo depois de terem sido vazadas críticas à rapidez com que a comissão se desincumbiu do encargo de analisar o pleito e de apresentar as conclusões pela demissão do servidor.

Se a presidente tinha a prerrogativa de acolher ou não os resultados do trabalho, a alternativa era mais do que possível do ponto de vista formal. No mérito, contudo, não é sequer crível pensar que, tratando-se da Comissão de Ética Pública, as considerações moralizadoras propostas no campo ético não tenham podido ser prontamente encampadas. O pressuposto é o de que, se enviada a matéria ao exame da comissão, órgão de consulta de ética da Presidência da República, é porque se subentende que as conclusões formuladas não fossem recusadas. Caso contrário, o certo seria que houvesse alguma manifestação fundamentada para o desacolhimento da recomendação dada. Como tudo foi levado ao conhecimento público pelo farto noticiário da mídia, a nação tinha o direito de saber o que teria afinal sucedido para a negativa do voto da relatora, de resto unanimemente seguido. É o que se pode dizer da falha da presidente ou de seus assessores no cometimento de tão gritante disparate perante a opinião pública.

Lamentável é que os membros da comissão tenham sido tão bruscamente atacados com chulas imprecações, que provam a desqualificação dos que se sentiram molestados pelos trabalhos realizados. É inadmissível terem querido atingir o presidente da comissão, cujos atributos de honradez e dignidade, eu mesmo acerca deles posso afirmar existentes desde os bancos acadêmicos da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, onde, no longínquo ano de 1960, eu e ele colamos grau. Exerceu com competência e zelo, entre outros cargos da Justiça, o de procurador-geral da República, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, além de ter sido um dos mais consagrados ministros que passaram por aquelas cortes. Aposentado, mas atuante na advocacia, emérito jurista, competente e culto, por certo o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República dispensaria qualquer defesa que pudesse ser feita a seu favor.

Apesar do acidente de percurso do governo, a omissão deve ser didática como parâmetro de comportamento. O que o povo não quer mais ver no serviço público é servidor que não cumpre os seus deveres éticos. Principalmente quando descambam para práticas ilícitas, como têm sido triviais se constatarem nestes tempos em que se presumia terem sido em parte reduzidas. Todo desvirtuamento no desempenho de cargo público ofende a sociedade e, particularmente, o cidadão. Se os servidores possuem regras estatutárias de procedimento a serem respeitadas, o importante é que os governantes não se descuidem da obrigação de agir, quando fatos de violação ética cheguem ao seu conhecimento. Esse dever do administrador é ínsito ao exercido de mandar. O que mais agrada o povo é sentir que o governante não transige com o dever de mandar investigar os servidores que usam os cargos públicos para a prática de roubos contra a nação.

De tudo e em conclusão, o que mais o povo deseja ver é o domínio da ética no serviço público. A ideia da criação da Comissão de Ética Pública é relevante. É preciso que a presidente se acautele com as conclusões por ela propostas. Não é prudente deixar o órgão perecer no desprestígio. Nem é bom para o governo deixar sem explicação o que sugere que faça, quando se tratar de grave disfunção ética cometida por ministros do governo.

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