quarta-feira, fevereiro 10, 2010

ELIANE CANTANHÊDE

General ataca comissão para apurar crimes na ditadura

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/02/10


Plano cria "comissão da calúnia", diz general


Militar da ativa afirma que comissão da verdade, criada pelo governo para investigar crimes na ditadura, seria formada por "fanáticos"

Comando do Exército diz que declarações, que circulam na internet, estão em "carta pessoal a um amigo" e não refletem a posição da Força


O general da ativa Maynard Marques de Santa Rosa, chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Exército, diz em nota que a comissão da verdade, criada pelo governo para investigar crimes contra os direitos humanos durante a ditadura militar (1964-1985), seria formada por "fanáticos" e viraria uma "comissão da calúnia".
Segundo ele, que é general de quatro estrelas (maior patente militar) e parte do Alto Comando do Exército, os integrantes da comissão seriam os "mesmos fanáticos que, no passado recente, adotaram o terrorismo, o sequestro de inocentes e o assalto a bancos como meio de combate ao regime, para alcançar o poder".
Na nota que circula na internet, Santa Rosa diz: "Confiar a fanáticos a busca da verdade é o mesmo que entregar o galinheiro aos cuidados da raposa. A história da inquisição espanhola espelha o perigo do poder concedido a fanáticos. Quando os sicários de Tomás de Torquemada [1420-1498] viram-se livres para investigar a vida alheia, a sanha persecutória conseguiu flagelar 30 mil vítimas por ano."
Consultado pela Folha, o Comando do Exército disse que o texto do general é uma "carta pessoal a um amigo" e não traduz a posição da Força, pois quem fala pelo Exército é o comandante, general Enzo Martins Peri". A "carta ao amigo", porém, é tão formal que contém a patente, o nome completo e o cargo de Santa Rosa.
Considerado um dos remanescentes e o atual "porta-voz" da "linha dura" da ativa, o general Santa Rosa já se envolveu em pelo menos dois outros conflitos com autoridades civis no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ele deve ir para a reserva, por tempo, neste ano.
Um dos conflitos foi em 2007, quando discordou das negociações para a reserva indígena Raposa/Serra do Sol e foi afastado pelo ministro Nelson Jobim da Secretaria de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais da Defesa e devolvido ao Exército.
O outro foi em 2009, quando assinou nota com dois outros generais, então da ativa, criticando a Estratégia Nacional de Defesa e o novo organograma das Forças Armadas, por afastarem ainda mais os militares do poder.

"Hierarquia e disciplina"
Falando em tese, já que disse desconhecer o teor da nota, o ministro Carlos Alberto Soares, do STM (Superior Tribunal Militar), disse à Folha que esse tipo de manifestação "não é normal de militar da ativa e que, ao circular pela internet, deve obedecer todos os princípios de hierarquia e disciplina".
O "Regulamento Disciplinar do Exército" relaciona pelo menos duas transgressões que se encaixam no caso de Santa Rosa: "Manifestar-se, publicamente, sem que seja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária"; e "censurar ato de superior hierárquico ou procurar desconsiderá-lo, seja entre militares, seja entre civis".
A nota do general que circula na internet não tem data. Os seis integrantes da comissão foram designados pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), no dia 6 de janeiro. São ligados aos direitos humanos e às famílias dos mortos e desaparecidos políticos na ditadura.
Entre eles, está o secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, principal responsável pelo decreto presidencial que mandou criar a comissão e que atraiu críticas da área militar, da Igreja Católica, do setor ruralista e acabou sofrendo alterações semânticas justamente na parte que previa a investigação de tortura e mortes na ditadura.

NAS ENTRELINHAS

Demonização em excesso

Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 10/02/2010

O político pode dar-se ao luxo inclusive de arrepender-se. Desde, é claro, que o arrependimento não implique abrir mão do que conquistou com os meios dos quais agora se arrepende


Um lance arriscado na política é pintar o adversário como algo mais defeituoso do que é. Não há artilharia de marketing que dispense, alguma hora, o uso da infantaria da informação, dos argumentos. Por isso, a longa e maciça campanha do PT para carimbar o governo Fernando Henrique Cardoso como um desastre deverá em certo momento voltar-se contra o criador.

FHC fez um governo com erros e acertos. Talvez mais acertos do que erros. Luiz Inácio Lula da Silva faz um governo melhor que o do antecessor, mas as comparações objetivas não são assim tão contrastantes, tão revolucionárias. O tucano fez privatizações bem criticáveis, como a da Vale, mas o PT no poder não reestatizou a empresa. Nem a candidata do PT diz que vai fazer isso.

A verdade é que o Brasil vem progredindo por etapas, mais rápido ou mais devagar, em especial desde a Revolução de 1930. A obra de cada presidente ergue-se sobre a herança dos anteriores. Depois de Getúlio Vargas é complicado dizer que algum tenha promovido rupturas. Talvez esse gradualismo tenha a ver com o desejo de não terem o destino do gaúcho.

Um americano, Seth Godin, relançou ano passado seu livro All the Marketers are Liars para reafirmar que, na opinião dele, todos os marqueteiros são mentirosos. E que o melhor marketing é a autenticidade. O exemplo recente seria Barack Obama (isso digo eu). É o político mais autêntico e transparente disponível, entre os planetariamente conhecidos.

Deu certo na campanha presidencial nos Estados Unidos, mas ainda está por dar certo no governo. A oposição republicana parece discordar radicalmente de Godin. Não propriamente no título do livro, mas na conclusão.

O PT também foi a seu tempo vítima do catastrofismo e da deturpação. Hoje recolhe os frutos de terem falhado os profetas do apocalipse. Diziam tantas barbaridades do que seria um eventual governo federal do PT que quando ele chegou ao poder a surpresa acabou sendo positiva. Aconteceu em 2003, mas teria acontecido antes, caso Lula tivesse subido antes a rampa do Planalto. A regra nos governos locais do PT pré-2002 sempre foi responsabilidade fiscal, gestão equilibrada da máquina pública e foco em benefícios estatais para os pobres. Como é agora em Brasília.

Em São Paulo, aliás, a administração Luiza Erundina (1989-92) acabou sendo tão austera que ela nunca mais conseguiu se eleger para um cargo executivo. Não foi só isso, mas teve a ver.

Prestar atenção excessiva ao que os políticos dizem em público uns dos outros é desperdício de tempo e energia. Nesse campo eles dão razão a Godin, pois mentem de modo compulsivo. O cálculo é simples: quanto mais o sujeito puder atrasar a consciência sobre a realidade dos fatos, melhor.

Se tiver sorte, na hora em que a ficha coletiva cair ele já estará sentado na ambicionada cadeira, e daí passará a administrar em posição de força o fato de ter mistificado no passado. Em geral não é tão difícil assim, pois o público quase tudo perdoa, se as coisas estiverem dando certo.

O político poderá dar-se ao luxo inclusive de arrepender-se . Desde, é claro, que o arrependimento não implique abrir mão do que conquistou com os meios dos quais agora se arrepende.

Por que FHC decidiu escrever o artigo do fim de semana em que se diz disponível para comparações entre o governo dele e o de Lula? Só ele poderá esclarecer. De qualquer modo, por mais desvantagem que o tucano leve, os números serão incapazes de chancelar a demonização promovida pelo PT e pelo governo ao longo destes sete anos. Assim, quando alguma racionalidade acabar introduzida no debate, é possível que FHC e o PSDB colham dividendos político-eleitorais.

A tática do PT é cartesiana. Como os números de Lula são melhores que os de FHC, não vale a pena promover uma volta ao passado. Simples de comunicar, mas não impossível de desconstruir. José Serra não é um fantoche de FHC, assim como Dilma está a anos-luz de ser um marionete de Lula.

ARI CUNHA

Chuvas no país


Correio Braziliense - 10/02/2010

Caem chuvas em todo o país. Estamos pagando o erro dos nossos antepassados. Em São Paulo, a terra ficou limpa. Foram plantados milhões de mudas de gramínea para produzir açúcar. Destruíram a terra, praticaram o mal. No Paraná, os pinheirais foram destruídos a golpe de motosserra. Santa Catarina cavou o chão para colher o carvão. O Rio Grande do Sul destruiu a terra alargando os campos, colhendo água dos rios para regar plantações. Em todos os estados, a natureza foi atacada. Todos sabemos que ela não suporta desaforo de ninguém. Tudo o que foi feito está sendo cobrado. O que está acontecendo leva a mão destruidora do homem. Todos pagamos por isso.


A frase que não foi pronunciada

“Eleitores que não são perfeitos são acomodados.”
» Candidato ficha suja pensando no próximo passo.


Novidade

»
Gado brasileiro já pode ser monitorado por chip. A necessidade é tão premente que o Brasil acaba de ganhar a primeira fábrica de semicondutores da América Latina. Tanto no pasto quanto no sinal de TV de alta definição, os semicondutores são uma revolução no acompanhamento de produção e qualidade.

Infraestrutura

»
Toda construção em encostas precisará passar por estudos geológicos, geotécnicos e topográficos. Depois das tragédias acontecidas em tempos de chuva, a ideia do senador Romeu Tuma é criar uma lei sobre o assunto. O projeto também obriga ao monitoramento do poder público. Dados da Defesa Civil mostram que a situação de emergência ou estado de calamidade chegou a mais de 300 municípios só no mês de janeiro.

Registro

»
Lançado pelo Ipea o Boletim de economia e política internacional com a cordenação de André Viana. A publicação trimestral promete ser um documento importante com ideias de autoridades do Brasil sobre economia e política nacional e internacional.

Saúde

»
Campanha do Ministério da Saúde vai ser estendida para a vacinação de 6 milhões de crianças com menos de dois anos de idade na rede pública. Dessa vez contra pneumonia, meningite, sinusite e otite.

Trabalha, nego

»
Quem ganha mais de 30 salários mínimos tem a carga tributária de 29%. Ademais, tem 106 dias de trabalho. Até 16 de julho o cidadão pobre trabalha para pagar impostos. Quem ganha é o governo. A partir daí passa a ganhar o dinheiro depois de tanto suor.

São Paulo

»
O estado está debaixo d´água. Caem barreiras. O governo constata. Não tornou conhecida do público qualquer medida que venha salvar o estado. Higienópolis é o bairro mais antigo. E seu nome indica que foi o primeiro lugar a receber obras de saneamento.

Novidade

»
Jogadoras de vôlei brasileiras são as melhores em sua categoria. A novidade não fica nisso. Como os tênis derrapam na marca que a bola deixa no chão, encontraram solução. É um pano de chão embebido em Coca-Cola. Dá liga de segurança ao tênis para não escorregar como às vezes acontecia. A Coca-Cola tem mais uma
utilidade encontrada pelas campeãs.

O mesmo

»
Ministro Tasso Genro deixa o Ministério da Justiça para se candidatar a governador do Rio Grande. Disse com clareza que nada será alterado nos secretários gerais que assumem o posto do chefe. Desqualifica a competência dos que ocuparão o cargo. Estão tapando buraco e atendendo às ordens de sempre.

História de Brasília

A conservação das superquadras, exceção feita ao IAPB, está lastimável. As lâmpadas dos corredores, queimadas; as lâmpadas dos pilotis, queimadas; as lixeiras, infestadas de ratos; as entradas de serviço, sujas, malcheirosas e repugnantes. As empresas possuidoras de contratos de conservação estão fazendo o pior trabalho que se poderia desejar. (Publicado em 24/2/1961)

FÁBIO TOFIC SIMANTOB

Estatísticas do crime e discurso do medo


O Estado de S. Paulo - 10/02/2010

Não existe sociedade livre de crimes. O crime sempre existiu e sempre vai existir. A questão é como mantê-lo em níveis aceitáveis de convivência social. A prática de crimes está atrelada aos mais variados fatores desencadeantes, alguns de índole socioeconômica, outros, não. Alguns podem ser evitados com políticas públicas (como o homicídio, o roubo...), outros são mais difíceis de prevenir (como o estupro, os pequenos furtos...).

Um crime é um drama privado; mil crimes são uma estatística. É preciso separar o joio do trigo para entender o que de fato é um problema de segurança pública e o que é apenas o somatório de casos isolados sem relação de interesse científico.

Sob essa perspectiva, é difícil encontrar um único denominador comum para o aumento dos roubos e dos homicídios registrado no Estado de São Paulo no último ano. O homicídio, por exemplo, crime cuja prática aumentou em 2009, segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública, pode ser desencadeado pelos mais variados fatores: um homicídio pode ser motivado tanto por fatores psíquicos (a paixão, o ciúme, o medo, a ira, o dever), como também por motivos relacionados com a prática de outros crimes (acerto de contas do tráfico, vingança, queima de arquivo, disputa pelo poder paralelo na periferia), sem falar nos homicídios cometidos para se defender de agressão injusta. É impossível catalogar todos os fatores desencadeantes de um crime violento.

É certo, porém, que o problema financeiro não está na base comum dos motivos determinantes do crime de homicídio, pelo menos não como reflexo direto e imediato, a ponto de permitir relacionar a crise financeira internacional do ano passado com os índices de violência no período correspondente. Se há um denominador - quase - comum para esse tipo de crime, este denominador, na esmagadora maioria das vezes, é o recorrente uso de arma de fogo.

Quando se consegue identificar um denominador comum na prática de determinado crime, é quase certo o sucesso da política pública de prevenção. Foi o que aconteceu em 2003 com o Estatuto do Desarmamento. Na época, 10% das mortes violentas no País eram cometidas pela polícia, apenas 5% por ladrões (latrocínios) e 85% eram cometidas por cidadãos ditos de bem em situações normais do cotidiano (brigas de bar, violência doméstica, brigas de trânsito, desentendimentos profissionais...). Bastou uma campanha nacional de entrega de armas à Polícia Federal para se reduzirem significativamente os índices de homicídio em São Paulo no período subsequente. Esta talvez seja uma relação quase exata: quanto menos armas em circulação, menor é o número de mortes violentas. Outra combinação explosiva, presente num grande número de casos de homicídio, é o uso recreativo do álcool ou outras drogas por alguém que porta arma de fogo. Daí o razoável sucesso obtido em algumas regiões com o fechamento obrigatório de bares a partir das 23 horas.

Já os crimes de roubo e latrocínio - roubo seguido de morte - podem, por sua vez, ter aumentado por causa da crise. Quando se fala em crime de natureza patrimonial, a relação de causa e efeito com a crise financeira acaba sendo, no mínimo, intuitiva.

Basta uma sacudida na economia para que o último degrau da escada social despenque no abismo de miséria de onde saiu, tornando inevitavelmente maior a sua propensão ao crime (pesquisa recente do Centro de Pesquisa Social da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que São Paulo é a região do País onde mais se produziu miséria - 5,9% - no ano da crise financeira).

Seja como for, tão ou mais preocupante do que o aumento da criminalidade é a forma como esses dados atraem os oportunistas de plantão, sempre sedentos por qualquer coisa que possa justificar seus discursos demagógicos de aumento da repressão penal e supressão de direitos e garantias individuais.

Já há quem queria atribuir a alta dos índices de criminalidade ao aumento dos benefícios dados na Vara das Execuções Criminais, como liberdade condicional e progressão para regimes mais brandos de cumprimento de pena (aberto e semiaberto). O argumento é tão perverso quanto falacioso. Se fosse assim, os índices de violência deveriam ter despencado na década de 1990, quando vigorava a proibição de progressão de regime para os crimes hediondos (declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal somente 15 anos depois). Mas, como se sabe, isso não aconteceu, ao contrário, os anos 90 testemunharam uma forte escalada da violência.

Não há milagre: tratando o delinquente como inimigo, teremos sempre um inimigo; tratando-o como cidadão, teremos, no máximo, um inimigo, mas quiçá um cidadão. Essa é, portanto, a única alternativa a seguir. Não adianta prolongar a vida no cárcere se as perspectivas de retorno ao convívio social continuam sombrias. Por mais que se aumentem as penas, é certo que um dia o preso volta (nossa Constituição proíbe pena de morte e prisão perpétua), e a experiência mostra que, quanto mais tempo fica, pior ele volta. Muito melhor do que aumento de penas são iniciativas como a lançada no ano passado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), buscando fomentar, por meio de incentivos fiscais, a contratação de egressos do sistema penitenciário. Aliada a essa, outras iniciativas devem ser tentadas, como a adoção de políticas penitenciárias que aproveitem a prisão como meio de intervenção estatal positiva na vida do cidadão, dando estudo e a possibilidade de adquirir um ofício, coisas que não se pode obrigar ninguém a fazer quando está no gozo pleno de sua liberdade. Nosso maior desafio, enquanto isso, é nos prevenirmos contra o discurso do medo, sempre tão disposto a enveredar pelo caminho do aplauso fácil e que aos poucos vai minando o sólido sistema de direitos e garantias individuais consagrado em 1988.

Fábio Tofic Simantob, advogado criminalista, é diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

A caminho do precipício


O Estado de S. Paulo - 10/02/2010

O caminho que o presidente Lula escolheu, de afronta ostensiva ao Tribunal de Contas da União, determinando o prosseguimento de obras suspeitas de superfaturamento, é, sem dúvida, o mais perigoso de todos. Se fosse possível sinalizar graficamente esse caminho, sem nenhuma dúvida a seta indicaria com clareza: precipício.

O presidente Lula, juridicamente, é um agente político com plena independência para o exercício de assuntos de sua competência, mas sujeito, inexoravelmente, aos limites da Constituição da República e da lei.

Dada a natureza do cargo, ele fica a salvo de responsabilização civil por eventuais erros de atuação, a não ser que, por culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder, configure violação ostensiva à lei.

No caso, ao passar por cima da Constituição federal e da legislação específica, que exigem a contratação e realização de obras pública pelos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, sempre pelo menor preço, a conduta faz lembrar velhas figuras típicas, previstas no Código Penal, uma das quais consiste em deixar o agente público de praticar ato de ofício contra disposição expressa de lei.

O que sugere a configuração de crimes contra a administração pública nessa conduta é a pretensão de satisfazer interesse ou sentimento pessoal, circunstância que se mostra clara na disposição do presidente Lula de garantir verba para obras que estão sob suspeição perante o Tribunal de Contas da União.

A referida Corte está instituída constitucionalmente como órgão auxiliar do Poder Legislativo e tem o dever de realizar, por iniciativa própria ou do Senado e da Câmara dos Deputados, a fiscalização "de contas das empresas supranacionais de cujo capital a União participe, de forma direta ou indireta", caso da Petrobrás.

Na hipótese, a julgar pelas notícias mais recentes, a decisão do presidente Lula resulta em retirar quatro caríssimas obras da Petrobrás da lista de projetos impedidos de receber recursos orçamentários por indícios de irregularidades. As mencionadas obras envolvem enormes interesses de empresas milionárias e isso faz com que o assunto se mostre realmente muito malcheiroso.

O chefe da Nação, a exemplo daquele trator dos sem-terra que massacrou os laranjais numa fazenda em São Paulo, parece ter feito a opção desastrada de passar por cima de tudo, Constituição, leis federais, princípios de direito e da administração pública. E corre o risco, como se disse acima, de violar até mesmo o Código Penal.

Essa afronta é insuportável não apenas para os integrantes do Tribunal de Contas da União: antes de tudo, representa um desaforo dos mais graves aos brasileiros, que ficam impedidos de ver a atividade de fiscalização daquela Corte "abrir a barriga" da Petrobrás nesses contratos, permitindo ver o que há lá dentro.

A estatal petrolífera, uma das mais poderosas do planeta, faz-nos o desfavor de enfiar goela abaixo de cada um de nós a gasolina mais cara da América do Sul. Nos tempos em que foi ministro da Fazenda, Delfim Netto sempre repetia que a Petrobrás é mais forte que o próprio Brasil e, por isso mesmo, em face desse enorme poder, sempre ficou à margem de maior fiscalização. Neste momento, em que a fiscalização ocorre, percebe-se que chega a incomodar a também poderosa candidata à Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores.

O mais incrível é que o presidente da República resolva ignorar as mais comezinhas regras de licitação e de moralidade pública, para determinar que tudo se faça a despeito das objeções essencialmente técnicas e jurídicas do Tribunal de Contas.

Não há a menor evidência de que os ministros e auditores do Tribunal de Contas estejam propositadamente agindo para contrariar o presidente Lula ou a sua preferida, enfim, que pretendam desestabilizar o polêmico e também malcheiroso PAC. O trabalho que realizam é de rotina e não pode deixar de ser efetivado, sob pena de eles próprios se desviarem da conduta deles exigida pela lei, ou seja, impedir negócios escusos e sobrepreço nas contratações das obras públicas. Caso se mostrassem omissos nessa tarefa, estariam sujeitos às regras do Código Penal, na parte de crimes contra a administração pública.

O mais desanimador está em verificar que a atitude do chefe da Nação, passando com seu trator por cima das leis federais e da Constituição, resulta claramente de interesses políticos e eleitorais, ou seja, pretende que as obras, ainda que sob suspeita de superfaturamento, sejam retomadas e concluídas a tempo de influir no resultado das eleições.

O interesse que deve prevalecer no caso não é o dele nem de seus opositores, mas da Nação, que já não suporta ficar prisioneira de escândalos sucessivos na área pública, levando a população a descrer da Justiça e aceitar a ideia aparentemente verdadeira de impunidade.

Lembra-se, finalmente, que a lei orçamentária, nesse episódio, parece estar sofrendo violação expressa, circunstância que remete mais uma vez ao Código Penal, que em seu artigo 315 dispõe: "Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei." No caso, a lei em questão é a orçamentária, da qual, se ocorrer o desvio, emerge o elemento subjetivo do crime, que é o dolo.

É possível que a enorme aprovação pessoal que encontra acima do Trópico de Capricórnio esteja levando o presidente Lula a imaginar que tudo pode. Não é bem assim. Por coisas muitos menos graves, os promotores de Justiça do Estado de São Paulo estão investindo juridicamente contra prefeitos e presidentes de Câmaras Municipais, agentes políticos, como o presidente Lula, e obtendo a condenação de muitos deles.

RUY CASTRO

Fim da mistura fina


FOLHA DE SÃO PAULO - 10/02/2010


RIO DE JANEIRO - A exemplo do presidente Lula, ainda não li o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), lançado pelo próprio presidente. Antes disso, preciso terminar minhas coleções de Balzac e Dickens, obras que, em volume e magnitude, competem com o dito programa e exigem uma vida para ser apreciadas.
Mas amigos me alertam para um item do PNDH-3 de interesse para nós, fãs do clássico musical da Broadway "Show Boat", de 1927. Nele, uma mulher ostensivamente clara, Julie LaVerne, é punida por ter "sangue negro" e ser casada com um branco. O que é crime no Mississipi na época em que se passa a história, fins do século 19.
Numa passagem emocionante, o marido de Julie, ator como ela, ao saber que o xerife está a caminho do "barco das ilusões" para prendê-los, dá um talho com canivete no dedo da mulher e chupa-lhe o sangue na frente da trupe, para mostrar que agora também tem "sangue negro" no corpo. Mas não adianta. Os americanos queriam brancos puros, negros puros, e cada qual em seu galho, sem bagunça.
Essa monstruosidade era fruto da chamada "one-drop rule", a "regra da gota única", que classificava como negros os mestiços afro-americanos de modo geral -não importava o tom da pele, clara ou escura- e os sujeitavam por igual à discriminação. Os pais dessa lei eram os racistas mais hidrófobos dos EUA, a Ku-Klux-Klan e as Filhas da Revolução Americana.
Pois parece que o PNDH-3 também pretende resumir a nossa mestiçagem, feita de mulatos, caboclos, cafuzos e outras misturas finas, a uma só categoria: negros. O pretexto é o de "ampliar os benefícios" estendidos a estes. Oba! Branco de araque, como todo brasileiro, devo ter litros de sangue negro nas veias. Donde, se essa medida pega, vou correndo alterar meus documentos e me candidatar aos benefícios.

JANIO DE FREITAS

A aliança


FOLHA DE SÃO PAULO - 10/02/2010



Já no primeiro teste a "aliança estratégica" Brasil-França, ou Lula-Sarkozy, exibe sua ficção, e as duas partes tomam posições, mais do que diferentes, contraditórias.
Ao aviso do Irã, no final da semana passada, de que pretendia começar o enriquecimento de urânio a 20%, o governo Obama despachou de imediato o seu secretário de Defesa, Robert Gates, ao encontro do presidente francês. Depois, discrição de ambas as partes sobre a conversa. Ou seja, nenhum sinal de que Sarkozy pudesse anunciar uma posição da França ao menos compreensiva com a decisão iraniana.
O enriquecimento de urânio a 20% começou ontem, tal como comunicara o governo de Ahmadinejad. Em represália, Estados Unidos e União Europeia deliberam sobre aumento das restrições e bloqueio ao Irã. Sarkozy não contradisse a integração francesa à política externa comum da UE, nem a ação dos Estados Unidos na ONU e fora dela pelas reações ao Irã.
O Brasil do governo Lula, contrariamente, por intermédio do ministro Celso Amorim manteve, apesar da nova decisão iraniana e de sua confrontação com o decidido pela ONU, a tese de que as portas não estão fechadas para negociações entre o Irã e os temerosos de seu desenvolvimento nuclear. Nem o Brasil se põe à margem das imaginadas negociações. O Brasil tem, portanto, a posição mais avançada a que pode chegar agora em favor do Irã, sem confronto direto com deliberações da ONU e com as posições de Estados Unidos e União Europeia.
Aliança estratégica pressupõe, antes de tudo, concepções muito assemelhadas dos problemas mais importantes, e o da utilização pacífica ou militar da energia nuclear é um dos mais relevantes. Daí, pressupõe atitudes de sentido também assemelhado naquelas questões. Sarkozy ficou onde sempre esteve e com quem sempre esteve. Seu pretenso aliado estratégico vai, porém, por outro caminho. Em cujo roteiro figura, logo à frente, uma etapa agora ainda mais complicada: a prevista visita de Lula ao Irã, como acertou com Ahmadinejad, em sua ida ao Oriente Médio no próximo mês.
Apesar das represálias e ameaças feitas ao Irã desde iniciado o seu projeto de energia nuclear, que repete ser para fins apenas pacíficos e sobretudo de medicina, o enriquecimento de urânio a 20% está muito distante do percentual necessário para ogivas nucleares, que americanos e europeus dizem ser o objetivo iraniano. O Brasil mesmo, por ora só autorizado a enriquecimentos nas faixas mínimas, pretende autorizações mais elevadas da ONU, inclusive pela necessidade, mais adiante, dos mesmos 20% ou mais. E não seria só para fins pacíficos, estando já em perspectiva o submarino nuclear.
Além do mais, o Irã é como o recheio de um hambúrguer americano. Toda a sua imensa fronteira leste tem a vizinhança de territórios com tropas dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). E a fronteira leste é com o Iraque, hoje território muito mais americano, nos sentidos militar e de atividade econômica, do que iraquiano. Desde que o levante do aiatolá Khomeini derrubou a longa e feroz ditadura do xá Reza Pahlevi, mantida e militarizada pelos americanos, Irã e Estados Unidos são adversários. Qualquer país, no sanduíche e nas circunstâncias do Irã, procuraria os meios de defender-se, mesmo os mais deploráveis.
É o que o Brasil balbucia, sejam quais forem os seus propósitos inexplícitos. E seu "aliado estratégico" repele. O que sugere termo mais condizente com os fatos de parte a parte: é estratégia em aliança de negócios.

NELSON DE SÁ - TODA MÍDIA

Dilma ou Lula

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/02/10


A exemplo de FHC no dia anterior, "Dilma desafia oposição a comparar obra por obra" foi a manchete do UOL ao longo de tarde e início da noite. Da mesma maneira, no portal G1, da Globo, "Se quiserem, vamos comparar casa por casa, afirma Dilma".
Lula também falou, mas, na maior parte do tempo, não foi além do segundo destaque na cobertura. O G1 acabou levando à manchete, "Oposição quer parar o jogo no tranco, fazendo falta, diz Lula". O presidente declarou, sobre críticas à sua agenda eleitoral, que "até 31 de dezembro a festa é minha".

Na capa do "Valor", por outro lado, "Dilma apoiará empresa nacional". Foi a promessa do presidente do PT, José Eduardo Dutra. "Só pretendemos fortalecer os instrumentos estatais que já existem." A entrevista ecoou no exterior, via Bloomberg.

TRANSFERÊNCIA
A publicação "Latin America Advisor", do Inter-American Dialogue, saiu com a manchete "A popularidade de Lula está passando para sua sucessora?". O sociólogo Bolíviar Lamounier, da Augurium Consultores, diz que já esperava. David Fleischer, da UnB, arrisca empate em abril

ELEIÇÃO? QUE ELEIÇÃO?
No fim da tarde, José Serra surgiu nos portais, anunciando reajuste do piso regional, "maior que salário mínimo", no enunciado do G1. No UOL, ele "nega que proposta seja eleitoreira". Na Reuters Brasil, "nega que vise eleição". O G1 também destacou que ele se disse "curioso" para um encontro com a cantora Madonna.
Ao fundo, no Valor Online, "Serra se irrita e acusa TV Brasil de parcialidade". A estatal federal perguntou sobre o rompimento de uma adutora da Sabesp.

CHINA & BRASIL
No estatal "China Daily", ontem, "China pede por mais diplomacia na questão nuclear iraniana". A chancelaria declarou esperar que "todos os lados" se esforcem para "alcançar progressos no diálogo".
Na manchete da Reuters Brasil, na mesma linha, "Celso Amorim critica pressão por sanções, defende diálogo". O chanceler declarou que "ainda há possibilidade" de evitar um Irã nuclear "por meios pacíficos e de diálogo".

REPRESÁLIA
A revista semanal da agência Xinhua ouviu, de generais chineses, a proposta de elevar os gastos militares do país e "possivelmente" vender títulos do Tesouro dos EUA, para "punir" a venda de armas para Taiwan

RECORDE ARMADO
"Les Echos", com o quadro acima, "Le Monde" e outras publicações francesas noticiaram ontem que a venda de armas pelo país saltou 21% no ano passado, "graças principalmente ao contrato de submarinos de ataque Scorpène e de helicópteros com o Brasil".
Os enunciados destacam a previsão de recorde em 2010, com as perspectivas da "negociação para a venda do Rafale aos Emirados Árabes Unidos e ao Brasil".

OS VAQUEIROS
A revista "The Atlantic" de março fala do início da temporada de rodeios nos EUA, sob o título "The Boys from Brazil". Abrindo o evento, um coronel tomou juramento de 23 novos soldados e fogos escreveram no céu as letras USA. E então entrou na arena "o atual... campeão... mundial!", na saudação do locutor. E a reportagem se pergunta, então: "Guilherme Marchi? De Leme, São Paulo, Brasil? Bem, sim".
E não está sozinho. A revista relaciona Renato Nunes, Paulo Crimber e outros -e justifica dizendo que o Brasil tem "o maior rebanho comercial do mundo".

EDITORIAL - O GLOBO

O risco Irã


O Globo - 10/02/2010

O Irã recorreu a seu script preferido em se tratando do programa nuclear: num dia se mostrou disposto a enviar urânio para ser enriquecido no exterior — forma imaginada pelo Ocidente para controlar a produção; no outro, anunciou que começaria o enriquecimento, não mais a 3,5%, mas a 20%. Para fazer a bomba atômica é preciso urânio enriquecido a 90%. Mas, dizem os especialistas, é preciso muito menos tempo para ir de 20% a 90% que de 3,5% a 20%.

Portanto, mais uma vez o país pôs a comunidade internacional em estado de tensão e de confusão.

Teerã afirma que o programa nuclear é para fins pacíficos, e de fato o país precisa gerar mais energia elétrica. Sobre o enriquecimento a 20%, afirma que é necessário para aplicações “médicas”.

O problema é que não tem credibilidade um governo que, em primeiro lugar, descumpre todas as exigências da Agência Internacional de Energia Atômica; em segundo, esconde instalações nucleares, como uma jogada de xadrez; em terceiro, é uma ditadura teocrática nas mãos de uma ala radical do Islã xiita que apoia grupos terroristas como o Hezbollah e o Hamas; e que fraudou a reeleição de seu ponta-de-lança — o presidente Mahmoud Ahmadinejad —, recorrendo a uma repressão brutal à oposição, com prisões e mortes em profusão.

Não resta ao Ocidente outro recurso senão a cartada diplomática, aplicando sanções mais duras do que as já em vigor contra a república islâmica. A ideia é tornar impossível a compra no exterior de componentes para o prosseguimento do programa nuclear iraniano. Os Estados Unidos, a França e a Rússia estão dispostos a tanto. A dificuldade continua sendo a China, contrária às novas sanções, provavelmente por conta de seus contratos de aquisição de petróleo iraniano.

E agora, ao que parece, também o Brasil, que ultimamente assumiu o papel de interlocutor do regime dos aiatolás extremistas.

O presidente Lula já teve dois encontros com Ahmadinejad e visitará o Irã em maio. Ontem, o chanceler Celso Amorim fez eco à China, criticando a ideia de novas sanções. Manter canais diplomáticos abertos é positivo, mas devese ter sintonia fina para saber a hora em que o interlocutor passa dos limites e deixa de ser digno de confiança. Pois a busca pelo Brasil de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU não pode justificar o acobertamento de um regime para o qual os fins justificam todos os meios, como o do Irã.

ROBERTO DaMATTA

O sempre desequilibrado humano


O Globo - 10/02/2010

Tudo o que é humano é complicado; ou melhor: não pode ser simples senão não é humano. O humano é impreciso, enigmático, ambíguo, pérfido, e acima de tudo, espesso como os nevoeiros e as peças de Shakespeare. É, como as máscaras de carnaval e as cebolas: múltiplo; e tem muitas caras, varandas, porões e infindáveis corredores. Tem também o abraço solar, a mão aberta e calorosa, o sorriso que cativa e o beijo apaixonado que promove a vida. Tudo nasce de uma mesma fonte da qual jorram igualmente ódio, inveja, coragem e ressentimento.

O transitório que, para Freud e Thomas Mann é tudo, promove a busca de consistência e do eterno. A saudade articula o instantâneo que é vida e a eternidade feita do nada. Os deuses nos invejam não só porque não existiriam sem nossas preces e oferendas, pois eles precisam de nós tanto quanto nós necessitamos deles, mas porque vivemos na transitoriedade e na dúvida do aqui agora, do ser ou não ser e do você e eu que engendram tenacidade, desejo, amor, lealdade e honra. Aquele “fazer ou morrer” da canção “As time goes by”. Não estamos aqui para brincadeiras e, diferentemente dos deuses, não temos tempo a perder. Exceto no carnaval...

No labirinto da vida, como na velha Creta de Teseu, ou se encontra uma saída ou se dá de cara com o Minotauro.

O caso Lula é exemplar. Ele tem mais popularidade do que qualquer outro presidente. Ademais, como Prometeu (sem trocadilho), ele roubou a mais decisiva contribuição à modernidade democrática brasileira — o Plano Real. Virou pai da revolução realizada pelo satanizado FHC que, como manda o paradoxal esquecimento humano, era estigmatizado pelo PT como “herança maldita”. Hoje, vendo o Lula como cidadão do mundo, fazendo abertamente uma campanha política que os juízes não enxergam, transferindo votos para sua Chefa da Casa Civil e rompendo com o dogma da transferência de votos que os marqueteiros — esses derradeiros matemáticos do humano — diziam ser impossível, julguei que o “cara” estava num mar de rosas. Mas eis que ele sofre um piripaque. Eu medito: só os seres humanos sofrem tais reviravoltas. Só eles podem ficar mal quando tudo aparentemente vai bem. Seria uma premonição, porque quem tudo promete não consegue decidir? Ou seria algo sem importância? Mas há mesmo algo sem importância quando se trata do humano? Os tigres de dentes de sabre, quanto mais matavam, mais lhes cresciam e afiavam os dentes. Entre nós, porém, quanto mais sucesso, mais o fracasso ronda nossa casa; quanto mais subimos, mas depressa descemos; quanto mais gozo, mais angústia e sofrimento. O amor faz sangrar como os animais sacrificados. E a morte, sendo o nosso destino, só se desliga da vida pela paixão que ilude e vira o mundo pelo avesso.

Foi só a partir da institucionalização do individualismo que começamos a dizer abertamente que “Estamos muito bem, obrigado!” Antigamente, os brasileiros eram proibidos de assumir toda e qualquer felicidade.

Não pegava bem ser feliz num mundo inseguro, desigual e injusto.

Todos iam de mal a pior, como aqueles personagens de Machado de Assis. Aprendi a insistir no “vou indo” e, quando muito, soltar um “mais ou menos” que, nos Estados Unidos, assustava meus amigos crentes no “the sunny side of the street” (no lado ensolarado da rua).

Se, para nós, sofrer é mais ou menos normal, para eles o direito à felicidade é um projeto possível, autoevidente e constitucional. Em minhas preces eu rogo pelo amor e pela felicidade; meus amigos americanos, porém, nascem com a certeza de tudo isso e o céu também.

Vejam vocês: o sujeito se livra de um apuro apenas para descobrir que passou de um problema para outro.

“Controlei finalmente o meu peso — disse-me a ex-gordinha Selma — só que não como mais!” O antropólogo e escritor maranhense, Nunes Pereira, de saudosíssima memória, era meu amigo e me visitava de quando em vez quando eu trabalhava num museu. Fazia minha alegria, porque não é fácil trabalhar no meio de pesquisadores, coleção de ossos, bichos empalhados e múmias.

Um dia, ele me contou o caso de um médico amazonense desgostoso com a depravação reinante na civilização da borracha que fazia de Manaus um centro de esbórnia.

Constatado o hedonismo da capital amazonense resolveu, como um personagem de Joseph Conrad, renunciar à fortuna e aos vícios confortáveis, para viver em simplicidade e pureza. Afastou-se de Manaus até chegar num derradeiro povoado, limite entre o civilizado impuro e o selvagem virginal. Ali, pegou uma canoa e remou em direção a uma casa de palafita situada no mais fundo da mata.

Ao aproximar-se, vislumbrou formas estranhas num barranco. De perto, discerniu enojado: era um caboclo que copulava com um mamífero cetáceo de água doce — uma bota! — no barranco. A bestialidade no meio da selva mais pura, como queriam ele e José de Alencar, era muito mais ofensiva do que as perversidades pagas dos lupanares de Manaus. Depois de tanto fugir, voltara ao ponto de partida. A fabula era sempre arrematada com um sorriso e o seguinte: Ele aprendeu que onde há o humano há o depravado e o perverso. Ou o desvio seria apenas um episódio na vida de um bicho não declinável mas que se pensa como tal?

MÔNICA BERGAMO

Não se vá

Folha de S.Paulo - 10/02/2010


Comemorando 40 anos de carreira, a cantora Célia acaba de gravar com Ney Matogrosso uma versão para "Não Se Vá", sucesso da dupla Jane e Herondy; a música estará no repertório do CD "O Lado Oculto das Canções", que ela lança em maio

Dilmafolia
Além do presidente Lula, a ministra Dilma Rousseff também confirmou presença no camarote da Prefeitura de São Paulo no Carnaval.

MADONNA NO PALÁCIO
No domingo, seguranças da cantora Madonna inspecionaram boa parte do Palácio dos Bandeirantes, inclusive o gabinete do governador José Serra, onde ela estará hoje.

PARIS-PROPAGANDA
A socialite americana Paris Hilton, que chega ao Rio na sexta-feira, não vem contratada pela Nova Schin só para o Carnaval na Sapucaí. Ela é a nova garota-propaganda de um lançamento da marca de bebidas.

As fotos da campanha já foram feitas em Los Angeles.

CONHECE O ZÉ LULA?
A fundação alemã Konrad Adenauer vai promover em Bruxelas um seminário para debater os desafios do Brasil pós-Lula. Na carta de apresentação do evento, chama o presidente brasileiro de "José Ignácio Lula da Silva".

PARA O BREJO 1
Algumas vacas da exposição Cow Parade, que vai até maio em São Paulo, estão sendo retiradas das ruas para reparos. A temporada de chuvas tem castigado as estátuas.

PARA O BREJO 2
Na rua Oscar Freire, uma vaca chegou a ser deslocada pela enchente. Outra, em um posto de gasolina na avenida Sumaré, foi amarrada pelos frentistas para não sair boiando.

PARA O BREJO 3
No Jardim Europa, entre as ruas Peru e Colômbia, a chuva arrasou a cabeleira "black power" da vaca Michael Jackson.

PARA O BREJO 4
E a vaca Cowxinha, na avenida Paulista, sofreu mais: parte das 15 mil caixinhas de chiclete coladas na estátua foram arrancadas por passantes que esperavam encontrar a guloseima lá dentro. O dilúvio estragou as caixinhas que sobraram.

A vaca foi restaurada e levada para o shopping Pátio Paulista.

MOBILIDADE
A top Alessandra Ambrósio vem ao Brasil para pular o Carnaval em Salvador e Florianópolis. A visita a São Paulo ela deixa para o sábado pós-folia, quando fotografa campanha de uma fábrica de móveis.

DJ DE MUSEU
O estilista Alexandre Herchcovitch criará a trilha sonora que embalará exposições e vernissages do MAM-SP dentro da segunda edição do Projeto DJ Residente. No set-list selecionado, estarão Bonnie Tyler, Barry Manilow e um dueto de Diana Ross e Julio Iglesias.

ELENCO
Sandra Corveloni, eleita melhor atriz no Festival de Cannes em 2008, negocia integrar o elenco da versão brasileira da peça "Side Man".

MUSA 1
Chamada de "gorda" por si própria e de "complexada" pelas colegas do "Big Brother", a "intelectual" Elenita tem uma massagem de ego a caminho. A "Playboy" planeja convidá-la para posar nua, assim como provavelmente fará com Fernanda, Anamara, Lia e Cláudia.

MUSA 2
A direção da revista diz que espera fechar "até sexta-feira" contrato para o ensaio de nudez de Tessália, eliminada do "BBB" na semana passada. Se topar, será a capa de março.

GUIDÃO
E a subprefeita Soninha Francine (Lapa), que aparece nua em um calendário de cicloativistas, diz que "nem a pau" repetiria a experiência na "Playboy". "Mas nunca fui convidada. Devem ter me visto de biquíni e viram que precisaria de muito Photoshop. Achei lisonjeiro não terem nem chamado, talvez por causa dos meus peitos caídos", brinca.

CURTO-CIRCUITO
A EXPOSIÇÃO "Reflexões", da artista Mary Carmen Matias, será aberta hoje, às 20h, no clube Athletico Paulistano.
A DUPLA Sweetmad, de Carlo Dall'anese e Fábio Castro, se apresenta hoje, às 21h, no Studio SP. Classificação: 18 anos.
A BOATE Heaven arma festa hoje, às 23h30, com a bateria da escola de samba X-9 Paulistana. Classificação: 18 anos.
O DJ Carlos Almeida é a atração de hoje no Café de la Musique, a partir das 23h. Classificação etária: 18 anos.
A FESTA It's Alive vs Tranquera, com discotecagem do DJ Guab, acontece na sexta, às 23h30, no Vegas. Classificação: 18 anos.
O BLOCO de Carnaval Sapucapeto, da estilista Isabela Capeto e do sambista Leandro Sapucahy, desfila pela rua Dias Ferreira, no Leblon, no Rio, na sexta, a partir das 18h.

CELSO MING

Socorro à vista

O Estado de S.Paulo - 10/02/2010


Os mercados ontem apostaram uma boa porção de suas fichas em que um pacote econômico de resgate da Grécia esteja sendo preparado dentro da União Europeia.

Se o pacote se confirmar, mais do que simplesmente um precedente, isso cria uma regra: em princípio, o socorro também pode ficar disponível para os outros Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha).

As bolsas comemoram moderadamente (veja o Confira), o euro recuperou em parte o respeito que perdera e boa parcela dos capitais mais medrosos voltou para as aplicações de risco.

Nesse final de semana já se podia esperar pela criação de um mecanismo qualquer de recuperação econômica dentro do próprio bloco. No Canadá, onde se reuniram os ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais do grupo dos sete países mais ricos (G-7), o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäeuble, já tinha avisado que uma solução para a Grécia era assunto da União Europeia e não, como algumas autoridades vinham reclamando, do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Apenas para relembrar, os tais Piigs há alguns anos vêm desrespeitando os tratados da União Europeia que proíbem rombos orçamentários superiores a 3% do PIB e dívidas públicas maiores que 30% do PIB.

Essa não é uma exigência dos ortodoxos; é uma precondição técnica para que um grupo de países possa ter uma moeda comum sem que haja união política, ou seja, sem que haja um governo central que determine as políticas a serem adotadas para todos os membros do bloco e unifique a execução dos orçamentos.

Um país-membro de uma união monetária (caso do bloco do euro) não tem como fazer seus ajustes macroeconômicos por meio da desvalorização da própria moeda (para aumentar exportações) e da alta dos juros (para combater a inflação). A moeda é compartilhada e sua administração é feita pelo banco central também compartilhado.

E, uma vez na União Monetária Europeia, o país financeiramente desequilibrado não pode mais pular fora, recriar sua moeda desvalorizada e administrá-la com seu próprio banco central.

E isso acontece por duas razões muito simples. Primeira, com a desvalorização de sua moeda em relação ao euro, a dívida excessiva - que está em euros - ficaria ainda maior e o que já está encrencado mais encrencado ficaria. E, segunda, fora do bloco, o país em crise não poderia contar com eventual ajuda financeira dos demais países sócios.

As disposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) proíbem essa ajuda dentro da área monetária porque ela exigiria fiscalização do orçamento e imporia controles políticos sobre o país contemplado pela ajuda. Essa ajuda teria de vir de verbas públicas e toda verba pública tem de ter monitoramento e exigir contrapartidas, como acontece com os recursos do FMI.

Do ponto de vista macropolítico, o que está em jogo é uma mudança de qualidade nas relações de poder dentro da União Europeia. Ficou claro que uma moeda comum exige certa unidade política prévia ou se encaminha para isso, situação que havia sido reiteradamente recusada até agora.

O jogo de forças parece indicar que a União Europeia se encaminha para alguma forma de governo federativo.

Confira
Recuperação - A principal resposta dos mercados às notícias da elaboração de um pacote salvador para a Grécia foi a alta do euro em relação ao dólar, de 0,7%. Mas a reação das bolsas também foi significativa, embora mais moderada.

REGINA ALVAREZ

Dano irreversível

O Globo - 08/02/2010


O governo esteve empenhado nos últimos dias em mobilizar sua tropa de choque no Congresso para cristalizar decisão do presidente Lula que liberou quatro obras da Petrobras com suspeitas de irregularidades graves, a despeito das recomendações do TCU e da Comissão Mista de Orçamento.

Ontem, o veto presidencial foi colocado em votação à noite e a vitória governista era considerada favas contadas pela própria oposição.

Assim, confirmada essa “vitória” anunciada, as quatro obras com indícios de sobrepreço, pagamentos indevidos a empresas e outras irregularidades graves, seguem recebendo recursos do Orçamento. Para defender o desbloqueio, o governo usou como argumento os prejuízos da paralisação. Falou em perda de 25 mil empregos e estimou o prejuízo em R$ 268 milhões mensais. Levada ao pé da letra, essa alegação impediria a paralisação de qualquer outra obra com indícios de irregularidades, já que a suspensão sempre traz prejuízos e perda potencial de empregos. No caso das obras públicas, é um mal menor para evitar o pior, que é o desvio de recursos e a vitória da corrupção.

Em apenas uma das obras bloqueadas, a Refinaria Abreu e Lima, em Recife, o TCU identificou sobrepreço de R$ 121 milhões, e notem que, neste caso, só foram analisados 12% das planilhas de custo. A Petrobras boicota o trabalho dos auditores do Tribunal e impede o acesso às informações. Lança mão de expedientes pequenos para dificultar esse trabalho, como, por exemplo, dizer que não pode encaminhar as planilhas em Excel, por falta de condições técnicas.

A própria Consultoria de Orçamento ressaltou recentemente, em nota, que os argumentos do veto são frágeis e não se baseiam no comando constitucional que regula o assunto. Os prejuízos potenciais decorrentes da paralisação dessas obras estavam colocados há meses nas discussões da Comissão Mista e a Petrobras não mexeu um dedo para esclarecer e resolver as pendências, como fizeram outros órgãos que conseguiram tirar seus empreendimentos da “lista negra”. A estatal preferiu montar um jogo de cena e propôs, de última hora, um grupo de trabalho para discutir as irregularidades — ideia rejeitada pelo TCU — preparando terreno para o veto presidencial.

Em parecer que analisa o veto, consultores da Comissão de Orçamento alertam que prosseguir com obras suspeitas de irregularidades graves pode consolidar danos iguais ou maiores àqueles que o governo diz querer evitar.

O sinal verde do governo para que essas obras continuem a receber recursos públicos, sem a garantia de que as irregularidades serão sanadas, enfraquece e desqualifica o trabalho do TCU e abre uma porteira para que outros casos parecidos tenham igual tratamento. Reforça a percepção de que a Petrobras é diferente e não se submete ao controle externo, ao contrário do que diz a lei.

Soja em queda
Com previsões de safras recordes no Brasil, EUA e Argentina, os três maiores produtores mundiais de soja, a projeção da RC Consultores é de que o preço médio do produto fique 5% mais barato em 2010. Seria a segunda queda seguida, já que em 2009 houve redução de 16%. Os estoques devem ficar quase 40% maiores este ano, saltando da 43 milhões para 60 milhões de toneladas.

Esse cenário é uma mudança brusca no mercado de soja, que antes do estouro da crise estava a pleno vapor.

Em 2008, o preço médio fechou com alta de 43%, como mostra o gráfico abaixo.

— Para 2010, estimamos queda de 9% no valor exportado do complexo soja pelo Brasil, que deve cair de US$ 16,4 bilhões para US$ 14,9 bilhões — estima Fábio Silveira, economista da RC.

As incertezas com Grécia, Portugal e Espanha também ajudam a derrubar os preços porque diminui o apetite de investidores por contratos de soja negociados em bolsa.

Efeito K
A política de confronto com o campo promovida pela presidente da Argentina, Cristina Kirchner, está fazendo com que produtores argentinos migrem para países vizinhos. O resultado já aparece nas compras de trigo feitas pelo Brasil.

Entre 2008 e 2009, as importações da Argentina caíram de 4,23 milhões de toneladas para 3,2 milhões. Já as importações do Uruguai dispararam de 88,7 mil para 863 mil toneladas, alta de quase 900%. O mesmo aconteceu com as do Paraguai, que subiram de 527 mil toneladas para 820 mil.

Custo no campo: a cna lança hoje indicador inédito sobre custos de produção na agropecuária. Soja, cana-deaçúcar, gado de corte e leite iniciam a série.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Crédito para financiamento de veículo cresce 13%

Folha de S.Paulo - 10/02/2010


O crédito para financiamento de veículos cresceu 12,9% no ano passado. O volume das carteiras para pessoa física de CDC (Crédito Direto ao Consumidor) e de leasing atingiu R$ 157,1 bilhões, ante os R$ 139,1 bilhões de 2008, segundo levantamento da Anef (Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras).

O destaque no ano passado foi o CDC, cujas operações aumentaram 13,9%, para R$ 93,9 bilhões. Já a carteira de leasing saltou para R$ 63,2 bilhões, alta de 11,5% sobre o ano anterior.

"O crescimento foi resultado da retomada da economia e da confiança do consumidor para a aquisição de veículos financiados", diz Luiz Montenegro, presidente da Anef.

Neste ano, na avaliação de Montenegro, não será necessária nenhuma ação específica para o crédito do setor devido ao andamento da economia.

Para 2010, a Anfavea (associação dos fabricantes de veículos) prevê alta da produção de 5%, para 3,4 milhões de unidades. "A indústria vai continuar trabalhando firme mesmo sem o incentivo tributário do IPI", diz o presidente da Anef.

A taxa média de juros praticada pelos bancos das montadoras caiu para 18,44% ao ano, ante 23,87% em 2008.

A inadimplência, que havia crescido em 2008, devido à crise, e começou a cair no início do segundo semestre de 2009, encerrou o ano em 4,4%. Montenegro não vê risco para a inadimplência da pessoa física. "A curva está em queda. A taxa deve fechar 2010 abaixo dos 4,3% de dezembro de 2008."

O prazo médio dos financiamentos subiu em 2009, passou de 40 meses para 42 meses.
Para 2010, a Anef estima alta de 10% a 15% no volume da carteira de crédito para veículos.

Não vejo necessidade de oferta de linha especial de crédito para o setor como no ano passado
LUIZ MONTENEGRO
presidente da Anef

VITRINE
Será inaugurada no Brasil a primeira loja da grife de luxo Diane von Furstenberg, em março, no shopping Iguatemi de São Paulo. A unidade será a primeira da marca na América Latina e a 33ª no mundo. As prateleiras terão as linhas de vestidos de noite, acessórios, calçados, bolsas, livros, óculos e joias. A marca, um dos principais nomes da moda americana, foi criada pela própria estilista no início da década de 1970.

VIZINHANÇA
O Ministério do Desenvolvimento e a Apex-Brasil irão promover, entre 22 e 25 de março, uma missão empresarial brasileira para Colômbia e Peru. No foco estão empresas industriais, comerciais exportadoras, consórcios qualificados e com potencial de exportação para os mercados peruano e colombiano.

NA LINHA
A linha de produção da General Motors, em São Caetano do Sul (SP), receberá hoje a visita de 40 executivos de finanças. A comitiva irá conhecer os detalhes de fabricação do novo carro Agile e participará de palestra sobre o mercado. O encontro é promovido pelo Ibef-SP (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças).

MERCADO DE TRABALHO
O setor químico fechou o ano passado com saldo positivo nos postos de trabalho. No Brasil, foram criadas 13.442 vagas com carteira assinada na indústria química. No Estado de São Paulo, o número de postos gerados ficou em 4.367, segundo dados do Dieese com base no Caged. "Apesar da criação de postos, ainda é alta a rotatividade dos trabalhadores", diz Sergio Leite, presidente da Fequimfar (federação paulista dos trabalhadores do setor)

ELIO GASPARI

O AterroX de Eike Batista

O Globo - 10/02/2010


No final do ano passado, o empresário Eike Batista, que gosta de botar um X no final dos no mes de suas empresas, comprou a concessão da marina do Aterro do Flamengo e prometeu melhorá-la, informando que respeitaria as normas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Como se trata de área tombada, tem mais é que respeitar. Podia-se supor que Batista apresentasse ao público um projeto arquitetônico para uma obra simples, harmoniosa, com a lembrança do objetivo daquele pedaço de maravilha: atender a quem tem barco mas não tem dinheiro para ser sócio do Iate Clube. Como disse o doutor: “Adoro o conceito americano de você ter que devolver tudo para a sociedade.” Infelizmente, começou a acontecer justo o contrário. Eike Batista quer tomar para si algo que pertence à sociedade: 100 mil metros quadrados do Aterro. Um projeto temporário, para uma competição náutica de março, prevê a construção de uma arquibancada VIP (chô, choldra), lojas e restaurantes. O mafuá funcionará durante três semanas e será desmontado. Nada impede que ainda neste ano ele reapareça.

Nessas, e em ocasiões semelhantes, quem quiser entrar na área da marina terá que comprar ingresso.

Suprema humilhação para o carioca: pagar para pisar num pedaço de chão do Aterro.

Eike Batista já é dono do Hotel Glória, que fica em frente. Ele pode anexar a marina de forma elegante.

Os seus hóspedes usarão o Parque com o conforto que o hotel lhes ofereça, mas ele não pode ser uma extensão do Glória à custa do lazer e do movimento de quem já pagou pelo Aterro.

Desde que a audácia do governador Carlos Lacerda e a obstinação de Lota Macedo Soares criaram o Parque do Flamengo, todos os espertalhões da política da cidade procuraram bicá-lo. Há anos a marina sofre a degradação de um regime de mafuá. Em 2006 tentaram impor aos cariocas uma monstruosa garagem de barcos. Foi derrubada pela Justiça. (A privataria de 1997 anunciava um empreendimento com shopping center, restaurantes, clube e, sobretudo, um centro de convenções, um Riocentro no Aterro.) O Parque, como a praia, é o pulmão social do Rio. Grátis como o ar e bonito como uma tarde de maio, ele ajuda a fazer do Rio o Rio. Santa Lota blindou-o e em 1965 conseguiu o seu tombamento. Nada pode ser construído ali sem a licença do Iphan e o respeito ao espírito do tombamento.

Em 2006, os privatas alegavam que a obra era essencial para as provas náuticas do Pan e para o prestígio internacional do Rio. Era mentira. Felizmente o Ministério Público defendeu o patrimônio da Viúva e desmascarou a patranha. Agora, a EBX diz que tem pressa. Se tem pressa, o problema é só dela. A montagem e desmontagem de mafuás é um truque vulgar. Projeto arquitetônico? Nada. Concurso público, como se fez com o Museu da Imagem e do Som? Nada. Até agora, o que se conhece é uma pífia montagem de divulgação da vila temporária da EBX. Ela ilustra um conjunto de estruturas que está mais para Buchenwald do que para Baía de Guanabara.

Caso o grupo dos X esteja em busca de novos negócios no ramo da privataria de bens culturais, aqui vai uma ideia: TajX Mall, uma marina, com lojas e restaurantes na margem esquerda do Rio Yamuna, com um acesso para os XClients pelos fundos do Taj Mahal.