segunda-feira, agosto 22, 2011

ALDO PEREIRA - Casamento e casamentos


Casamento e casamentos
ALDO PEREIRA
Folha de S. Paulo - 22/08/2011

Por que não legalizar uniões homossexuais? Afinal, se as caducas prescrições do Levítico valessem, ainda hoje seria legal praticar o comércio de escravos
Bello Maasaba, curandeiro nigeriano de 87 anos, já casou em rito muçulmano com 107 mulheres.
Descontadas nove que já morreram e 12 que repudiou em divórcio, ele coabita com 86, de idades que vão de 19 a 64 anos.
Dos 185 filhos, sobrevivem 133; o caçula nasceu em abril último.
Embora excepcional, a família Maasaba é exemplo válido de uma instituição universal, o casamento fértil, processo natural de regeneração biológica e estabilidade social humana; sem tal casamento, não teríamos evoluído até aqui.
Igualmente próprio de toda sociedade humana é o status superior da mãe casada em relação às mulheres que, tenham filhos ou não, sejam descasadas, solteiras ou mesmo viúvas. À parte méritos ou deméritos, justiça ou injustiça, fato é que, considerada apenas em si, a maternidade dignifica a mulher.
Alfred Korzybski (1879-1950) recomendava que certos termos fossem distinguidos por "índices"; isto é, qualificativos numéricos ou de data, para evidenciar nuances de significado. Por exemplo, casamento1950 e casamento2011.
O uso dos "índices" não vingou, faltou-lhes necessária validade prática. Mas, sem extrapolar o julgamento da "semântica geral" inventada por Korzybski, há evidente procedência na distinção.
Isoladamente, o termo casamento evoca modelo algo idílico: jovem casal que pactua colaborar na formação de uma família, sabedor dos sacrifícios concomitantes e animado por pouco mais que o prestígio inerente a tal responsabilidade.
Korzybski talvez categorizasse tal instituição como casamento1.
Genericamente, casamentox é um contrato que, em sociedades monógamas, confere a duas pessoas status legal distinto, decorrente de certos direitos e deveres mútuos livremente assumidos por elas. Cabe ao Estado, em seu papel de garantidor de contratos, formalizar a validade diversificada dessa realidade civil.
Isto é, reconhecer não apenas casamento1, mas também casamento2, casamento3 e casamentoetc. (Korzybski recomendava o etc. para tais indeterminações.)
Afinal, nestes novos tempos, de novos costumes e de recursos contraceptivos, muito mais gente casa sem ser jovem nem ter propósitos de procriação.
Por que não admitir, afora casamentoxy, também categorias de casamentoxx ou casamentoyy para legalizar uniões hoje interditas à perseguida minoria homossexual? A relutância legislativa em codificar "de jure" tal situação "de facto" configura mais uma das contumazes prevaricações do Congresso.
Intimidado, no caso, por vociferações da direita bíblica. (Embora a reprovação do lesbianismo pareça ambígua em Romanos 1-26, a sanção de Levítico 20:13 é explícita: morte aos homens homossexuais.)
Mas se caducas prescrições do Levítico valessem hoje, seria legal comerciar escravos (e escravas, tabeladas a preços de 40% a 50% inferiores). Seria ilegal consumir frutos do mar, camarão e presunto. E seria proibido -atenção, moçada- adornar o corpo com tatuagem.

Um comentário:

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