sexta-feira, abril 02, 2010

RUY CASTRO

Big Bang
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/04/10

Foi por causa do acelerador de partículas. Enquanto os prótons voavam feito baratas tontas dentro da engenhoca na Suíça, lembrei-me dos atentados na Rússia, das denúncias contra os padres pedófilos, dos terremotos no Haiti e no Chile, das execuções em massa no Irã, dos presos políticos em Cuba, dos cativeiros das Farc na selva colombiana, do degelo no Ártico, das enchentes em São Paulo e de outros desaires recentes, e comecei a me perguntar se, há bilhões de anos, não teria sido mais sensato adiar o Big Bang ou mesmo desistir de criar o universo.
Pouco depois, ao constatar que somos contemporâneos do panetone de José Roberto Arruda, da tunga dos royalties do petróleo por Ibsen Pinheiro, das cabriolas da família Sarney com o dinheiro público, do mau humor de Dilma Rousseff, da letargia de José Serra, da comoção nacional pelo Big Brother e da tomada do poder na música brasileira pelas duplas sertanejas, cheguei à conclusão de que o Big Bang, definitivamente, não foi uma boa ideia. Melhor seria se continuasse a pasmaceira cósmica.
Mas, ao mesmo tempo, lembrei-me da primeira vez em que assisti no cinema à fita em série "Perigos de Nyoka"; li os contos de Dorothy Parker; ouvi "Fotografia", de Tom Jobim, com Sylvinha Telles; vi o Flamengo de Zico, Junior, Leandro, Adílio, Andrade, Carpeggiani, Nunes e grande elenco; conversei com Moacyr Luz e Aldir Blanc; e comi maniçoba, a feijoada paraense, de uma carrocinha fumegante, em prato de plástico, na rua, em Belém do Pará. Enfim, ali achei que, pensando bem, o Big Bang até que viera na hora certa.
Finalmente, ao me dar conta de que sou contemporâneo dessa nova geração de garotas que perfumam de sal, iodo e sabonete as tardinhas do Leblon, concluo que, na verdade, o Big Bang chegou tarde.

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