Dilma, Lula e o duplo comando
Suely Caldas
O ESTADO DE S. PAULO - 05/12/10
Quem conheceu Dilma Rousseff dos tempos de estudante até seu ingresso no governo Lula garante que ela nunca foi, e provavelmente nunca será, um poste. Personalidade forte, chefe exigente e métodos autoritários no convívio com comandados, Dilma só fraqueja e cede para uma pessoa: o presidente Lula - contrapõe alguém que a conheceu de perto no governo e com ela partilhou inúmeras reuniões com o presidente e ministros.
Compreensível a subserviência. Lula era o chefe e foi quem a inventou e impôs ao PT. Ele lhe deu apoio e ela tratou de retribuir, primeiro substituindo José Dirceu em momento político constrangedor e difícil do mensalão, depois arquitetando planos de governo (o PAC e o Minha Casa, Minha Vida) de resultados questionáveis, mas que serviram para inesgotável exploração política e ajudaram Lula a subir a rampa da popularidade. Os dois são gratos um ao outro.
Estariam quites? Certamente não. A dívida dela é maior. Sem Lula, Dilma não ganharia projeção no governo, muito menos chegaria à Presidência da República. Mas isso concede a ele o direito de interferir e dar a palavra final na escolha dos ministros dela? Certamente não. Dos escolhidos até agora ela só conseguiu emplacar Fernando Pimentel (ainda a ser confirmado) e rejeitar Henrique Meirelles no comando do Banco Central. O resto teve o dedo de Lula.
A partir de 1.º de janeiro sucessos e fracassos, erros e acertos, corrupção ou o contrário serão de responsabilidade da presidente e de seus ministros, não mais de Lula. Os dois precisam acertar já a linha divisória marcando o fim do governo dele e o início do dela. É de Dilma que a população cobrará responsabilidade pela escolha errada de ministros. E, como ela não tem estilo nem vocação política para sair pelo País proclamando discursos de autoglorificação e sem nenhum compromisso com a verdade, ela corre o risco de ouvir a comparação: "nos tempos de Lula não era assim..."
Na reta final de seus discursos diários, Lula vem dando incontáveis indícios de que a saudade do poder vai empurrá-lo para seguir interferindo em decisões de governo e que não pretende ficar bebendo água de coco em São Bernardo do Campo. Se ele tentar e Dilma ceder, esse duplo comando tem tudo para causar estragos no futuro governo. As consequências são conhecidas: fraqueza política da presidente, funcionários sem rumo e a disputa pelo poder instalada encontra campo fértil num governo minado de grupos petistas rivais e de dez partidos aliados defendendo seus próprios interesses (raramente coincidentes com os da população).
A falta de comando da presidente dirigida a uma linha única de governo já começa a fazer estragos antes mesmo da posse. No discurso da vitória, ao reconhecer que a carga tributária inibe novos investimentos, Dilma defendeu e prometeu reduzir impostos. Na semana seguinte ela já falava em recriar a CPMF. Afinal, o que vai valer em seu governo: reduzir ou elevar impostos? É o que perguntam, tontos, aqueles que precisam de definições claras para tomar decisões de investimentos.
O futuro da economia não será fácil para Dilma. Ela assume com a inflação em alta (estimativa de 6% para uma meta de 4,5% em 2011), a inadimplência em ascensão, a dívida pública bruta crescendo e em 60% do PIB, expectativa de agravamento de um déficit externo de US$ 60 bilhões em 2011, exportações prejudicadas pela crise nos países ricos, contas públicas abaladas pelo exagero de gastos do antecessor, investimento público atrofiado pela falta de dinheiro, taxa de investimento privado baixa e agravada por um emaranhado de regras burocráticas que inibem investidores a apostar no Brasil. Reverter tudo isso exige tenacidade, firmeza e segurança da presidente no comando do País, um programa de governo único e bem definido, percebido como competente, transparente e estável, com rumos e metas, que desenhe caminhos para superar dificuldades e atrair novos investimentos e crescimento econômico. Coisas impossíveis de conseguir quando a gestão pública reflete situações de insegurança de duplo comando no poder.