sábado, maio 01, 2010

BRASIL S/A

A Selic por dentro
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 01/05/10

Se o BC acertar, juros de prazo curto vão subir, os longos, cair, e a inflação voltará à meta 


Ainda que muita gente não visse razão alguma para a Selic subir, decisão, segundo o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaf, tomada “por um Banco Central acuado, refém de certos setores do mercado”, o fato é que a inflação acumulada em doze meses até março, de 5,17%, e a projetada para 2010, de 5,41%, eram como se o governo tivesse sido apeado do controle da situação.

A inflação é sempre a que resulta do aumento de preços promovido pelas empresas e, nesse sentido, se compreende a bronca de Skaf — hoje dublê de político, já que tenta sair candidato ao governo de São Paulo pelo PSB. Para ele, a capacidade instalada da indústria pode atender a demanda “sem que aconteça pressão sobre os preços”.

Para a Fiesp, haveria uma capacidade “escondida” de 15% acima do nível de produção medido em março, da ordem de 69,2%, considerada uma amostra de 247 empresas. A tanto se chegaria com horas extras, turnos adicionais e a ativação de novas máquinas. É possível, mas isso é o que as empresas já fazem e está dentro do índice medido.

O quadro da oferta pela chamada “economia real”, o contraponto de tijolo e aço ao mundo virtual das finanças, está em crescimento em duas frentes: da ocupação da capacidade instalada, tornada ociosa pela recessão breve do ano passado, e expansão da produção física, resultado de investimentos que tem feito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) o endereço mais quente da praça, complementado pela tomada de recursos externos.

Entre a ativação do maquinário existente e novas instalações, há um atraso em processo, que chega, em média, a 18 meses, segundo as estimativas usuais, com ambos, além disso, correndo atrás do ritmo da demanda impulsionada pelo aumento da renda, emprego e crédito.

Seria um quadro administrável em termos de controle inflacionário se não estivesse a demanda agregada também vitaminada pelos gastos fiscais do governo em expansão acelerada. E isso em meio a um dado pouco falado da realidade empresarial brasileira: a oligopolização da maioria dos setores, com poucas e grandes empresas com poder de mercado para impor preços — além de favorecidas por uma estrutura tarifária protecionista de uma época em que o dólar era escasso e a substituição de importações, uma política de governo.
Pragmatismo sindical
Com inflação ninguém brinca, nem os sindicalistas que também, a cada reunião do BC para discutir a Selic, unem-se aos industriais para criticar em coro a decisão, seja ela qual for. Confiantes de que o BC, escorado no presidente Lula, que é do meio e conhece as manhas de seus pares, jamais deixará o balde entornar, eles falam grosso contra os juros altos. Mas mudarão o disco, se precisarem.

Como? À menor cobrança das suas “bases”, se o salário começar a terminar antes que o mês acabe. É o que já está acontecendo.
Salário já é corroído
Conforme a Pesquisa Mensal do Emprego do IBGE relativa a março, a massa de rendimento real cresceu 5,2% em relação a março de 2009, quando aumentou mais, 5,8% sobre 2008. Foi a menor expansão para o mês de março desde 2006, segundo análise da consultoria LCA.

“A aceleração da inflação corrente tem mitigado em alguma medida a evolução dos ganhos reais dos salários”, diz. “Não por acaso, o rendimento médio real registrou alta interanual de 1,5% em março contra 5% nessa mesma comparação em março de 2009.” Inflação bate direto no bolso. Mas o mercado financeiro a pressente bem antes.
A mecânica dos juros
O aumento dos juros no interbancário já estava consolidado antes de o BC elevar a Selic de 8,75% ao ano para 9,5%. Como parâmetro do espectro dos juros, conforme o prazo de vencimento dos papéis de dívida de emissão de bancos, empresas e do Tesouro, a Selic já mal dava para repor o capital aplicado, abatida a inflação realizada. E o levava ao prejuízo, se descontado também o Imposto de Renda.

Os juros no Brasil são dos mais altos no mundo. Mas também são a carga tributária e a inflação, 2ª maior do mundo nos últimos vinte anos até 2008. Para a Selic ser contracionista, objetivo do ciclo iniciado quarta-feira, quando passou de 8,75% para 9,5% — ou 4,1%, abatida a inflação e antes do IR —, ela precisa alinhar-se à taxa do interbancário, 11,5% na mesma data. Assim era como reflexo da inflação então prevista. O interbancário é que impacta a inflação.

Se a Selic for competitiva, a banca estaciona mais que de hábito suas disponibilidades na manjedoura do BC e começa o aperto. Os juros de prazo curto sobem, os longos caem e a inflação tenderá à meta definida pelo governo (4,5%). Para ser diferente, o governo deveria contribuir com o lado fiscal. Mas isso não vai acontecer.
Caos na fila do gasto
A política fiscal, no Brasil, é rígida para baixo e elástica para cima. Sua contribuição para a estabilidade tem sido nula. E quando tudo expande a demanda, não acompanhada pela oferta crescendo a um ritmo maior — fruto do investimento que enquanto em curso também a impulsiona —, abre-se um buraco nas contas externas, decorrente da importação avançar sobre a exportação. E muitos ficam com vontade, das grandes empresas às bibocas da esquina, de faturar em cima da vontade do consumidor de gastar. A política econômica deveria dar ordem ao gasto conforme prioridades, que por ora é o investimento. Como não tem feito isso, todo o peso do ajuste recai sobre o BC.

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