quinta-feira, março 24, 2011

GUSTAVO LOYOLA


Contradições alimentam o pessimismo

GUSTAVO LOYOLA

VALOR ECONÔMICO - 24/03/11

Recém divulgada pesquisa de opinião realizada pela Datafolha indica que aumentou o pessimismo da população brasileira quanto à capacidade do governo para conter a inflação. Apenas 13% da população acredita que a inflação vai diminuir, percentual inferior aos 19% registrados na pesquisa de novembro último.

A mesma inclinação pessimista pode ser observada em métrica e amostra distintas, na pesquisa Focus realizada semanalmente pelo Banco Central. Enquanto que, em novembro último, a mediana das expectativas de inflação para os 12 meses à frente era de 5,15%, agora esse número é 5,36%, evidenciando igualmente a piora das expectativas dos analistas de inflação nos últimos quatro meses.

Cabe ao governo, e mais especificamente ao Banco Central, com as políticas adequadas, frustrar tal onda de pessimismo o mais cedo possível, com o declínio da inflação nos próximos meses e rápida convergência para o centro da meta. Afinal de contas, num país em que apenas 13% de sua população crê na queda da inflação no futuro, os riscos de inercialização da inflação se mantêm elevados, o que, se acontecer, fatalmente gerar efeitos perversos de longo prazo sobre o crescimento e o emprego.

A tríade que sustenta a estabilidade da economia nos últimos dez anos vem sofrendo graves e continuados atentados, principalmente no que concerne à política fiscal e à política cambial. Nas finanças públicas, com o pretexto de políticas contracíclicas, houve forte queda dos superávits primários, redução da transparência na contabilidade fiscal e expressivo aumento dos repasses de recursos do Tesouro a entidades públicas, notadamente Petrobras e BNDES.

Por outro lado, o câmbio se tornou cada vez menos flutuante, como resultado das medidas administrativas de controle adotadas pelo governo e da intervenção continuada do Banco Central no mercado. Mesmo na política monetária, último bastião da estabilidade, a coordenação das expectativas tornou-se mais complicada a partir de meados do ano passado, quando o BC passou a ser percebido pelos agentes de mercado como mais disposto a aceitar riscos inflacionários no curto prazo.

Com a posse da presidente Dilma, expectativas positivas foram criadas na seara fiscal, como o anúncio do corte de R$ 50 bilhões dos gastos e o reajuste apenas pela inflação do salário mínimo. Essas medidas foram corretamente percebidas como indicação da reversão na trajetória de deterioração proposital das contas públicas, acelerada depois da crise de setembro de 2008. Por sua vez, a escolha de Alexandre Tombini para a presidência do Banco Central sinalizou a manutenção da autonomia operacional da instituição e a aderência ao regime de metas para inflação.

Entretanto, as contradições e extravagâncias em algumas manifestações de autoridades do governo federal continuaram alimentando dúvidas sobre o seu real empenho na busca do objetivo de controlar a inflação em 2011, muito embora a presidente da República tenha sido enfática em sua recente entrevista ao Valor, na qual afirma que não permitirá, em nenhuma circunstância, a volta da inflação no Brasil.

Outra tese exótica que grassa no governo é a de que o melhor ataque à inflação vem do aumento da oferta

De fato, aqui e acolá, tornaram-se frequentes declarações de autoridades minimizando o risco inflacionário e insistindo na tese de que a recente aceleração dos preços se deve majoritariamente a um fenômeno temporário de oferta e não ao aquecimento excessivo da demanda. Outra tese favorita (e exótica) que grassa no governo é a de que o melhor ataque à inflação vem do aumento da oferta. Como exemplo, o ministro da Fazenda recentemente chegou ao extremo de declarar que "o BNDES não pressiona a inflação, uma vez que investimento permite maior oferta de produtos na economia". E ainda arrematou que "o problema inflacionário é do lado do consumo e não do investimento (sic)".

Aliadas à ideia equivocada de que medidas macroprudenciais são mais eficazes para conter a inflação do que a elevação dos juros, essas crenças indicam, no mínimo, uma forte "torcida" para que o BC contenha o aumento da taxa Selic, o que torna ainda mais complicada a tarefa dos membros do Copom nos próximos meses. Numa perspectiva mais pessimista, tais manifestações são pressões diretas sobre o BC, o que configuraria um retrocesso flagrante comparado à situação nos governos FHC e Lula, quando a instituição operou com autonomia.

Os próximos meses serão cruciais para a contenção da inflação e do crescente pessimismo e caberá ao BC a maior responsabilidade nesse processo. O papel da autoridade monetária é sempre o de assegurar a estabilidade da moeda para permitir crescimento sustentado, mesmo quando isso implicar em sacrifícios no curto prazo decorrentes do aumento da taxa de juros. Medidas macroprudenciais como recolhimentos compulsórios - embora justificáveis em certos casos- não são um bom substituto para a elevação dos juros, quando se trata de restringir a demanda agregada, notadamente no Brasil, onde proliferam medidas "macroimprudenciais" como a expansão desmesurada dos desembolsos do BNDES turbinada com recursos do Tesouro.

Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.

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