sábado, agosto 27, 2011

WALTER CENEVIVA - Ficção no equilíbrio dos Poderes



Ficção no equilíbrio dos Poderes
WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SP - 27/08/11

O artigo 2º da Constituição Federal afirma um belo ideal, mas a prática diária não o confirma


O ARTIGO 2º da Constituição Federal diz que, no Brasil, os Poderes da União (Legislativo, Executivo e Judiciário) são independentes e harmônicos entre si. A regra vale, em cada Estado, para sua organização interna e seus municípios. Pergunto ao leitor: em sua opinião, o que a Carta Magna afirma é verdade para o país, para seu Estado ou para seu município? Em outras palavras: é verdade que deputados e senadores, no nível federal, que deputados e vereadores, na órbita estadual e municipal, agem em favor do bem comum, livres de toda ingerência pelo Executivo, assim preservada a harmonia?
Tendo submetido a questão, sinto-me obrigado a antecipar minha opinião. Entendo que o artigo 2º da Constituição Federal afirma um belo ideal, mas a prática diária não o confirma. A história da política nacional -que no Império sustentava o predomínio do imperador, sendo, por isso mesmo, muito criticado- continua valendo, embora em outro regime. Na atualidade, o Legislativo (nos três níveis de governo) tende a aceitar a ingerência do Executivo e a se compor com ele. Quando vereadores, deputados e senadores se candidatam, nos Estados, a maioria deles afirma sua independência em face dos futuros presidente, governador e prefeito. Já tive ocasião de dizer que, eleitos, logo passam -seja qual for seu partido, salvo poucas exceções- a se compor com o Executivo. Estimulam trocas para satisfação dos desígnios deste, mudando a lei como quem muda de camisa. Parece exagero, mas, do menor município ao Estado mais rico, é frequente que, instalados os respectivos órgãos do Legislativo, logo seus componentes passem a "jogar" com o Executivo. Daí saem dois grupos estando com a maioria e a minoria dos que aprovam tudo.
Se no seu município e no seu Estado a perspectiva desenhada no parágrafo anterior for verdadeira, o resultado estará a dizer que a tripartição dos poderes não é suficiente para assegurar a efetiva representação do interesse dominante. Aquele no qual o leitor dedicou seu voto, como vigoroso oposicionista, "troca" (digamos assim) posições e aprovações por cargos e outras vantagens, as mais diversas, algumas até mesmo legítimas.
Se for verdade que o Legislativo -das Câmaras municipais, das Assembleias estaduais e dos órgãos federais-"compõe" com os desejos e com as forças do Poder Executivo, a tripartição dos poderes é sistema superado, jogo de palavras a ser corrigido. E a relação do Executivo com o Judiciário? O juiz atua sempre com olhos para a prática da Justiça, quando está em jogo o interesse definido pela autoridade administrativa? Por exemplo, ao impor que o Poder Público pague suas dívidas?
Reconhecido que os três Poderes não são harmônicos e independentes entre si (ressalvadas sempre as proverbiais exceções), teremos de admitir que a repartição deles em três segmentos já não satisfaz o interesse do povo, cuja garantia democrática depende, de modo imperativo, da livre autoridade entre os que legislam, os que executam as leis e os que julgam. Independência para aprimorar ideias.
Nesse caso, a Constituição estaria afirmando uma realidade inexistente. Realidade que todos nós temos o dever de corrigir, mudando o sistema ou sanando os defeitos do atual. Como? A resposta só em outra coluna.

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