domingo, novembro 13, 2011

NOURIEL ROUBINI - Abaixo a zona do euro


 Abaixo a zona do euro
NOURIEL ROUBINI 
FOLHA DE SP - 13/11/11

A dissolução desordenada da eurozona representaria um choque talvez até maior do que o colapso de 2008

A crise na zona do euro parece estar atingindo seu clímax, com a Grécia à beira de um calote e de uma saída inglória da união monetária e a Itália a ponto de perder seu acesso aos mercados. Mas os problemas na zona do euro são ainda mais profundos. Trata-se de problemas estruturais, que afetam severamente pelo menos outras quatro economias: Irlanda, Portugal, Chipre e Espanha.

Ao longo dos últimos dez anos, os países do grupo Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) foram os consumidores dominantes da zona do euro, gastando mais do que sua população ganhava e acumulando deficit em conta-corrente cada vez maior.

Enquanto isso, o núcleo da zona do euro (Alemanha, Holanda, Áustria e França) formava a ponta produtora desse eixo, gastando abaixo dos ganhos e registrando superavit permanente.

Esses desequilíbrios externos também foram propelidos pela força demonstrada pelo euro de 2002 em diante, e pela divergência de taxas reais de juros e de competitividade entre os diferentes países da zona do euro.

O custo da mão de obra caiu na Alemanha e em outros países do núcleo (porque os salários cresceram menos que a produtividade), resultando em depreciação real e em alta nos superavit em conta-corrente, enquanto o inverso ocorria nos países Piigs e em Chipre, gerando valorização real e deficit em conta-corrente cada vez maior.

Na Irlanda e na Espanha houve um colapso na poupança privada e bolhas imobiliárias alimentaram o consumo excessivo, enquanto na Grécia, em Portugal, em Chipre e na Itália foram os deficit fiscais excessivos que alimentaram os desequilíbrios externos.

O acúmulo de dívidas públicas e privadas resultante nos países perdulários se tornou impossível de administrar quando as bolhas da habitação explodiram (Espanha e Irlanda) e deficit em conta-corrente, lacunas tributárias ou ambos se tornaram insustentáveis na periferia da zona do euro.

Além disso, os grandes deficit em conta-corrente dos países periféricos, alimentados pelo alto consumo, vieram acompanhados por estagnação econômica e por perda de competitividade.

E agora, o que acontece?

Uma reflação simétrica é a melhor resposta para restaurar o crescimento e a competitividade na periferia, enquanto as medidas de austeridade e reformas estruturais necessárias são empreendidas.

Isso implica relaxamento significativo da política monetária do Banco Central Europeu; em apoio institucional a economias que enfrentem falta de liquidez, embora ainda estejam solventes; em uma considerável desvalorização do euro, para transformar em superavit os deficit em conta-corrente; e em medidas de estímulo fiscal nos países centrais caso a periferia seja forçada a adotar austeridade.

O remédio amargo que a Alemanha e o BCE desejam impor à periferia -a segunda opção- é uma deflação recessiva: austeridade fiscal; reformas estruturais para estimular o crescimento da produtividade e reduzir o custo da mão de obra; e depreciação real via ajuste de preços, em oposição a um ajuste na taxa nominal de câmbio.

Para prevenir uma espiral de recessão, a periferia precisa de uma desvalorização real a fim de melhorar seu deficit externo. Mas mesmo que os preços e os salários caíssem 30% nos próximos anos (o que seria provavelmente insustentável em termos políticos e sociais), o valor real da dívida se elevaria muito, agravando a insolvência dos governos e dos devedores privados.

Se os periféricos continuarem aprisionados em uma armadilha deflacionária de dívida elevada, produção em queda, competitividade baixa e deficit externos estruturais, se deixarão tentar por uma terceira opção: uma moratória e saída da zona do euro.

Isso permitiria que reanimassem o crescimento econômico e a competitividade pela depreciação em suas novas moedas nacionais.

É claro que uma dissolução desordenada da zona do euro, o que aconteceria nesse caso, representaria um choque tão grande, se não maior, que o colapso do banco Lehman Brothers em 2008. Evitar esse choque forçaria as economias centrais da zona do euro a ficar com a quarta e última opção: subornar a periferia para que ela siga com baixo crescimento e competitividade.

Isso requereria aceitar imensos prejuízos em empréstimos privados e públicos e imensas transferências que manteriam a renda da periferia mesmo com produção estagnada.

O caos recente na Grécia e na Itália pode ser o primeiro passo nesse processo. A abordagem de persistir nas meias-medidas adotadas pela zona do euro claramente já não funciona. A menos que seus integrantes avancem para uma maior integração econômica, fiscal e política (e em percurso consistente com a restauração do crescimento, da competitividade e da sustentabilidade de dívidas em curto prazo, o que é necessário para resolver os problemas de dívidas insustentáveis e reduzir os deficit fiscais e externos crônicos), a deflação recessiva certamente conduzirá a uma dissolução desordenada.

Já que a Itália é grande demais para quebrar e também para ser salva, e que agora chegou a uma situação da qual não há volta, o jogo entrou em seu período final para a zona do euro. Primeiro, virão reestruturações de dívidas sequenciais e coercivas. Depois, saídas da união monetária, que terminarão na desintegração da união monetária.



NOURIEL ROUBINI é presidente da Roubini Global Economics, professor da Escola Stern de Administração de Empresas (Universidade de Nova York) e coautor do livro "Crisis Economics".

Nenhum comentário:

Postar um comentário