segunda-feira, novembro 14, 2011

O VOO CEGO DO MINISTRO DO TRABALHO - REVISTA VEJA


O VOO CEGO DO MINISTRO DO TRABALHO
REVISTA VEJA

Em viagem oficial ao Maranhão, Carlos Lupi usou avião alugado por um dos principais acusados de desviar dinheiro de convênios com o ministério. E o acusado estava entre os passageIros
DANIEL PEREIRA, HUGO MARQUES, GUSTAVO RIBEIRO E PAULO CELSO PEREIRA

Na manhã de 13 de de­zembro dc 2009, um avião de pequeno porte decolou de Imperatriz, no Maranhão, com des­tino a Timon, no mes­mo estado. Quando o King Air branco com detalhes em azul, de prefixo PT­ONI, já cruzava o céu na altitude e na velocidade determinadas no plano de voo, o então assessor do Ministério do Trabalho Weverton Rocha tomou um susto. Pela janela, ele viu um rastro de fumaça perto do tanque de combustível. Disciplinado, avisou imediatamente seu chefe, o ministro Carlos Lupi: "Olha, parece que está vazando querosene". Osso duro de roer, como se definiu na semana passada, Lupi reagiu com a confiança e a verborragia que lhe são peculiares. "Nada de mau vai nos acon­tecer. Tenho 49 orixás que me acompa­nham", disse, ecoando um de seus man­tras prediletos. Em seguida, o ministro avisou o comandante do problema. O avião retomou a Imperatriz, foi consertado e retomou a viagem ao destino fi­nal. Estavam a bordo também o ex­governador do Maranhão Jackson La­go, já falecido, o então secretário de Políticas Públicas de Emprego do mi­niSlerio, Ezequiel de Sousa Nascimen­to, e um convidado especial - o gaú­cho Adair Meira.

Naquele domingo, Lupi, Rocha, Lago e Nascimento, todos do PDT, participaram de um ato político em Timon. Nos dois dias anteriores, percorreram sete municípios maranhenses em uma intensa agenda oficial, divulgada ·no site do Ministério do Trabalho, reservada ao lançamento de um programa de qualificação profissional no estado. Nos trajetos entre cidades, usaram o mesmo King Air e estiveram sempre acompanhados a bordo do con­vidado especial Adair Meira. Adair não é do PDT, mas tem relações intes­tinas com o partido. Ele comanda uma rede de ONGs que têm contratos mi­lionários com o Ministério do Traba­lho. Era, portanto, um interessado di­reto no programa que estava sendo anunciado no Maranhão. Mais do que isso. Foi Adair quem "providenciou" o King Air que transportou o ministro e os pedetistas do governo pelo Mara­nhão, numa daquelas clássicas confra­ternizações entre interesses públicos e privados, cuja despesa acaba sempre pendurada na conta do contribuinte.

O ministro Carlos Lupi cumpriu uma agenda oficial, usando um avião privado, pago por um dono de ONG que tem negócios com o ministério. E, pior, um dono de ONG acusado de fraudar o próprio ministério. Na edição passada, VEJA revelou a existência de um esquema de arrecadação de propina operado por integrantes do PDT lota­dos na cúpula do Trabalho. O grupr agia em duas frentes. Numa delas, e'­torquia ONGs às voltas com irregulan­dades na execução dos contratos e que por isso mesmo, ficavam sem recebe dinheiro da União. Na outra, fazia vi ' grossa a malfeitorias cometidas pc ONGs amigas, como as dirigidas Adair Meira - o convidado especia. Essas denúncias levaram Lupi a pres esclarecimentos ao Congresso. Aos de­putados, Lupi afirmou desconhecer Adair Meira. "Eu não tenho relação nenhu­ma, absolutamente nenhuma, com o - como é o nome? - seu Adair", afirmou, num providencial lapso de memória. Depois, emendou: "Posso ter e devo ter encontrado com ele em algum convênio público. Não sei onde ele mora". Quanta descortesia. No fim de 2010, um ano após o tour mara­nhense, a Fundação Pró-Cerrado e a Rede Nacional de Aprendizagem, Pro­moção Social e Illtegração (Renapsi), duas ONGs de Adair, receberam do Ministério do Trabalho, numa solenidade em Brasília, o Selo Par­ceiros da Aprendizagem, con­cedido a entidades conside­radas de excelência na for­mação profissional.

Também no fim de 2010, a Renapsi foi escolhida pelo ministério como parceira num projeto para qualificar trabalhado­res no Maranhão - isso apesar de ter credenciais nem de longe abonadoras. A Procuradoria da República já pediu a devolução de recursos públicos embol­sados pelas entidades de Adair. A Con­troladoria-Geral da União (CGU), por sua vez, apontou uma série de irregula­ridades nos contratos executados por ela. Na audiência com os deputados, Lupi garantiu que quase nunca viaja em aviões particulares. E assegurou que jamais se locomovell à cll"ta de Adair. "Nunca andei em aeronave pes­soal nem dele nem de ninguém". disse o ministro. Lupi esqueceu de combinar a versão com um de seus antigos asses­sores. Procurado por VEJA, Ezequiel Nascimento, ex-secretário de Políticas Públicas de Emprego do Mini"tério do Trabalho, confirmou que o King Air fi­cou à disposição do ministro e dos pe­detistas no Maranhão. Confirmou tam­bém a presença de Adair Meira a bordo nos voas entre municípios. E mais: in­dagado sobre quem providenciou o avião para servir ao ministro, o ex-as­sessor foi taxativo: "O Adair".

Para cumprir a agenda oficial do ministério, o ex-assessor de Lupi con­tou ter saído de Brasília rumo a São Luís já a bordo do King Air e já na companhia de Adair Meira. O dono da Pró-Cerrado embarcara em Goiânia, onde ficam a sede da ONG e também a da Aerotec Táxi Aéreo, a proprietária do avião. Nos trajetos percorridos a partir da capital do Maranhão rumo às cidades do interior, Nascimento e Adair ganharam a companhia de Lupi, We­verton Rocha e Jackson Lago. Indaga­do sobre o caso, o hoje deputado We­verton Rocha confirma que o avião foi alugado para atender à comitiva do mi­nistro, mas ressalta que quem bancou a despesa, calculada em aproximada­mente 70000 reais, foi o PDT, através do ex-governador morto. O fato de o partido pagar pelo deslocamento de um ministro a serviço, além de não fa­zer nenhum sentido prático, já seria um absurdo sob o ponto de vista ético. Mas, ainda que fosse verdade, não ex­plica o que fazia no voa o - como é mesmo o nome? .. - Adair Meira, do­no da ONG que mais tarde iria se be­neficiar do resultado da viagem. O deputado, claro, também nega a presença do empresário, con­firmada pelo seu colega de ministério e de partido Eze­quiel Nascimento. Procurado, Adair disse que jamais voou no mesmo avião que o minis­tro, que não tem nenhuma re­lação mais próxima com ele e que suas ONGs são escolhidas pelo Ministério do Tra­balho por competência. A Aerotec não quis se pronun­ciar. Diz o filósofo e profes­sor de ética Denis Rosenfield: " Quem pagou ou deixou de pagar não altera os termos da questão. O problema está nesse tipo de relação de favo­recimento a partidos e políti­cos. Essa é a questão. Eu cha­maria isso de capitalismo de compadrio. O problema é que o governo cria um tipo de re­lação em que muitas vezes o empresário fica obrigado a jogar esse jogo".

Desde 2008, a Fundação Pró-Cerrado e a Renapsi do convidado especial Adair Meira receberam 10,4 milhões do Ministé­rio do Trabalho. Ao passar um pente-fi­no nos convênios, a CGU encontrou ir­regularidades de todos os feitios. A Pró­Cerrado, por exemplo, realizou paga­mentos a empresas sem que houvesse justificativa para tais gastos, organizou cursos .em locais inadequados e ainda informou ter distribuído lanches antcs do início das aulas. Pior: "Não foi de­monstrada nenhuma providência para a superação das falhas apontadas", diz a CGU. No caso da Renapsi, há um dado assustador - para o contribuinte: a au­sência de comprovação de despesas no valor de 5 milhões de reais. Pró-Cerra. do, Renapsi e Fundação Universitária do Cerrado, a terceira ONG do - como é mesmo o nome? - seu Adair, têm funcionários em comum. Essa sobrepo­sição de servidores, segundo órgãos de controle, é usada para facilitar desvios. Meira nega que use de tal expediente para fraudar os cofres públicos.

Conhecido pelo estilo centraliza­dor, o ministro Carlos Lupi convoca secretários e diretores de departamen­to para discutir a lista de pedidos de assinatura de convênios e de liberação de recursos. Decide sozinho quem e como atender. Faz anotações nas rela­ções apresentadas pelos subordinados. Chega a mudar o número de estudantes que serão atendidos em cidades distan­tes. Presidente licenciado, mas coman­dante de fato do PDT, ele está à frente da estratégia para beneficiar o panido por meio das decisões e da estrutura administrativa da pasta. São os pró­prios parceiros dele que fazem esse relato documentado. Chamado em Mi­nas Gerais de "pai do ProJovem", nu­ma referência a um dos programas to­cados pelo ministério, o deputado Ade­mir Camilo conta que sempre tratou dos convênios diretamente com Lupi. Camilo trocou o PDT pelo PSD recen­temente. Um dos convênios apadrinha­dos por Çamilo foi fechado com o Ins­tituto Mundial de Desenvolvimento e da Cidadania (IMDC). As ações do !MDC são investigadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. En­tre os alvos, estão três saques de 800000 reais, na boca do caixa, às vés­peras da eleição. Camilo diz desconhecer tais irregularidades, que, se exisli­rem, seriam de responsabilidade dos dirigentes do IMDC.

De tão ostensivo, o uso político­partidário do Ministério do Trabalho sob a batuta de Lupi foi criticado pelo Tribunal de Contas da União. Num re­latório produzido em setembro, o TCU elenca falhas graves em contratos de qualificação profissional firmados com três ONGs. Há de tudo: pagamentos em duplicidade, pagamentos por servi­ços não prestados, redução do número de pessoas atendidas sem a respectiva diminuição do custo do projeto, entre outros. E foi apenas uma amostragem. O tribunal analisou convênios de 6 mi­lhões de reais. Das três ONGs investi­gadas, duas são comandadas pelo ex­tesoureiro do PDT em Goiás. No pe­ríodo dos convênios, o diretório goiano do partido foi presidido por Marcelo Panella. Amigo de Lupi há mais de vinte anos, ele foi chefe de gabinete do ministro até agosto passado. Não resis­tiu no posto depois que parlamentares do próprio PDT procuraram o Palácio do Planalto para acusá-lo de cobrar propina em troca de decisões oficiais. O ministro da Secretaria-Geral da Pre­sidência da República, Gilberto Carva­lho, admitiu em público que, informa­do dos fatos, o governo determinou a Lupi que tomasse providências.

O esquema de extorsão envolven assessores de Carlos Lupi, revela por VEJA na edição passada, levou ministro a afastar Anderson Alexand dos Santos do cargo de coordenado ­geral de qualificação. Ele e Wevert Rocha, o ex-assessor especial e agora deputado federal, são acusados por ­rigentes de ONG, parlamentares e e vidores do ministério de fixar o valor da propina e cobrar a fatura das entid des. Os representantes das duas entid ­des que denunciaram o crime - Êpa e Oxigênio - foram convidados a prestar depoimento numa comissão de sindicância instaurada para apurar o caso. Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff também pediu esclare mentos a Lupi, mostrou-se satisfeita orientou, como tem sido de praxe, q ele fosse ao Congresso explicar-se. E. polgado, o ministro chegou a desafiar publicamente a presidente: "Só a abatido a bala" e "duvido que a Dilma me tire. Não saio nem na reforma ( minislerial) ". Logo depois, Lupi recebeu um pito da presidente por meio da Ir ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil tentou contornar a situação na audiê cia com os deputados: "Presidente Dilma, desculpa se eu fui agressivo. Eu amo". Uma declaração de amor tão sincera quanto as prestações de contas de certas ONGs.


LUPI, O PDT E O MINISTÉRIO

Desde que assumiu o cargo, em março de 2007, Carlos Lupi transformou o Ministério do Trabalho numa repartição do seu partido, o PDT

• Lupi enfrentou a Comissão de Ética Pública para continuar comandando simultaneamente o ministério e o PDT

Ministério do Trabalho e Emprego

PDT

• Destinou os principais cargos do ministério a militantes e a dirigentes de sua agremiação

• Por meio de uma manobra nada republicana, passou a controlar o órgão colegiado de onde saem os recursos para convênios com ONGs suspeitas.Também autorizou a entrega dos milionários programas sociais do ministério a entidades ligadas ao partido

• O aparelhamento resultou em denúncias de extorsão e desvios de dinheiro envolvendo assessores, entidades como a Funda ão Pró-Cerrado, e dirigentes ligados ao PDT

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