domingo, agosto 21, 2011

UGO GIORGETTI - Famiglia



Famiglia
UGO GIORGETTI
O Estado de S.Paulo - 21/08/11

O Palmeiras foi um dos sonhos de grandeza da imigração italiana de S.Paulo. Foi concebido num momento particularmente importante dessa imigração, quando era possível sonhar alto, sonhar grande. Entre os empreendimentos dos imigrantes italianos havia não apenas simples empresas e fábricas, mas impérios, enormes conglomerados que pareciam eternos, tão sólidos eram. Foi à sombra dos impérios, dos Matarazzo, Crespi, Morganti , etc., etc. que o Palmeiras se criou. Foi feito à imagem e semelhança desses exemplos, desses leopardos, fundadores de dinastias. Esse projeto acabou não dando certo.

Muita gente se debruça sobre as causas da decadência e desaparecimento desses empreendimentos descomunais. Particularmente acredito que uma dessas causas é, sem dúvida, a propensão que os italianos têm para manter tudo em família. Esses impérios se voltavam para dentro, fechados em clãs que não permitiam a entrada de nada de fora. Os italianos, e falo dos italianos por experiência própria, parecem convencidos que o talento, o vigor, a coragem, e outras virtudes se transmitem através do sangue. Só que não é assim.

Filhos são pessoas diferentes, com outras ambições e outros talentos. Quando forçados a viver no interior da família, recebendo pesadas heranças, feitas de obrigações que muitas vezes não querem aceitar, geralmente falham. Estou convencido que essa imobilidade, esse aferrar-se desesperadamente aos "de dentro" foi umas das importantes causas da decadência (antes que receba algum furioso e-mail me acusando de ser contra a família esclareço que estou me referindo à família em relação a negócios e empresas).

O Palmeiras, símbolo da grandeza desses primeiros clãs, me parece que segue o mesmo e perigoso percurso. Grande, imensamente grande, mas de costas para o mundo. Insiste em ser uma empresa de família. De famiglia, aliás. Não compreende que sua grandeza é exatamente o que faz com que seja impossível uma administração caseira, modesta, numa palavra, familiar.

A situação exige a presença dos grandes precursores, os gigantes do passado, mas eles não existem mais. O que ficou é um produto de imigração sem aqueles sonhos delirantes e maravilhosos. O que ficou muitas vezes é gente boa, mas sem a força, a audácia, o destemor, a imaginação e, principalmente, a fortuna e os contatos dos velhos lideres.

A herança é muito pesada para ombros não tão fortes. No entanto, ano após ano, administração depois de outra, o que se vê são sempre as famiglias, os pequenos grupos, tão comoventemente italianos, mas que, a meu ver, vão levar, a longo prazo, à completa decadência do clube.

Na minha opinião o clube tem que se abrir para a torcida, que hoje tem muito pouco a ver com a Itália, mas que sabe da grandeza e exige conquistas. O Palmeiras é, entre todos, o clube mais paulista. É o que mais responde à essência da cidade, uma cidade de imigração. Mas não só italiana. Há de tudo aqui. O próprio clube se beneficiou de quem chegou do Norte e Nordeste no fim dos anos 50.

Para gerir essa grande marca é necessário mais do que um sobrenome italiano, mais do que uma certa folga financeira, mais que um talento político paroquial. Talvez tenha chegado dolorosamente a hora da separação da família. De dizer adeus a um tipo de vida e se adequar a um outro, mesmo que isso resulte na quebra de alguns laços fortíssimos.

Em duas palavras: se o Palmeiras quer continuar a ser clube de imigração, o que acho quee deve continuar, o certo é que se volte para a China, não mais para a Itália, falo metaforicamente, é claro. Sei que no plano sentimental é difícil, dilacerante mesmo, mas não vejo outra saída.

O Palmeiras deve se considerar o último sobrevivente de um sonho maior que desapareceu. Sem deixar de preservar de onde veio, e também quem o criou, tem o dever de procurar não ter o mesmo fim dos ilustres anteriores.

Ainda é tempo: muito da velha grandeza está intacta. Sei, por outro lado, que o que proponho é muito difícil, além de duvidoso. Uma coisa é estar lá dentro, outra são as divagações, meras impressões, de quem vê de fora.

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