Chantagens, propinas e contradições
REVISTA ÉPOCA
ANDREI MEIRELES, HUDSON CORRÊA E MURILO RAMOS O passado recente do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), bate a sua porta a todo momento. Nas últimas semanas, Agnelo foi atingido por uma sequência de denúncias sobre suas passagens pelo Ministério do Esporte e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos dois casos, Agnelo se atrapalhou nas explicações. Falta esclarecer suas verdadeiras relações com o policial militar João Dias, responsável por desvios de dinheiro público de convênios do Esporte. Nesse caso, o governador terá oportunidade de apresentar suas justificativas ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agnelo não convenceu ao tentar justificar um depósito de R$ 5 mil em sua conta bancária feito por Daniel Almeida Tavares, um lobista do setor farmacêutico. Disse que o dinheiro era o pagamento de um empréstimo pessoal. A Polícia Federal investiga as acusações de que, na Anvisa, Agnelo beneficiou grandes laboratórios em troca de doações para sua campanha eleitoral de 2010. No rol de suspeitas, há casos mais graves. Agnelo é acusado de receber propina nos dois cargos ocupados no governo Lula. Agnelo também tem dificuldades para explicar o crescimento de seu patrimônio no período em que pertenceu ao governo federal. ÉPOCA teve acesso a um processo que tramita na Justiça Federal no Rio de Janeiro. Nele estão anexadas suas declarações de Imposto de Renda entre 2003 e 2007. Não há bens declarados, apenas rendimentos auferidos com salários. Agnelo afirma que seus bens estão registrados no Imposto de Renda de sua mulher, Ilza Maria Santos Queiroz. À Justiça Eleitoral, no entanto, a cada eleição que disputa, Agnelo apresenta declaração sobre seus bens. Chama a atenção nessas declarações o salto do patrimônio próximo de 413% entre 2006 e 2010. Em 2006, quando se candidatou ao Senado, Agnelo relacionou bens – contas bancárias, três automóveis e um apartamento – com valor declarado de R$ 224 mil. Naquele ano, Agnelo declarou ter recebido R$ 187.899 de remuneração. Desse valor, Agnelo doou a seu partido de então, o PCdoB, R$ 42.368 – o equivalente a 22,7% de sua renda bruta. No ano seguinte, a renda declarada por Agnelo caiu para R$ 57.642. Durante oito meses, até ser nomeado para uma diretoria da Anvisa em novembro de 2007, Agnelo recebeu apenas o salário de menos de R$ 3 mil mensais como médico da rede pública. Apesar disso, quatro anos depois, Agnelo entregou à Justiça Eleitoral uma relação de bens com valor cinco vezes maior: R$ 1,1 milhão. Entre as duas declarações, Agnelo comprou uma casa no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, e dois apartamentos. No ano passado, ÉPOCA mostrou que Agnelo construiu uma quadra de tênis e um campo de futebol em uma área pública ilegalmente incorporada ao terreno da casa. Em nota, Agnelo afirmou que seu patrimônio cresceu porque a declaração passou a reunir os bens dele e da mulher. “A declaração de Imposto de Renda de Agnelo Queiroz, referente a 2006, é uma declaração individual de patrimônio”, diz o texto. “Em 2010, foi apresentada declaração de Imposto de Renda em conjunto com a esposa, Ilza Queiroz, do patrimônio agregado do casal.” Na declaração de Imposto de Renda apresentada por Agnelo referente ao ano de 2006, não há, porém, nenhum bem em nome do governador. Essa prática se repetiu, segundo os documentos em poder da Justiça Federal a que ÉPOCA teve acesso, nas declarações referentes a 2003, 2004, 2005 e 2007. Pistas importantes para explicar o aumento do patrimônio de Agnelo surgem em conversas com João Dias e Daniel Tavares. Personagens do submundo político de Brasília, eles são ex-integrantes do PCdoB e, em alguns períodos, estiveram muito próximos a Agnelo. Nos últimos meses, ÉPOCA entrevistou os dois. Com Daniel Tavares, as conversas foram realizadas entre junho e a semana passada. Com João Dias, a entrevista foi feita há cerca de um mês, após a divulgação de suas acusações, que derrubaram o então ministro do Esporte, Orlando Silva. Na semana passada, deputados de oposição no Distrito Federal divulgaram um vídeo em que Daniel afirma ter depositado R$ 5 mil na conta bancária de Agnelo em 25 de janeiro de 2008. Na ocasião, Daniel era lobista do laboratório União Química. Agnelo era diretor da Anvisa – órgão responsável por fiscalizar a União Química. Segundo Daniel, o dinheiro era um complemento a uma propina de R$ 50 mil paga a Agnelo. No mesmo dia do depósito, o então diretor Agnelo emitiu um certificado da Anvisa favorável à União Química. O PT saiu em defesa de Agnelo e apresentou outro vídeo. Nesse, Daniel muda radicalmente. Ele desmente sua declaração anterior e endossa a versão de Agnelo: o governador afirma que a remessa bancária era apenas o pagamento de uma dívida pessoal. Daniel diz que, no primeiro vídeo, gravado em outubro, apenas repetiu denúncias que constavam de um roteiro elaborado pela oposição. Em junho, Daniel contou uma história diferente a ÉPOCA. Ele e seu irmão Cláudio procuraram a revista. Daniel se disse ameaçado por aliados do governador e afirmou ter provas de que Agnelo recebeu propina: a transferência bancária e um vídeo em que ele aparecia entregando dinheiro a Agnelo. Segundo Daniel, as ordens para pagar Agnelo vinham de Fernando Marques, em troca de favores na Anvisa. Daniel disse que, na campanha eleitoral, promoveu um leilão para vender o vídeo e o comprovante de depósito. Afirmou que, por uma questão de preço, não fechou negócio com aliados do ex-governador Joaquim Roriz, adversário de Agnelo. Daniel afirmou que, por ter preservado Agnelo, ganhou um emprego no governo. Em entrevista a ÉPOCA, gravada, Daniel disse que a primeira vez em que entregou dinheiro a Agnelo foi depois da campanha eleitoral de 2006. Segundo Daniel, Fernando Marques presenteou Agnelo com um Fiat Palio branco, registrado em nome da União Química. “Era para o filho dele (Agnelo), para o filho dele”, afirmou Daniel. De acordo com ele, Agnelo preferiu receber o dinheiro da venda do carro, efetuada por Daniel numa loja de veículos. A mesma história do Palio branco, sem citar o nome do governador, foi divulgada pelo policial militar João Dias no início do mês passado. Pouco antes de denunciar o então ministro, Orlando Silva, João Dias criou o blog Em Rota de Colisão. Dias começou a distribuir ameaças. Entre elas, mencionou a história do carro. Em outra nota, publicada no blog em outubro, João Dias faz uma ameaça velada a Agnelo. Ele afirmava que Daniel reclamava que ainda não recebera os R$ 250 mil prometidos para não denunciar Agnelo. Ainda não se sabem os argumentos que fizeram Daniel passar, na semana passada, de acusador a defensor de Agnelo. Como Daniel, João Dias também mudou de postura. Ele afirmou a ÉPOCA que criou o blog para reagir à demissão de seu amigo Manoel Tavares da presidência da corretora do Banco de Brasília (BRB). Dias disse que o motivo de sua revolta com o governo de Agnelo era o presidente do BRB, Edmilson Gama, a quem acusou de derrubar seu protegido. Em meados de outubro, João Dias deixou de atacar Agnelo. Na semana passada, Edmilson Gama deixou a presidência do BRB. Em todas as ocasiões em que foi acusado, Agnelo caiu em contradição na hora de se explicar. Agnelo afirma uma coisa no início para, em seguida, confrontado com provas inequívocas do contrário, mudar sua versão. Assim que surgiram sinais de sua ligação com João Dias, responsável por uma fraude no Esporte, Agnelo afirmou que só o conhecia de contatos políticos. Depois que ÉPOCA divulgou gravações que mostravam intimidade entre os dois, Agnelo admitiu ser amigo de João Dias. O mesmo procedimento se repetiu com Daniel. Agnelo disse que só tivera com ele “reuniões de trabalho”. Depois, diante do comprovante de depósito de R$ 5 mil em sua conta, Agnelo disse que teria emprestado dinheiro a Daniel. Daniel estaria, portanto, apenas pagando uma dívida. As ligações de Agnelo com os ex-patrões de Daniel exigirão mais explicações. No ano passado, a União Química doou R$ 200 mil para a campanha eleitoral de Agnelo. Ele também recebeu uma doação de R$ 300 mil da M Brasil. Trata-se de uma empresa de fachada, que pertence ao grupo controlador da distribuidora de medicamentos Barenboim S.A. Em dezembro de 2009, Agnelo contrariou as normas da Anvisa para favorecer a Barenboim. Agnelo ignorou uma proibição expressa e autorizou a Barenboim a atuar ao mesmo tempo como atacadista e varejista no mercado de medicamentos. No ano passado, a Anvisa não renovou a autorização por considerá-la ilegal. A Barenboim recorreu à Justiça e perdeu. Depois de Joaquim Roriz e José Roberto Arruda, Agnelo é mais um governador do Distrito Federal em apuros por suspeitas de corrupção. Seu destino depende das investigações da Polícia Federal e de um inquérito no Superior Tribunal de Justiça. Em nível local, as chances de as autoridades do Distrito Federal fazerem algo é remota. Na sexta-feira, o presidente da Câmara Legislativa, deputado Cabo Patrício (PT), arquivou cinco pedidos de impeachment de Agnelo, apresentados pela oposição. Agnelo também tem apoio do PT nacional. Na semana passada, o ex-deputado José Dirceu foi abraçar Agnelo em sua festa de aniversário. Os ingressos para a festa foram vendidos a R$ 50. Não consta que o pagamento pudesse ser feito por meio de depósito em conta. |
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