sábado, dezembro 18, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Retorno salgado
MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 18/12/10

Os acionistas da Petrobras chegarão ao final do ano com uma perda de cerca de 30% no valor de seus ativos. Desde a capitalização, os papéis recuaram 4,5%. Já estavam caindo antes. Esta semana, a empresa anunciou que vai pagar US$ 850 milhões por 30% de uma refinaria que ela mesma vendeu por um preço menor, e que o mercado e a empresa vendedora avaliam por menos do que foi pago.

A Petrobras tem todas as refinarias do país. Só na Alberto Pasqualini é que a Repsol tinha 30%. Qual a importância estratégica de ter essas ações da refinaria? Difícil entender. O jornal Valor Econômico registrou que em relatório a corretora Itaú BBA considera que a Petrobras pagou caro. Em compras deste tipo, calcula-de o valor pago pela capacidade de refino de barris de petróleo. Em média, o comprador pagou, nos últimos dois anos, US$ 4,7 mil por barril. A Petrobras pagou US$ 14,9 mil por barril. O argumento do diretor de distribuição da Petrobras, Paulo Roberto Costa, é um espanto: ´agora o petróleo vai ser 100% nosso.`

Já era. Um dos motivos que fez com que a Repsol considerasse um mau negócio deter aquela participação acionária na empresa é que a Petrobras manipula os preços dos produtos, de tal forma que as refinarias viram centros de prejuízo ou de ganhos abaixo do potencial. Desta forma se cria barreira à entrada de qualquer investidor neste setor. O refino vai ser sempre 100% da Petrobras. Só que no mundo inteiro esse é o negócio que tem atraído menos investimento.

Para os acionistas da empresa, pode-se dizer que não foi um ano bom. Os papéis PN que valiam R$ 35,7 no dia 30 de dezembro, ontem estavam cotados em R$ 26. Uma queda de 27,3%, deixando a Petrobras descolada do Ibovespa, que no mesmo período teve redução de 0,9%. Para o analista da Planner Corretora Victor de Figueiredo, que cobre o setor de petróleo, a condução da capitalização da empresa foi crucial para o mau desempenho:

- A queda nas ações é reflexo basicamente da capitalização. Primeiro, demorou para sair. E, quando foi anunciada, foi feita de forma rápida, com pouco tempo para análise e tomada de decisões. A Petrobras tinha pressa porque precisava concluir o processo antes da divulgação do resultado do 3º trimestre. O endividamento da companhia estava alto e ela precisava se capitalizar. Da forma como foi feita, os estrangeiros ficaram de fora.

O analista Max Bueno, da Spinelli corretora, lembra que a capitalização aumentou a quantidade de papéis da empresa no mercado, ou seja, houve diluição. Além disso, o plano de negócios da companhia foi muito criticado pelos investimentos na área de refino, que tem uma margem de lucro mais apertada:

- O aumento das ações no mercado diminuiu o ganho de geração de caixa por ação, por exemplo. Então a Petrobras, que sempre teve margem superior a de outras companhias, perdeu vantagem comparativa. Também houve pareceres negativos da capitalização, redução do preço-alvo das ações, críticas ao plano de negócios e piora no cenário internacional. Tudo contribuiu para que as ações não recuperassem.

Os investimentos em refino desagradam os investidores não só porque a margem de lucro é menor, se comparado às áreas de exploração e produção. O problema também está nos projetos que a Petrobras se envolve. A construção da refinaria Abreu e Lima, por exemplo, custará US$ 12 bilhões, para um refino de 230 mil barris por dia. Isso significa que cada barril terá um custo médio de US$ 50 mil. Pelo cálculo do Itaú BBA - de que o custo médio de projetos desse tipo é US$ 4,7 mil por barril - a refinaria que está sendo construída no Nordeste terá um custo mais de 10 vezes superior.

- Comparada a Abreu e Lima, qualquer refinaria é barata. Ela vai trabalhar com óleos pesados de Venezuela e Brasil, que não podem ser misturados. Será criado um sistema para o óleo venezuelano e outro para o brasileiro, encarecendo custos, disse Victor de Figueiredo.

Esses mesmos 30% da refinaria Refap, no Rio Grande do Sul, e mais 10% do campo de Albacora Leste, foram vendidos pela Petrobras, em 2001, à espanhola Repsol por US$ 500 milhões. Grande negócio fizeram os espanhóis aoagora revender apenas um dos ativos por um preço 70% maior. A própria Repsol havia registrado o ativo por valor menor em seu balanço. Ninguém entendeu o negócio.

´Alguém pode argumentar que o investimento é neutro para a Petrobras, diante do pequeno tamanho da aquisição. Mas acreditamos que é outro custoso movimento na área de baixo retorno de refino`, disse o Itaú BBA.

Para uma empresa que teve duas refinarias invadidas pelo Exército boliviano em 2006, a compra de mais um campo de gás na Bolívia só poderia ter sido feito com garantias de que não haverá outro episódio de quebra de contratos. O negócio foi entendido como proteção aos outros investimentos lá:

- O campo de Itaú fica ao lado de dois outros campos que a Petrobras já possui. Então, como eles podem estar interligados, a Petrobras não correrá o risco de ser acusada pelo governo boliviano de estar roubando gás do Itaú, explicou Adriano Pires, do CBIE.

Seja como for, as decisões da companhia estão cada vez menos compreensíveis. A produção de gás no Brasil bateu recorde pelo segundo mês seguido em outubro, com alta de 9,3% em relação a 2009, como anunciou a ANP.

Mesmo assim, uma volta da empresa ao mercado é esperada e deve ter compradores diante da falta de alternativas, explicou Osmar Camilo, da Socopa:

- Por enquanto, não falta liquidez no mundo para a empresa. Um título de dívida da Petrobras com certeza tem muito menos risco do que título de países com problemas, por exemplo.

A mudança de governo aumenta a incerteza sobre como ficará a governança da empresa. Até por que permanece o mesmo grupo que tomou as decisões que derrubaram o valor da empresa. 

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