sábado, julho 31, 2010

BRASIL S/A

Polvo acerta mais
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 31/07/10

Fé em projeções confunde a economia ao ignorar que resposta exata só há no mundo das cartomantes


Os cenários sobre a conjuntura econômica no Brasil no curto prazo se assemelham à emoção dos loops de uma montanha russa, em que não se sabe o que nos espera depois da subida modorrenta do trenzinho.

Vá lá, como assinala o economista Celso de Campos Toledo Neto num ensaio bem-humorado sobre previsões econômicas e incertezas, que “os economistas previram doze das últimas duas recessões”. E tem a lenda, diz em tom de blague, que “os lixeiros ganharam um concurso de previsões econômicas promovido pela revista The Economist”.

Não há como não ser sarcástico com a abrupta reversão, no espaço de duas semanas, entre o que a maioria dos analistas previa para o médio prazo, conduzida pelo modelo de cenários econômicos do Banco Central, e o que a economia está a demonstrar. Foi-se de 8 a 80.

Do consumo supostamente em ponto de ebulição no início do ano, o que faria a inflação ferver se o BC não esfriasse a temperatura da economia, como tantos alertaram — e a Selic respondeu, saltando de 8,75% para 10,75% ao ano —, passou-se para o outro extremo. O risco agora é o do esfriamento excessivo da economia, segundo o outro laboratório oficial de cenários, o do Ministério da Fazenda, onde sempre se duvidou do superaquecimento da demanda.

No índice antecedente do Produto Interno Bruto (PIB) da Fazenda, a economia deve ter recuado 0,1% em julho, segundo Nelson Barbosa, secretário de Política Econômica, vindo de crescimento de 0,7% em junho, ambos em relação ao mês anterior. Índice semelhante do BC também já captava desde maio mudança do ritmo de expansão do PIB, diferenciando o comportamento do primeiro e do segundo semestres.

No primeiro, a economia subiu forte. No segundo, diminui o pique. Na média, o crescimento no ano ficaria entre 6,5%, a estimativa da Fazenda, e 7,3%, a projeção do BC, fechando 2010 com uma taxa de crescimento anualizado entre 4,5% e 5% — patamar de referência dos modelos macroeconômicos para que a economia cresça sem sequelas de pressão inflacionária e deficit externo ameaçador.

No papel, tudo funciona sem erro. No mundo real, o mais comum são desvios da intenção, tal como uma simples distração pode levar um carro a subir na calçada. O momento da economia está meio assim.

Ele mistura confiança demais nos cenários, que sempre comportam margens de risco já que resposta precisa só há no mundo mágico das cartomantes, com a ânsia, segundo reflexão do economista Toledo, por “informações simples e de fácil digestão”. A isso se poderia adicionar o vício da mão um tanto pesada, digamos assim, do BC.
A corrida dos gastos
O mapa da economia está marcado por uma miríade de ações, todas impactadas pela política monetária. É o seu papel. A sua missão é compatibilizar o consumo pessoal com o gasto fiscal expansionista e o investimento, que também é gasto, mas de outro tipo. Destina-se a ampliar a oferta industrial e a infraestrutura, embora também infle o consumo enquanto em curso, ao expandir o emprego e a renda, sem a resposta da produção adicional para fazer frente à demanda.

Os três componentes do gasto (famílias, governo e investimento) disputando corrida é o que faz com que a inflação se manifeste e os deficits externos saiam de controle. BC e Fazenda concordam.
Divergência de ênfase
A divergência está na intensidade. Para a Fazenda, a retirada dos incentivos ao consumo faria a economia desaquecer. A sua febre no início do ano seria ponto fora da curva, dada pela antecipação de consumo pela iminência do fim dos incentivos. O que falhou?

No mundo ideal, ajustam-se as torneiras do gasto fiscal e crédito — este, pelo aumento dos juros. Na prática, aqui, só a válvula dos juros aperta a compulsão ao consumo, o que faz todo o custo recair sobre o gasto privado, raramente sobre o gasto dos governos.
Chute é para divertir
Nessa engenharia da estabilidade econômica, sem a colaboração do lado fiscal, o BC acaba sobrecarregado, e cresce o risco de errar. E por que a maioria dos analistas privados o acompanhou? Porque a função da política monetária baseada no regime de meta de inflação pressupõe a regência das expectativas sob a batuta do BC.

A lição a se tirar, como diz Toledo em seu ensaio, é que o futuro não está totalmente contido no passado. “Projeções publicadas sem qualquer informação sobre premissas e incertezas só cristalizam, equivocadamente, a percepção de que os economistas chutam e erram o tempo todo”, diz. Chute por chute, de fato, o polvo Paul, em seu aquário na Alemanha, faz melhor: diverte sem prejudicar ninguém.
Quando ouvir o Paul
Equívocos de avaliação como, provavelmente, da Selic além do que poderia ser não têm sido incomuns na história recente, mas não é responsabilidade apenas do BC. Pesa tanto o senso do governo Lula segundo o qual a ambiguidade dos interesses representados em cada ministério em relação aos demais gera choques de ideias que levam a decisões mais bem elaboradas. Pode ser, se no plano do debate.
Mas é insanidade, como no momento em que o BC iniciou o ciclo de aperto monetário, no fim de abril, e a Fazenda bloqueou parte das despesas fiscais. Dias depois, o presidente Lula anunciou medidas de aprofundamento da política industrial. Quer dizer: um pedaço do governo foi liberado a gastar, enquanto o outro agia para cortar. Em tal situação, sem lógica, é melhor, mesmo, consultar o polvo.

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