terça-feira, abril 12, 2011

ARNALDO JABOR - Eu sou a falsa loura burra


Eu sou a falsa loura burra

ARNALDO JABOR
O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/04/11
"O que eu acho da mulher brasileira? Ah, sei lá, mil coisas... Eu sou a loura burra... é... (risos). Se eu não tenho opinião? Claro que tenho, cara, mas tenho de fingir que sou burra, senão os homens fogem de mim feito o diabo da cruz. Posso falar ‘mil coisas’, sim, sobre as mulheres, mas não espalha - só falo ‘off the record’. Viu? Inglês... Só falo anonimamente... É, sou culta, mas bico calado.

Vamos lá: eu acho o feminismo no Brasil um luxo de elite. Muitas mulheres de classe média resolveram de certo modo ‘assumir’ sua inferioridade social, como se fosse uma espécie de ‘libertação’. É só olhar as revistas masculinas. Ali, estão as desesperadas poses de peitos e bundas ostentando ‘independência’, ‘liberdade’...


Não se trata de a mulher entrar no mercado de trabalho, não é a busca fraternal do diálogo com o parceiro amado. O que está acontecendo no Brasil é a libertação da ‘mulher-objeto’. Não estão virando ‘sujeitos’ livres, não; elas querem ser mais ‘objetos’ ainda. É isso: o ‘sujeito’ tem limites, tem angústias; já o ‘objeto’ é mais feliz, não sofre. Por isso, somos associadas a marcas de cerveja, a pasta de dentes, a produtos de limpeza. A publicidade é toda em cima de sexo.


As mulheres querem a felicidade das coisas. Querem ser disputadas, consumidas, como um bom eletrodoméstico. E eu participo da farsa. Veja este horrendo vestido que tenho de usar: ouros, rendas, paetês - uma caricatura da corte de Luís XV. Em suma, posso ser a Bovary, a Pompadour, a Paris Hilton, a Julieta, posso ser tudo... Veja meu tipo. Quem sou eu?...


Cumpro todas as regras: peitos de silicone, coxas lipoaspiradas, bunda soerguida, sorriso debochado; tudo excessivo - curvas, volutas, refolhos, arrebiques que nos dão um ar de prostituta que subiu na vida. Mas sei também usar olhares profundos de mulher apaixonada, tudo iluminado pelos indefectíveis sorrisos largos que podem oscilar do ‘romântico maternal’ para o ‘joie de vivre’ das coquetes, mas sempre sorrisos, dentes brancos, porque a tristeza não é ‘comercial’.


É preciso dar inveja aos leitores das colunas sociais, onde se passa a ‘vida feliz’, longe do desemprego, da política, das crises econômicas.


Fingimos de bobas, mas queremos poder. Para isso é necessário uma permanente estratégia de controle sedutor sobre a lerdeza dos machos, pela histeria, pela dissimulação, pela voz doce e fina, mas cheia de perigos velados, sutis ameaças agressivas, para mantê-los com medo dos chifres... Senão, o cara não nos respeita; ele nos pega, nos come e joga fora... Ele tem de ter inveja da nossa vagina, de nossa beleza. Nosso doce veneno tem de controlá-los; além de seduzi-los, temos que fazê-los inseguros. Temos de instilar perigo no coração dos homens, para conseguir deles um poder dependente que nos legitime na sociedade...


Se, antes, as mulheres eram escravas passivas, hoje somos ativas, mas continuamos escravas. Somos aparentemente livres, mas sempre referenciadas ao macho impalpável, ao macho ignorante, ao macho que detém o poder que queremos conquistar.


Mesmo sendo frígidas, temos de insinuar grandes desempenhos sexuais. Não prometemos carinho; temos de prometer ‘funcionamento’. Não é por acaso que eles nos chamam de ‘aviões’. Temos de fasciná-los como um carro de luxo. Nunca dê garantias de fidelidade a um homem. Homem só ama mesmo pelo ciúme. Só amam quando perdem... Só o corno conhece o verdadeiro amor... Os homens deviam agradecer às adúlteras pela paixão que experimentam; deviam dizer: ‘Obrigado por me traíres’...


A revolução feminista no Brasil é a dança da garrafa... As bundas estão virando uma utopia. O sexo total que nossas gostosas prometem é impossível... Muitas têm boquinhas tímidas, algumas sugerem um susto de virgens, outras fazem cara de zangadas, ferozes gatas - mix de menina com doce vampira. Os peitos de silicone estão cada vez maiores, depósitos de leite venenoso... Outro dia, um cara quase morreu - engoliu silicone da namorada...


Nunca fomos tão nuas. Não há mais o que mostrar... Já mostramos o corpo todo, só faltam os órgãos internos... O que mais?


Ficamos em acrobáticas posições ginecológicas para raspar os pelos pubianos nos salões de beleza. Ficamos penduradas em paus-de-arara e, depois, saímos felizes com apenas um canteirinho de cabelos, como um jardinzinho estreito, e não mais as florestas que assustam os tímidos... Parecem uns bigodinhos verticais que lembram Hitler ou bigodinhos nordestinos, sabe de quem, né?


Vejam as popuzudas e cachorras. Não há mais o que rebolar... Sua nudez ameaça, assusta, se bem que, na vida real, querem apenas casar e ter filhos. Há uma hipersexualização nos costumes femininos que, na verdade, dissimula uma assexualidade mecânica...


Nunca vimos tanta propaganda de sexo te levando a comprar um sabonete ou a beber uma cerveja. A propaganda nos promete uma suruba transcendental que nos deixa com a sensação de que nosso sexo é menor, mixuruca, diante de tanto ardor.


Os sonhos viraram produto: revolta, igualdade, utopias, até o desespero e a angústia passaram a vender roupas e costumes.


A pessoa não tem mais um corpo; o corpo é que tem uma pessoa, frágil, tênue, morando dentro dele.


Onde estão elas no meio desses tesouros perfeitos? Aprisionadas em seu destino de sedutoras profissionais, talvez até com um vago ciúme de seu próprio corpo.


Somos inseguras e neuróticas, mas, nas revistas, parecemos até dispensar parceiros, parecemos namoradas de nós mesmas.


A democracia de massas parece "libertar" as mulheres, mas, numa sociedade ignorante como a nossa, deu nisto: a bunda é a esperança de milhões de cinderelas. O corpo tem de dar lucro. Se alguma mulher ficar famosa, tem de tirar a roupa.


A liberdade de mercado produziu um estranho mercado da liberdade. A libertação da mulher no Brasil de hoje é uma vingança conservadora... Viu só? Eu sou uma falsa perua, sendo-a...


Agora, não vai revelar meu nome aí nesta revista, senão meu marido me mata!".

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