sábado, julho 31, 2010

ZUENIR VENTURA

Indelicadeza 
Zuenir Ventura
O GLOBO - 31/07/10

Não falo por mim, que sempre fui muito bem tratado pela Flip, da qual participei mais vezes até do que merecia, desde as primeiras edições. O que não entendo é o critério de seleção dos autores convidados.

Por ser uma iniciativa privada - das mais louváveis - sei que ela não precisa prestar contas: convida quem quiser de onde quiser.

Mas, por se tratar de um dos mais importantes eventos culturais do país, ela poderia ter evitado o que aconteceu este ano, quando um imprevisto resultou num gesto no mínimo deselegante da organização. Refirome à participação de Ferreira Gullar, cuja mesa ("Gullar 80") é apresentada assim: "No ano em que completa 80 anos, prestes a lançar LIVRO novo e poucas semanas após receber o 'Camões', o mais importante prêmio da língua portuguesa, o poeta Ferreira Gullar é o homenageado desta mesa em Paraty. Ele passa em revista sua trajetória e lê trechos de 'Em parte alguma', seu aguardado LIVRO de poemas." Portanto, segundo os próprios organizadores, uma presença mais do que justificada.

No entanto, apesar de todas essas circunstâncias e credenciais, o autor de "Poema sujo" só foi escalado para falar sobre sua obra na última hora, em substituição ao titular, o escritor italiano Antonio Tabucchi, que, por problemas de saúde, não pôde vir. O remédio então foi recorrer ao poeta maranhense, que estava à mão.

Se não fosse isso, sobraria para ele apenas a LEITURA de poemas de Carlos Drummond de Andrade junto com outros três colegas. Aliás, Drummond, com os 50 anos de "Alguma poesia", e José Saramago - com trechos do documentário "José & Pilar" - só receberam homenagem porque o músico Lou Reed cancelou sua participação na festa literária, deixando vago um horário. Assim, por acaso, quem saiu ganhando com a defecção dos estrangeiros foi a literatura de língua portuguesa.

Quanto a Ferreira Gullar, alguém pode alegar que ele já é por demais conhecido aqui. Quem se interessaria ainda em pagar para ouvi-lo? A resposta foi dada pelo público: as inscrições para sua mesa esgotaramse em menos de duas horas. Até por esse critério, o poeta e ensaísta, crítico de arte e cronista merecia ter sido a primeira opção, não a última.

O documentário "Uma noite em 67" é uma deliciosa viagem musical a um tempo em que tudo parecia melhor. Não era, mas a distância faz parecer. Foi a memorável noite de "Alegria, alegria", "Domingo no parque", "Roda viva", "Ponteio", entre outras.

Não sei se a gente sabia que estava assistindo a uma síntese do que seria a trilha sonora de uma geração.

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