terça-feira, janeiro 11, 2011

CELSO MING

Guerra é guerra
Celso Ming 

O Estado de S.Paulo - 11/1/11

Ontem, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, e o ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, falaram do mesmo animal e, no entanto, cada um tem dele um entendimento diferente.

O animal, no caso, é o forte afluxo de moeda estrangeira nos países emergentes, que outra coisa não é senão a manifestação do fenômeno que o ministro Mantega vem chamando, com enorme repercussão internacional, de guerra cambial.

Trichet advertiu ontem na Basileia, no encontro de presidentes de bancos centrais, para o problema da excessiva entrada de capitais nos países emergentes, como se os bancos centrais dos países ricos, inclusive o que ele próprio dirige, não tivessem nada a ver com essa aterrissagem de dólares e de euros. Ela só está acontecendo porque os bancos centrais dos Estados Unidos e da área do euro estão despejando quantidades recordes de moeda no mercado, alegadamente para irrigar economias estagnadas, ignorando que o resultado disso é a desestabilização denunciada pelo próprio Trichet.

E Mantega denunciou em entrevista ao Financial Times, de Londres, a forte entrada de capitais e o estrago que provoca na competitividade das empresas brasileiras, como se a política que ele próprio põe em prática não tivesse nada a ver com isso. O ministro ignora o fato de que boa parte dessa enxurrada só acontece porque o governo federal gasta demais, despeja recursos no mercado, cria renda e consumo acima da capacidade de oferta da economia. E esquece também o fato de que, por não cumprir sua parte na austeridade das finanças públicas, o Banco Central do Brasil não tem outra saída senão puxar a alavanca dos juros. E, assim, os capitais chegam (ou deixam de sair) para tirar proveito dos juros mais altos aqui dentro.

Mantega foi além. Avisou que vai denunciar no Grupo dos 20 (G-20) a manipulação cambial. E quer que a Organização Mundial do Comércio (OMC) defina manipulação cambial como forma velada de subsídio comercial o que, portanto, caracteriza jogo inadmissível no comércio exterior.

Não dá para saber o que o ministro Mantega define exatamente como "manipulação cambial". Ele provavelmente não está pensando apenas na política adotada pela China, que mantém o yuan, a moeda nacional, atrelado ao dólar. Está pensando também na operação de afrouxamento monetário quantitativo do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que está despejando US$ 75 bilhões por mês em moeda emitida na recompra de títulos do Tesouro americano.

Mantega está reforçando suas próprias denúncias sobre a tal guerra cambial. Só que fica muito difícil sustentar o argumento da manipulação cambial quando o Banco Central do Brasil e agora o Tesouro Nacional não param de intervir no câmbio e anunciam ainda mais medidas.

Ninguém está dizendo que o jogo do Brasil está errado. O que está sendo relembrado é que quem cospe para cima na cara lhe cai, como diz o ditado, a menos que a manipulação cambial defensiva seja aceitável enquanto a ativa, não.

Como em toda a guerra, nessa guerra cambial a primeira vítima é a verdade. No mais, nesse imenso diálogo de surdos, cada um fala o que lhe convém.

CONFIRA

Esquizofrenia
A política cambial do Brasil está ficando esquizofrênica. O Banco Central continua dizendo que não tem meta de câmbio. Reafirma que apenas atua no mercado com o objetivo de reduzir volatilidades.

Meta cambial
Ontem, o ministro Guido Mantega divulgou as novas atribuições do Fundo Soberano do Brasil. Ele agora vai atuar no mercado de derivativos (mercado futuro de moeda estrangeira) com o objetivo declarado de impedir nova valorização do real. E quem vai atuar em nome do Fundo é o Banco Central.

Contradição
Já estava difícil entender que o Ministério da Fazenda atue no câmbio com objetivos diferentes do Banco Central. Mas agora fica mais difícil entender que o Banco Central possa atuar de maneira contraditória. Vai continuar nas compras de dólares no mercado à vista apenas para impedir volatilidades. Mas, em nome do Fundo, vai atuar nos derivativos para defender um piso cambial.

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