segunda-feira, abril 04, 2011

JOÃO PEREIRA COUTINHO - Doentes e doentes


Doentes e doentes
JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA ONLINE 04/04/11

Terry Jones: lembram? Eu relembro: Jones, pastor na Flórida, ameaçou em tempos que queimaria o Corão por considerar o livro nefasto e diabólico. Acabou por desistir da ideia e, desistindo, regressou ao justo esquecimento de onde nunca deveria ter saído.

Por pouco tempo. No dia 20 de março, Jones voltou ao local do crime e queimou mesmo o Corão. A mídia norte-americana, dessa vez, ofereceu reduzido palco ao pastor. Mas um discurso do presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, condenou o ato e voltou a trazer Terry Jones para o mundo dos vivos.

Phelan M. Ebenhack -02.abr.2011/Reuters

Pastor americano Terry Jones, que ficou conhecido após ameaçar queimar o Corão

Ou, melhor dizendo, dos mortos: na cidade afegã de Mazar-i-Sharif, um ataque a funcionários da ONU provocou 7 vítimas. Em Candahar, mais 9, sem falar de incontáveis feridos, destruição de lojas, escolas e carros. E no Ocidente?

No Ocidente, é provável que o digníssimo leitor se sinta indignado pela atitude de Jones, questionando seriamente: por que motivo o pastor ofendeu a religião dos outros?

Não tenciono justificar Terry Jones, que merece tratamento psiquiátrico e não defesa pública. Mas a pergunta do leitor é a pergunta errada.

A pergunta certa é outra: será razoável matar e destruir porque alguém queimou o Corão do outro lado do mundo?

Responder a essa questão não é difícil. Basta que o leitor faça uma inversão de papéis e, mesmo sendo profundamente cristão, imaginar por momentos o que faria se um tresloucado afegão queimasse a Bíblia por considerar o texto herético.

Aposto que não sairia para as ruas de São Paulo decidido a matar e a destruir. Aposto que, na cabeça do leitor, existe uma diferença fundamental entre queimar livros e queimar gente. Ou não existe?

Terry Jones, no seu fundamentalismo fanfarrão, é com certeza um personagem doente. Mas nessa história do Corão queimado é preciso não esquecer onde está a verdadeira doença.

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