domingo, outubro 02, 2011

O BANDIDO DE FARDA - REVISTA VEJA



O BANDIDO DE FARDA
REVISTA VEJA

o bárbaro assassinato da juíza Patricia Acioli foi cometido a mando de um membro da cúpula da PM do Rio. Assombroso,o episódio mostra que é preciso ir muito mais fundo para expurgar a bandidagem das entranhas da corporação

LESLlE LEITÃO



A face mais nefasta da polícia do Rio de Janeiro ficou exposta, na semana passada, ao vir à tona um fato assombroso sobre o as­sassinato da juíza estadual Patricia Acio­li, de 47 anos. Após 47 dias de uma in­vestigação que já havia apontado a par­ticipação de onze PMs na execução da magistrada, alvejada com 21 tiros em frente à sua casa, chegou-se ao mentor da barbárie: o tenente-coronel da Polícia Militar Cláudio Silva de Oliveira, de 45 anos, que comandava o 7° Batalhão dePolícia de São Gonçalo, cidade vizinha ao Rio - justamente a jurisdição da juíza morta. Nos meses que antecede­ram o crime, Patricia estava obstinada em reunir provas para levar à cadeia Oli­veira e seu bando, que, já se sabe, prati­cavam extorsões, desvios de armas e drogas e até homicídios - pelo menos 29. A primeira vitória da juíza deu-se em 24 de janeiro, quando ela decretou a prisão de um major que operava como braço direito do coronel Oliveira. Desde então, Patrícia propalava nos corredores do fórum: "Agora falta o cabeça". Ex­oficial do Batalhão de Operações Espe­ciais (Bope), a tropa de elite fluminense, Oliveira era homem de confiança do comandante-geral da PM, Mário Sérgio Duarte - seu colega nos tempos de Bo­pe, que o alçou ao posto máximo de ba­talhões importantes. Não restou outra saída para Duarte senão renunciar.

VEJA teve acesso a detalhes da in­vestigação que revelam um enredo sinistro. O primeiro movimento do coro­nel Oliveira ocorreu exatamente uma semana depois de a juíza decretar a pri­são de seu braço direito na bandidagem, em janeiro. Como represália, o coronel transferiu para longe os dois PMs que se encarregavam da proteção de Patricia, no que teve o aval do comandante Duar­te. A escolta havia sido acertada entre ela e o batalhão de São Gonçalo em 2007, quando o Tribunal de Justiça a deixara desassistida - três anos antes de seu algoz assumir a área. Sem nenhu­ma guarida, a magistrada passou a ser intimidada. Certa vez, seu enteado foi ostensivamente seguido pelas ruas de Niterói. Tratava-se, segundo a própria juíza, de "ameaça velada do coronel Cláudio". À medida que ela apertava o cerco ao grupo, o crime ia sendo meti­culosamente engendrado: quatro PMs foram designados para pesquisar seus hábitos em detalhes. O bando sabia que Patricia nygociava uma delação premiada com um dos integrantes do batalhão, que, ao que tudo indica, havia assumido a culpa de um assassinato cometido por um homem forre de Oliveira. Foram duas as tentativas frustradas de eliminá­la antes da emboscada fatal.

Até ser preso, o coronel Oliveira era considerado pela cúpula da segurança pública do Rio um quadro "operacio­nal" - o que, no jargão policial, desig­na o tipo valente que resolve problemas com eficiência mesmo que para isso precise cometer deslizes. No caso dele, uma ficha em que constam oito anota­ções criminais (abuso de autoridade, lesão corporal, constrangimento ilegal, prevaricação, maus-tratos, tortura, ho­micídio e violência à mulher - este último, o único caso ainda não arquiva­do). Um ex-colega de batalhão, que tra­balhou ao lado de Oliveira por cinco anos, resume assim o seu estilo: "O Cláudio é do tipo que toma a vida dos traficantes um inferno quando invade a área deles, para depois se vender mais caro aos criminosos". Em um depoi­mento prestado na semana passada, um cabo que confessou ter disparado contra a juíza conta que o chefe chegou a ins­taurar no batalhão um sistema de divi­são do produto das apreensões e da pro­pina paga por traficantes.

Quando analisava a promoção de Oliveira a comandante de batalhão, em outubro de 2010, o secretário de Segu­rança do Rio, José Mariano Beltrame, recebeu informes· da inteligência da ,PM contendo denúncias sobre seusacordos escusos com traficantes e mili­cianos. O agora ex-chefe da PM Mário Sérgio Duarte dizia não haver nada comprovado contra o subordinado, e un­giu sua promoção à revelia dos indícios que pesavam contra ele. Todo o episódio mostra de forma inequívoca que, se ex­p'urgar o banditismo de dentro da policia do Rio de Janeiro não é tarefa trivial, ela deve ser levada às últimas consequên­cias, sem abrir brechas à leniência que costuma turvar a vista dos poderosos na hora de punir os amigos.

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